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III. Tutela administrativa e função administrativa judicante

III.3. O conceito de autoridade

Com especial atenção à função do CADE, é preciso uma breve digressão sobre as chamadas agências (autoridades).

A idéia de agências nasce de tribunais semi-contenciosos ingleses criados para regulação de alguns setores e para decisões em matérias específicas, no século XVII, com poderes de adjudication, em setores que requerem expertise. Nos EUA, em 1887, é criada a ICC – Interstate Commerce Commission – para regulação da atividade ferroviária, com a ulterior criação da Federal Trade Comission – FTC – americana em 1914, período no qual o Estado assume a regulação da economia de forma consciente e incisiva. O FTC surge como primeira instituição a exercer papel de tutela da concorrência, criada para prevenir a concorrência desleal à luz do Sherman Act de 1890. A intervenção do governo da economia nos anos do New Deal acaba por consolidar a fórmula. Em 1935, com a sentença Humphrey‟s Executor vs United States, é consolidada a idéia de agência independente, impondo-se limites aos poderes do Presidente de remover um comissário da

41 FTC de suas atribuições. Em 1946, são editados o Administrative Procedure Act (1946) com disciplina residual e garantística de regras em matéria de julgamento e produção de normas, no escopo de consolidar a noção de autoridade independente.87

No âmbito da tutela da concorrência americana, como já referido, há ainda a Antitrust Division do Department of Justice (DOJ). O DOJ atua as normas antitruste provendo processos civis e penais diante dos Tribunais, enquanto a FTC exerce função profilática na tutela preventiva dos consumidores e na manutenção de condições de competição econômica. Na FTC, a fiscalização das condutas é feita pelo Bureau of

Competition, com função de prevenção dos comportamentos de concorrência desleal e de

promoção da competição, é composto por advogados que exercem função investigativa e de efetivação da norma antitruste diante dos tribunais e dos Administratives Law Judges. Há ainda o Bureau of Consumer Protection cujo escopo de investigação e de litigation diante de cortes federais e administrativas.88

Na União Européia, quando de sua instituição havia a clara preocupação com a aplicação uniforme das normas em matéria concorrencial, tratada como “priorità assoluta ai fini della integrazione dei mercati”, especialmente com a instituição de um sistema centralizado a cargo da Comissão. Com a integração efetiva do mercado, “un sistema antitrust centralizzato appare ormai più di ostacolo, che di vantaggio, ai fini di una efficace tutela della concorrenza. Sta impedendo alla Comissione di concentrarsi sulle infrazioni più gravi, che raramente sono notificate, mentre risultano le più dannose per i consumatori e l‟economia europea”. Dessa forma, ao menos em tese (como se verá adiante com o esclarecimento das relações entre a Comissão e as Autoridades Nacionais), a partir de 2004, com o Regulamento 1/2003, é instituído um sistema descentralizado que amplia a competência das autoridades nacionais e que objetiva fundamentalmente “sollevare la Comissione da compiti che non contribuiscono ad una più efficente applicazione delle regole di concorrenza e avvicinare il processo decisionale ai cittadini”.89

87 Benedetto, L‟Autorità garante della concorrenza e del mercato, n. II.2.1. 88 Benedetto, L‟Autorità garante della concorrenza e del mercato, pp. 116-121. 89

42 Na Itália, a figura da AGCM é inspirada pelo direito francês (autorités administratives indépendantes90), ostensivo nas similitudes estruturais. O modelo começa a ganhar importância na década de 70 com a maior intervenção do Estado na economia e à necessidade de proteger o pleno respeito à lei em determinados setores sensíveis da economia.91 O Estado deixa de ser um ator privilegiado e assume a função de árbitro, intermediário em relação aos interesses em jogo, de modo a melhorar a relação entre os cidadãos e a administração pela correção de desvios do mercado e controle da iniciativa econômica, por meio de órgãos de alta especialização técnica de “funzione „naturalmente‟ ausiliare a servizio dagli organi rappresentativi”92

. Cria-se então a AGCM com papel imparcial e similar ao do juiz, sinteticamente tratado “sul piano dei profili connotativi dell‟indipendenza, particolarmente rispetto all‟esecutivo, con la previsione di limite ai poteri di rimozione e scioglimento dei vertici, con il riconoscimento di un‟ampia autonomia finanziaria e organizzatoria, e con l‟attribuzione di poteri regolamentari e decisori ascrivibili alla categoria d‟importazione dei poteri quasi-normativi e quasi- giudiziali; - sul piano della struttura organizzativa collegiale, perché in grado di assicurar la migliore ponderazione di interesse, in modo da garantire l‟imparzialità della funzione”.93

E “il requisito dell‟indipendenza non è di per sé inconciliabile con il concetto di amministrazione (…) non essendo ipotizzabile un‟astratta ed aprioristica antitecità tra l‟ideia stessa di amministrazione e la sua caratterizzazione come apparato indipendenti”, considerando a figura da administração como um instrumento separado do poder político, un pouvoir administratif, regulador pela lei. Dentro de uma hermenêutica evolutiva, contempla-se um policentrismo autônomo de um sistema de organização em rede que leva em conta a complexidade e multiplicidade de interesses de setores sociais. As autoridades independentes exercem uma função intermediária entre a Administração e o Poder Judiciário. Ainda assim se fala de atenuação da independência pelas peculiaridades da aprovação das nomeações de conselheiros e da determinação de respeito dos “indirizzi di politica generale formulati dal Governo”. Porém isso não ocorreria na AGCM, na

90

O sistema francês ostenta a peculiaridade de que as autoridades fiscalizam as atividades de empresas privadas e públicas em casos de disfunções de poderes burocráticos (Benedetto, L‟Autorità garante della

concorrenza e del mercato, pp. 17-18).

91 V. também Negri, Giurisdizione e amministrazione nella tutela della concorrenza, p. 3, nota 6. 92

Méritos ainda da Escola Alemã de Frieburg, com a idéia de economia social do mercado pela via institucional alternativa ao liberalismo e ao dirigismo centralista. O Estado é forte e neutro, desenvove função de reequilíbrio e garantia institucional de mecanismos de mercado, por meio da administração pública da economia.

93

43 medida em que não seria titular de poderes de administração ativa, não controla a inscrição de empresas, não regulamenta sua atividade e não persegue um fim público além daquele de fazer respeitar as regras sobre concorrência. A AGCM tem função contenciosa, conduzindo casos individuais concretos à hipótese prevista pelo legislador – atividade própria de autoridades judiciárias – razão pela qual sua atividade é considerada parajurisdicional. 94

Na França, a separação dos poderes aliada à Revolução deu origem a sistema que vedava a interferência do Poder Judiciário na Administração. Com a evolução histórica, na Europa, narra-se a existência de tipos de modelos organizativos do contencioso administrativo: (a) administrativista (“administrador-juiz”, “autotutela”, “jurisdição reservada” ou “jurisdição conservada”) – a decisão compete aos órgãos superiores da administração ativa (julgar a administração é administrar); (b) judicialista – as decisões sobre questões administrativas cabe aos tribunais integrados a um sistema (julgar a administração é julgar); (c) judiciarista (quase judicialista) – “a resolução dos litígios relativos à administração, por não ser (substancialmente) estranha à função jurisdicional, cabe a autoridades „judiciárias‟, que são órgãos administrativos independentes, alheios à orgânica dos tribunais (apesar de sua designação como „tribunais administrativos‟)”; (d) administrativista mitigado – a decisão cabe a órgãos superiores da administração com procedimento jurisdicionalizado com intervenção consultiva obrigatória de órgão independente da administração e (e) judicialista mitigado – em que as sentenças têm força executiva nula ou limitada perante a Administração.95

O ponto traz à luz antiga polêmica sobre a legitimidade das agências/autoridades independentes, especialmente à luz do princípio da separação dos poderes. A autoridade independente estaria em uma uneasy constitucional position. Segundo modelo americano, ela decorre do poder do Presidente de assegurar a execução da lei, do Legislativo em delegar a normatização de questões específicas relacionadas com a atuação da lei. O problema da ilegitimidade constitucional reside na criação de corpos administrativos não inseridos em nenhum dos poderes, o que deixaria precário o equilíbrio garantístico previsto na tripartição dos poderes – o problema do fourth branch

Government, autônomo em relação aos outros. A criação desse órgão poderia trazer uma

94 Garofoli, “Procedimento, accesso e autorità indipendenti”, p. 3335 e ss. 95

44 ruptura com a função administrativa tradicional. A independência da autoridade em relação ao Executivo poderia levar a uma carência de legitimação democrática, com a quebra da tradicional idéia de tripartição dos poderes, eis que a Autoridade estaria situada entre a Administração e a Jurisdição (criando-se assim uma nova expressão de Poder do Estado), além de uma idéia de irresponsabilidade numa quebra de disposições constitucionais ou um tipo de criação não autorizada (escamotage) de juízos especiais – em violação da idéia de juiz natural.96

Mas “non ricorre in questo caso una patologia funzionale del fondamentale principio ordinatore del nostro sistema costituzionale (o princípio da tripartição de poderes): solo se „chi possiede tutti i poteri di un determinato settore, assomi a sé tutti i poteri di un altro, vengono (…) sovvertiti i principi stessi su cui poggia una Costituzione democratica‟”. De fato, a Suprema Corte americana apreciou a questão para afirmar que uma agência poderia ostentar poderes judicantes, funcionando como um lugar de contato entre os três poderes (“luogo di scontro tra i tre poteri”), ostentando uma natureza híbrida, um “strano amalgama”, com combinação de poderes.97

As autoridades administrativas ostentam essa independência das atividades de direção do governo, mas estão submetidas a um sistema de controle que contribui para a solução do problema do “rapporto tra indipendenza e responsabilità: „ciò che è richiesto per riconciliare indipendenza e responsabilità sono più ricche e più flessibili forme di controllo che i tradizionali metodi di supervisione politica ed amministrativa. Chiari e limitati obiettivi legislativi, precise previsioni procedimentali come quelle imposte ai regolatori americani dall‟Administrative Procedure act, sindacato giudiziale, analisi costi-benefici e il „regulatory budget‟, professionalità e competenza, controllo da parte dei gruppi d‟interesse, ed anche la rivalità tra agenzie, possono essere elementi di un pervasivo ma flessibile sistema di controllo. Quando il sistema lavora correttamente, nessuno controlla un‟agenzia indipendente, eppure l‟agenzia è „sotto controllo‟”. É necessário “rendere efficaci i controlli fattuali, superando i limiti della cultura istituzionale europea nello svolgimento di attività di regolazione che sembra essere „altamente discrezionale,

96 Negri, Giurisdizione e amministrazione nella tutela della concorrenza, pp. 5 e 6, nota 15. 97

45 soffrendo di scarsa responsabilità nei confronti del parlamento, debole sindacato giuziale, assenza di garanzie procedimentali e insufficiente partecipazione del pubblico”.98

Marçal Justen Filho, comentando um aludido déficit democrático em agências reguladoras, aduz que a legitimação democrática se dá por diversas vias, e não somente pela eleição popular. E referindo-se a Chevalier, afirma que a democracia pressupõe respeito ao pluralismo, a garantia dos direitos e liberdades e o debate sobre escolhas coletivas, pautados sobre padrões éticos.99

Passando adiante, é ressabida a dificuldade de uniformização de conceitos sobre as agências, dadas as diferenças estruturais e funcionais identificadas entre agências de mesma função em diversos países ou mesmo diante de diversas agências dentro de um mesmo país.100 Negri afirma que tais agências divergem, v.g., na forma de indicação dos seus componentes – com reflexos sobre a imparcialidade -, na função exercida e nos poderes de que são investidas.101 Podem ser divididas em dois grandes grupos: aquelas com competência de regulação (intervenção direta sobre um setor com

98 Nos EUA havia a intervenção do Legislativo sobre as agências por meio do direito de veto (uma reserva de

poder de anulação de atos do executivo), declarado inconstitucional em 1983, deixando-as ao controle do Executivo. O controle sobre as despesas das agências é atribuído ao Congresso, mas desvinculado de qualquer condicionamento econômico. O poder do Senado de confirmar uma nomeação usualmente não rejeita a indicação do Presidente. Em relação ao presidente, destaca-se que a agência è unificada sobre direção presidencial, mas este tem um papel interventivo limitado; o presidente tem o poder de indicar e remover funcionários administrativos (poder de organização do executivo), mas o congresso limita esse exercício criando hipóteses legais e taxativas de remoção. A jurisprudência americana evolui nesse sentido, especialmene em 1935 com a referida sentença no caso Humphrey‟s Executor vs United States, sob a justificativa de que “i funzionari preposti alle independet agencies non sarebberero funzionari puramente esecutivi, ma esperti neutrali in posizione di indipendenza rispetto al Presidente, che avrebbe solo il potere di nominarli. Il carattere paricolare di questo ufficio richiederebbe di qualificarne i funzionari come esercenti potestà quase-giudiziali e quasi-legislative piuttosto che esecutive”. Por fim, a decisão no caso Buckley vs.

Valeo (1986) reconfirma o poder de remoção atribuído ao Presidente, inclusive dos membros de agências

independentes (Benedetto, L‟Autorità garante della concorrenza e del mercato, p. 41, 389-390 e nn. 3.1-3.3).

99 Justen Filho, “Agências reguladoras: existe um déficit democrático na regulação independente?” pp. 278-

279.

100 Para Benedetto, “sarebbe così possibile delimitare, per approssiomazione concettuale, la figura della

independent/administrative agency solo a partire da definizioni generiche, che si limitino ad indicare come costante l‟exercicio di autorità delegata per funzioni di governo” (Benedetto, L‟Autorità garante della

concorrenza e del mercato, p. 24).

101 É exatamente nesse ponto que a Autoridade italiana se ampara para anunciar sua imparcialidade,

afirmando: “L'Autorità va ricompresa tra le „Autorità Indipendenti‟, che svolgono la propria attività e

prendono decisioni in piena autonomia rispetto al potere esecutivo. All'indipendenza dell'Autorità contribuiscono, tra l'altro, le modalità di nomina e i requisiti del Presidente e dei Componenti, i quali sono nominati congiuntamente dai Presidenti di Camera e Senato e non possono essere confermati nella carica alla scadenza dei sette anni. In particolare, il Presidente viene scelto tra persone di notoria indipendenza che abbiano ricoperto alte cariche istituzionali; i quattro Componenti sono scelti tra persone di notoria indipendenza da individuarsi tra magistrati del Consiglio di Stato, della Corte dei Conti o della Corte di Cassazione, professori universitari ordinari e personalità di alta e riconosciuta professionalità provenienti da settori economici” (www.agcm.it).

46 poderes normativos) e de garantia (vigilância e garantia de valores predeterminados pela lei).102

Ainda assim, Benedetto promove uma tentativa de sistematização do conceito, afirmando como características dessas agências: i) a colegialidade, ii) o critério político para a nomeação dos „comissários‟, iii) a ampla autoridade de regulamentação, iv) o poder de convocar audiências formais, v) o poder de investigação, vi) o mandato especial e vii) as restrições ao poder de remoção do Presidente (e este último se afirma como o verdadeiro traço caracterizador). Destaca ainda a recorrente falta de previsão constitucional justificada pela desnecessidade, à luz da possibilidade de regular vinculação ao executivo, destacando que o legislativo institui a agência e escolhe seu modo de funcionamento e o grau de independência.103 Mas ressalva: “se per terzietà si intende il carattere soggettivo che definisce la posizione del giudice all‟interno del processo in cui si esercita la fuzione giurisdizionale, allora le autorità amministrative indipendenti – e fra loro l‟Antitrust – non svolgono il loro ruolo da una posizione „terza‟. Esse, infatti, sono investite di una mission per la cura di un iteresse pubblico, rispetto al perseguimento del quale sono, come istituzioni, direttamente responsabili. Basti a questo proposito ricordare che la cura dell‟interesse pubblico alla tutela della concorrenza e del mercato è affidata, direttamente, dalla legge all‟Autorità, che la esercita discrezionalmente ed attivamente, sulla base di una expertise normalmente estranea all‟esercizio della giurisdizione, valutando – nell‟esercizio dei suoi poteri decisionali – la rilevanza anticoncorrenziale di condotte delle imprese, ed utilizzando a tal fine i propri duttili poteri procedimentali e sanzionatori”.104

De fato, são vastos e diferenciados os modelos estruturais e funcionais de proteção da tutela da concorrência.

O mais importante deles provém da Common Law, contando com agências independentes com poderes investigativos e de fiscalização, tais como a Federal

Trade Comission (FTC – EUA) e a Monopolies and Mergers Commission (MMC –

Inglaterra), e com órgãos vinculados ao poder executivo – órgãos ministeriais – com

102 Negri, Giurisdizione e amministrazione nella tutela della concorrenza, p. 4 nota 10. 103 Benedetto, L‟Autorità garante della concorrenza e del mercato, pp. 43-44.

104 Benedetto, L‟Autorità garante della concorrenza e del mercato, p. 375. Querzola também concorda ao

afirmar, v.g., que a atividade no âmbito antitruste da Comissão Européia “non possa considerarsi attività giurisdizionale, in quanto proveniente da un organo che manca del requisito primo ed indispensabile della „giurisdizionalità‟, ovverola posizione di terzietà rispetto agli interessi di cui è chiamata a conoscere” (“La tutela cautelare antitrust fra processo e amministrazione, riflessioni minime”, p. 291); ainda Biavati, “Il diritto processuale e la tutela dei diritti in materia di concorrenza”, p. 100.

47 poderes de investigação e de “promoção de justiça”, a saber o Department of Justice

(Antitrust division – EUA) e o Office of Fair Trading (Inglaterra).105 Fala-se em uma

divisão de trabalhos entre administração e as cortes contendo uma concepção restritiva da revisão judicial, na medida em que ao juiz cabe a aplicação das regras gerais de direito, com o exame decisões arbitrárias e without any evidence, enquanto à administração compete o exame de questões de direito – sendo que “attribuirle (decisões sobre fatos) alle corti significherebbe sostituire una discrezionalità (quella del giudice) ad un‟altra (quella dell‟amministrazione). La regola della supremacy of law non vuole questo: impone che la discretion amministrativa sia soggetta solo alla law”.106

Na França, em relação ao Conseil de la Concurrence, responsável pela repressão de pratiques anticoncurrentielles, reconhece-se que seus provimentos têm sua natureza quase jurisdicional, sem as prerrogativas de uma decisão efetivamente jurisdicional. Eles estão sujeitos aos regimes dos atos administrativos, privados da eficácia da coisa julgada e não vinculam o juiz civil. Porém, a competência da corte de apelo de Paris para revisão das decisões do Conseil é considerada excepcional, tida por ingerência do Poder Judiciário em atos da administração. Mas fala-se de um órgão “em vias de jurisdicionalização”, sendo que parte da doutrina francesa espera a transformação do Conselho em uma Jurisdição concorrencial.107

Na Alemanha, a autoridade administrativa é o Bundeskartellamt, coligado ao Ministério da Economia, cuja independência é largamente defendida. É fato que o Executivo, por meio do Ministro correspondente tem o poder de dar diretivas gerais sobre a aplicação da norma antitruste, mas nunca exercitou esse poder, além da competência para autorizar práticas tidas por anticoncorrenciais – aspecto marcadamente político. É uma autoridade afeita à responsabilidade ministerial – não se repetindo a discussão italiana sobre o distanciamento do controle do governo e a legitimidade constitucional da autonomia da Autoridade.108

Na Itália, a atuação administrativa de proteção da concorrência, exercida pela Autorità Garante della Concorrenza e del Mercato (AGCM), que exerce atividade por meio de processos e volta-se ao parlamento como o mais imediato referente institucional,

105 Benedetto, L‟Autorità garante della concorrenza e del mercato, p. 9-10. 106 Benedetto, L‟Autorità garante della concorrenza e del mercato, p. 219. 107 Negri, Giurisdizione e amministrazione nella tutela della concorrenza, p. 22. 108

48 embora seja estruturada para ser independente da política do governo. Assimila-se a teoria das Autoridades Administrativas Independentes (estrutura pública dotada de prerrogativas particulares de autonomia, livres da relação hierárquica, submetidas somente à lei), criando-se a AGCM, nos termos da lei n. 287 del 10 ottobre 1990, com competência para o exame de acordos restritivos da concorrência, do abuso de posição dominante e de atos de concentração que não incidam no âmbito de aplicação de Tratados da Comunidade Européia. Ostenta poderes ordinatórios, investigatórios, instrutórios, sancionatórios, e de “dispensa” ou autorização (em casos de atos de concentração), além de ser órgão judicante colegiado, composto por um presidente e outros quatro componentes nomeados pelo legislativo italiano, com um mandato de sete anos. Há ainda o chamado Secretário Geral da Autoridade, indicado pelo Ministro do Desenvolvimento Econômico. E trata-se de um órgão uno, que desenvolve em seu interior toda a atividade proposta.109

O sistema de defesa da concorrência está amparado pelo art. 41 da Constituição, que enuncia a liberdade da concorrência e a necessidade de coordenação do conceito com as idéias de utilidade social, dano à segurança, liberdade, e dignidade humana, cabendo à lei determinar os programas de controle “perché l'attività economica

pubblica e privata possa essere indirizzata e coordinata a fini sociali”. Fala-se ainda em

“assicurare le condizioni generali per la libertà di impresa, che consentano agli operatori

economici di poter accedere al mercato e di competere con pari opportunità; e tutelare i consumatori, favorendo il contenimento dei prezzi e i miglioramenti della qualità dei prodotti che derivano dal libero gioco della concorrenza”. A idéia de tutela da

concorrência está atrelada à tutela da funcionalidade concorrencial do mercado nacional em um sistema de enforcement binário – que contempla a atuação administrativa (no âmbito nacional e comunitário) e jurisdicional.110

Por sua vez, a Comunidade Européia é uma Convenção por meio da qual os Estados conservam sua soberania, mas delegam poderes, em algumas áreas, para instituições comuns (Parlamento Europeu, Conselho da União Européia e a Comissão Européia, em um triângulo institucional, além de comitês, instituições financeiras, Serviços