• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 4 – A avaliação da política pelos atores envolvidos

4.7 O conceito de emancipação em Paulo Freire

O direito do Estado não pode se sobrepor aos interesses de vida dos integrantes que o legiti-mam. Aqueles que executam tarefas e que agem contra a vida humana, são assassinas de si mesmas na medida em que assassinam seus semelhantes. Evitar o terror é impedir o aparecimento de assas-sinos de gabinetes e de pessoas subalternas que perpetuam a própria servidão, executando genocí-dios e reeditando o terror. Esta é uma agenda para uma educação integral que aponte para a eman-cipação humana (MAZZA, 2019).

Na contemporaneidade, a preservação das condições que permitem a expe-riência formativa, o contato com o outro, o desenvolvimento da capacidade de amar, o sentimento de responsabilidade com o outro, a abertura à história, a manutenção do trabalho social alternativo e crítico, são exercícios educaci-onais para a emancipação que evitam a repetição de Auschwitz. (MAZZA, 2019, p. 27).

Nesse contexto, cabe à escola ou deveria, se afirmar como um ambiente de relações diretas que reconstrói experiências sociais, exercita processos dialógicos, aprofunda dinâmicas democráti-cas, explicita conflitos e contradições e afirma compromissos em defesa da vida. Os conteúdos cur-riculares e as tecnologias educacionais podem se constituir como poderosos mecanismos para a composição de um projeto sociopolítico e pedagógico que visa o pleno desenvolvimento da pessoa, o exercício da cidadania, a qualificação para o trabalho e a não repetição de Auschwitz.

libertar-se, emancipar-se e conquistar a sua autonomia, para isso é preciso exercer a práxis revolucionária, ou seja, superar os modelos autoritários impostos pela classe opressora, pois:

[...]somente os oprimidos podem libertar os seus opressores, libertando-se a si mesmos [...]. É, pois essencial que os oprimidos levem a termo um comba-te que resolva a contradição em que estão presos, e a contradição não será re-solvida senão pela aparição de um homem novo e nem o opressor nem o opri-mido, mas um homem em fase de libertação. (FREIRE, 1980, p.59)

Jesine (2019) mostra que nos idos da década de 1960, a partir do Serviço de Extensão Uni-versitária da Universidade do Recife, em parceria com os movimentos organizados da sociedade ci-vil, como o por exemplo o Movimento de Educação de Base e o Movimento de Cultura Popular, que envolviam estudantes universitários, Paulo Freire desenvolveu atividades voltadas à alfabetiza-ção de jovens e adultos sob a ótica da conscientizaalfabetiza-ção política. A educaalfabetiza-ção freiriana é entendida como um processo que alfabetiza e conscientiza ao mesmo tempo, ao contrário do que denomina de

“educação bancária” ou “educação do colonizador”, que se sustenta na repetição e mecanização do ler e escrever.

O ensinar/aprender na concepção da educação libertadora/emancipatória são formulados a partir do princípio da indagação. Uma educação feita a partir das experiências concretas em que se valoriza a realidade dos sujeitos, geradores de diálogos e proposições de novos questionamentos e conhecimentos. O ato educativo se ancora na construção do conhecimento com o sujeito e não para ele, incentiva a valorização dos vocábulos, a dinamização da cultura e o reconhecimento crítico da realidade. Uma educação para o sujeito oprimido voltada para as massas, para os trabalhadores, no que diz respeito à estruturação de uma prática que possibilite a humanização desse, no lócus social, político e educacional.

Em seu exílio, no contexto do Regime Militar imposto ao Brasil, a partir de 1964, Freire torna-se reconhecido pelo trabalho de alfabetização e dedica-se à construção do livro Educação como prática de liberdade (1967), em que delineia a prática pedagógica e epistemológica do Méto-do Paulo Freire de Alfabetização. Em Pedagogia Méto-do OprimiMéto-do (1991), Freire descreve as relações opressoras na estrutura social e indica diversas possibilidades de mudanças, que culminam no que chama de Pedagogia Libertadora, em que o seu ápice é a emancipação.

Nesse sentido a educação libertadora, problematizadora, já não pode ser o ato de depositar, ou de narrar, ou de transferir ou de transmitir conhecimentos e valores aos educandos, meros pacientes, à maneira da educação bancária, mas um ato cognoscente. Como situação gnosiológica, em que o objeto é cognoscível, em lugar de ser o término do ato cognoscente de um sujeito, é o

mediatizador de sujeitos cognoscentes, educador de um lado, educando, de outro, a educação problematizadora coloca desde logo, a exigência da supera-ção da contradisupera-ção educador–educando. Sem esta não é possível a relasupera-ção di-alógica, indispensável à cognoscibilidade dos sujeitos cognoscentes, em torno do mesmo objeto cognoscível. (FREIRE, 1991, p. 39)

A práxis em Paulo Freire, assevera Jesine (2019) configura-se como uma relação de ação-reflexão-ação, que supera a polarização teoria e prática, ultrapassa o senso comum e o bom senso, a partir do exercício da consciência filosófica, em que presume que consciência filosófica constitui a expressão da concepção de hegemonia como sendo aquela que possui seu alto grau de elaboração, constituída pelos conceitos de história, de política, de economia em uma unidade orgânica. Os pila-res da educação libertadora de Paulo Freire se constituem a partir desse processo de conhecimento e formação da consciência filosófica, na aprendizagem coletiva que se expressa na prática de ensinar e aprender, construída na relação dialógica entre educador e educando, sem autoritarismo e imposi-ção. A educação libertadora tem no diálogo o ponto de interseção para a construção desse processo e alcance da libertação da opressão.

A construção dos princípios epistemológicos da educação libertadora, bem como o diálogo compreendido como possibilidade de promover o pensar, indagar-se e indagar o outro se dá na críti-ca à educríti-cação bancária, opressora, que desconsidera a realidade do sujeito. Nessa perspectiva, Paulo Freire considera que dialogar é um instrumento de libertação e explica que diálogo,

é uma relação horizontal de A com B. Nasce de uma matriz crítica e gera cri-ticidade (Jaspers). Nutre-se do amor, da humildade, da esperança, da fé, da confiança. Por isso, só o diálogo comunica. E quando os dois pólos do diálo-go se ligam assim, com amor, com esperança, com fé um no outro, se fazem críticos na busca de algo. Instala-se, então, uma relação de simpatia entre am-bos. Só aí há comunicação. “O diálogo é, portanto, o indispensável caminho”, diz Jaspers, “não somente nas questões vitais para nossa ordenação política, mas em todos os sentidos do nosso ser. Somente pela virtude da crença, con-tudo, tem o diálogo estímulo e significação: pela crença no homem e nas suas possibilidades, pela crença de que somente chego a ser eu mesmo quando os demais também cheguem a ser eles mesmos”. (FREIRE, 1967, p.107).

No entanto, a efetivação do diálogo na prática pedagógica, só acontecerá se o educador favo-recer a problematização da realidade dos sujeitos inseridos na realidade, o que implica uma atitude gnosiológica que conduza educador e educando a refletirem sobre a origem, a essência e os limites do conhecimento como ato cognitivo. Nesse sentido, o diálogo se constitui no fundamento da edu-cação libertadora de Paulo Freire, em que a construção do conhecimento é um processo coletivo, que une a prática e a teoria em uma perspectiva dialética para a construção da consciência crítica, em contraposição à consciência ingênua. Sobre a necessidade da consciência crítica, Freire explica:

Enquanto para a consciência crítica a própria causalidade autêntica está sem-pre submetida à sua análise — o que é autêntico hoje pode não ser amanhã — para a consciência ingênua, o que lhe parece causalidade autêntica já não é, uma vez que lhe atribui caráter estático, de algo já feito e estabelecido. A consciência crítica “é a representação das coisas e dos fatos como se dão na existência empírica. Nas suas correlações causais e circunstanciais”. “A cons-ciência ingênua (pelo contrário) se crê superior aos fatos, dominando-os de fora e, por isso, se julga livre para entendê-los conforme melhor lhe agradar.”

[…] Por isso é que é próprio da consciência crítica a sua integração com a re-alidade, enquanto que da ingênua, o próprio é sua superposição à realidade (FREIRE, 1967, p. 105).

Além da consciência crítica, Freire (1967) defende a necessidade de homens e mulheres aprenderem a efetivar e exercer a liberdade a partir de uma prática educativa que tenha como pro-pósito principal a humanização e a libertação. Esse feito se processa em dois momentos:

O primeiro, em que os oprimidos vão desvelando o mundo da opressão e vão comprometendo-se na práxis, com a sua transformação; o segundo, em que, transformada a realidade opressora, esta pedagogia deixa de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em processo de permanente libertação.

Em qualquer destes momentos, será sempre a ação profunda, através da qual se enfrentará, culturalmente, a cultura da dominação. No primeiro momento, por meio da mudança da percepção do mundo opressor por parte dos oprimi-dos; no segundo, pela expulsão dos mitos criados e desenvolvidos na estrutu-ra opressoestrutu-ra e que se preservam como espectros míticos, na estrutuestrutu-ra nova que surge da transformação revolucionária. (FREIRE, 1991, p.41).

Ante à desigualdade e opressão instaurados pelo modelo capitalista, as pessoas, ao indigna-rem-se, lutam e transformam a realidade. Do mesmo jeito que o operário, afirma Freire (2000), tem na cabeça o desenho do que vai produzir, todos nós temos na cabeça o mundo em que queremos vi-ver. Sob essa perspectiva de educação, Paulo Freire motiva o caminhar, a luta, a determinação, a busca pela liberdade, a humanização e a utopia da emancipação humana.

O sonho pela humanização, cuja concretização é sempre processo, e sempre devir, passa pela ruptura das amarras reais, concretas, de ordem econômica, política, social, ideológica, etc., que nos estão condenando à desumanização.

O sonho é assim uma exigência ou uma condição que se vem fazendo perma-nente na história que fazemos e que nos faz e refaz (FREIRE, 1997, p. 99).

Jesine (2019) destaca que o sonho e o desejo de humanização em Paulo Freire constituem o primeiro passo para a mudança substancial de si como sujeito envolvido em uma dada realidade que se transforma pela ação humana. Nesse sentido, os processos educativos não se configuram como verdades acabadas, mas, ao contrário, como um devenir, que se constrõe na ação dialógica entre educador e educando, mediados pela realidade.

Paulo Freire, destaca a autora, ao se valer das bases conceituais do marxismo a partir do princípio da contradição – educação bancária e educação libertadora, cultura e realidade social, sen-so comum e filosen-sofia da práxis – inaugura a concepção de educação libertadora. Para tanto, deve-se considerar a condição do conhecimento do indivíduo oprimido, os seus valores culturais e a sua rea-lidade social, ou seja, pensar uma educação que parta da rearea-lidade dos indivíduos para a elaboração da crítica e exercício da luta. A dialeticidade entre crítica e ação(luta) é premissa para a conquista da autonomia, da libertação e da emancipação social.

Ao participarmos e acompanharmos o trabalho dos grupos de profissionais que se debruça-ram na árdua tarefa de elaborar as Diretrizes da Educação Integral da Rede Municipal de Ensino de Campinas, percebemos o esforço e uma genuína vontade daquele coletivo de exercitar o diálogo, com vistas a um projeto que conduza à autonomia e liberdade das educandas e educandos.

Como diz Paulo Freire:

A primeira observação a ser feita é que a participação, enquanto exercício de voz, de ter voz, de ingerir, de decidir em certos níveis de poder, enquanto di-reito de cidadania se acha em relação direta, necessária, com a prática educa-tivo-progressista, se os educadores e educadoras que a realizam são coerentes com seu discurso. O que quero dizer é o seguinte: constitui contradição gri-tante, incoerência clamorosa uma prática educativa que se pretende progres-sista mas que se realiza dentro de modelos de tal maneira rígidos, verticais, em que não há lugar para a mais mínima posição de dúvida, de curiosidade, de crítica, de sugestão, de presença viva, com voz, de professores e professo-ras que devem estar submissos aos pacotes; dos educandos, cujo direito se re-sume ao dever de estudar sem indagar, sem duvidar, submissos aos professo-res; dos zeladores, das cozinheiras, dos vigias que, trabalhando na escola, são também educadores e precisam ter voz; dos pais, das mães, que são convida-dos a vir à escola ou para festinhas de fim de ano ou para receber queixas de seus filhos ou para se engajar em mutirões para o reparo do prédio ou até para “participar” de quotas a fim de comprar material escolar... Nos exemplos que dei, temos, de um lado, a proibição ou a inibição total da participação; de outro, a falsa participação. (FREIRE, 1995, p.73)

A despeito das divergências naturais de qualquer processo desenvolvimento de uma política pública, nesse estudo de caso prevaleceu o princípio da gestão democrática. O formato de Comis-sões e Grupos de Trabalho oportunizou que todas as escolas envolvidas no processo participassem desse momento de avaliação e redefinição dos rumos da Política de Educação Integral da Rede Mu-nicipal de Ensino de Campinas.

À guisa de conclusão

Finalizar um trabalho como este traz no coração algo de paradoxal. Ao mesmo tempo em que começa a pairar uma sensação de alívio, de libertação das amarras que o objeto e a academia impõem, faz-se presente também uma certa angústia. Esse sentimento negativo (nem todos concor-dam que a angústia seja um sentimento negativo) se dá pela incerteza quanto à excelência ou não da abordagem daquilo que se fazia necessário no âmbito da pesquisa. Tentamos rebater esse sentimen-to de angústia nos lembrando que nem tudo são respostas, aliás, as perguntas podem ser mais poten-tes que as respostas, e foi com esse espírito que chegamos até aqui.

Se fôssemos eleger aqui os principais sustentáculos da nossa pesquisa, na qual, há seis anos investigamos a temática da educação integral, com destaque para a política pública de educação in-tegral da Rede Municipal de Ensino de Campinas, sem dúvida, apontaríamos para dois elementos, que estão interconectados, 1) nossa privilegiada participação no processo de implantação da políti-ca, numa das unidades piloto, conforme já apresentado na dissertação, nos anos de 2016 a 2018, bem como nossa participação direta, como membro das comissões e grupos de trabalho criados pela Secretaria Municipal de Educação, para avaliar a política e elaborar as Diretrizes Curriculares para a educação integral da referida Rede, de 2019 a 2021, e 2) a nossa coautoria em todos os documen-tos produzidos neste último período, que são analisados, ao longo dessa tese.

Referimo-nos ao Relatório da Comissão de Educação Integral, período de 28/03/2019 a 31/07/2019; à Resolução SME Nº 01, de 17 de janeiro de 2020, a qual dispõe sobre os princípios, os objetivos, a organização e a avaliação do trabalho pedagógico nas Escolas Municipais de Ensino Fundamental de Educação Integral, da RMEC; ao Caderno Curricular Temático Educação Básica:

Ações Intersetoriais em Movimento – Volume V: Tecendo o Currículo da Educação Integral em Tempo Integral – Volume 1 e 2.

Esses documentos são o resultado de um trabalho coletivo de reflexões, estudos e discussões realizado pelos profissionais das Escolas Municipais Ensino Fundamental de Educação Integral da RMEC. Considerando o atual contexto de debates sobre a importância da educação integral e da ampliação da jornada escolar dos estudantes, como uma alternativa para a formação integral dos mesmos, os documentos em questão têm o objetivo de apresentar a política de educação integral e orientar o trabalho nas EMEFEI.

Os conteúdos, diálogos e narrativas apresentados nesses documentos partem do princípio de que a implantação de escolas de educação integral em tempo integral deve possibilitar a expansão de oportunidades e situações que possibilitem aprendizagens significativas, com vistas à formação

multidimensional dos sujeitos, bem como permitir novas possibilidades de organização curricular, com destaque para o trabalho coletivo e interdisciplinar.

Na tessitura da tese, esmerei-me em apresentar tudo aquilo que considero relevante para as-sim alcançar o objeto dessa pesquisa. Iniciei com a minha apresentação. Por ocasião da apresenta-ção do relatório qualificaapresenta-ção desse trabalho, nomeei essa parte inicial de “Apresentaapresenta-ção do pesqui-sador”. Uma das integrantes da banca de qualificação, a professora Dra. Nima Imaculado Spigolon, questionou-me se a apresentação seria apenas do pesquisador. A provocação da professora me fez entender que, de fato, não se tratava da apresentação do pesquisador, apenas, tratava-se da apresen-tação do menino, do jovem, do homem, do filho, do estudante, do professor, do defensor da escola pública, do militante de esquerda, do cidadão, do brasileiro e também de todos aqueles que me fize-ram ser quem eu sou, afinal, ninguém se constitui sozinho. É na comunhão, na interação, no conví-vio, com o outro, que nos constituímos.

Outro membro da banca, o professor Dr. Manuel Tavares, definiu minha apresentação como um hino aos professores, sim, concordo, afinal, foram professores da escola pública, em parceria com a minha família, que garantiram a minha formação, que me ajudaram a pavimentar o caminho que me trouxe até aqui. Meu respeito a todos os professores, em especial àqueles da escola pública de educação básica. UBUNTU!

Na introdução da tese, apresentamos o referencial teórico, com destaque aos pensadores da Escola de Frankfurt, e em especial, a Theodor Adorno, Walter Benjamin e Max Horkheimer. Enseja-mos, por meio da Teoria Crítica, transcender a mera descrição da realidade e adotar uma postura crítica, pois temos convicção de que o comportamento crítico de um sujeito é condição essencial para a emancipação desse sujeito. Outro destaque no referencial teórico da pesquisa é Paulo Freire, que em seu centenário, é presença necessária e obrigatória em qualquer discussão sobre educação e formação para a autonomia/emancipação/liberdade.

Em seguida, apresentamos o referencial metodológico da pesquisa. Desenvolvemos esse es-tudo de caso pela abordagem metodológica da Policy Cycle Approach, ou Abordagem do Ciclo de Políticas, concepção estruturada por Stephen Ball e seus colaboradores (Bowe; Ball; Gold, 1992;

Ball, 1994 a). Segundo tal referencial, toda política pública, para se concretizar, deve cumprir um ciclo contínuo e inter-relacionado, composto por cinco contextos principais: o contexto de influên-cia, o contexto da produção de texto, o contexto da prática, o contexto dos resultados (efeitos) e, ainda, o contexto da estratégia política.

Esses referenciais teóricos e metodológicos, somados a uma gama de outros pensadores não menos importantes, deram-nos o embasamento necessário para iluminar, analisar e interpretar o nosso objeto de estudo, a fim de atingirmos nossos objetivos de pesquisa.

Na sequência, problematizamos o conceito de avaliação de políticas educacionais e apresen-tamos o levantamento das obras acadêmicas que versam sobre a avaliação de políticas públicas de educação integral, quando constatamos a existência de um número inexpressivo de trabalhos na te-mática que estudamos.

Na finalização dessa seção, apresentamos um breve recorte da nossa dissertação de mestra-do, desenvolvida entre 2016 e 2018, na qual analisou-se a implantação do projeto de educação inte-gral em uma das duas escolas-piloto da RMEC, e cujos resultados provocaram muitas inquietações e nos fizeram entender que a continuidade da investigação sobre o desenvolvimento da política de educação integral na RMEC, desta feita, abarcando as oito unidades de educação integral, numa perspectiva de Rede e, quais são os rumos que ela está tomando, seria pertinente, pois nos propicia-ria um melhor entendimento de como se dá o desenvolvimento dessa política naquela Rede de Ensi-no; além da possibilidade de refletir acerca das contradições da prática dessa concepção educacio-nal; de rever a finalidade da escola pública atual e, também, de discutir as relações entre as políticas públicas e propostas que versam sobre educação integral, prestando-se, portanto, ao interesse de gestores, educadores, pesquisadores, alunos e seus familiares e demais interessados nos rumos da Educação no Brasil.

No capítulo um, convidamos nossos pensadores a, junto conosco, debater a importância da educação em defesa da democracia, principalmente no contexto de retrocessos que o Brasil enfrenta em todas as áreas, com a chegada da extrema direita ao poder, em 2019 e; do cenário de pandemia da Covid 19, que assolou o mundo nos últimos anos. Concordamos que a educação só tem sentido se dirigida à autorreflexão crítica, pois uma educação crítica e emancipatória pode permitir a identi-ficação de consciências desprovidas da capacidade de autorreflexão e, quiçá, pode ser um elemento contra a semiformação, a consciência coisificada e a barbárie. O pensamento crítico deve agir como vigilante de si mesmo e do contexto social.

A ameaça de uma regressão à barbárie nos ronda sem trégua. Uma educação voltada para que Auschwitz não se repita, para que os crimes contra a humanidade produzidos no período escra-vagista, no Brasil e no mundo, não se repitam, para que a violência produzida pelo racismo estrutu-ral seja superada, deve ser uma meta para o presente. Para tanto, devemos educar contra as mons-truosidades que podem aflorar em qualquer sociedade, sendo fundamental buscar novas formas de apontar os erros cometidos, no passado, que fizeram com que a barbárie fosse cultivada sem uma resistência capaz de barrá-la. Urge criar um clima em que os motivos que conduziram ao horror, tais como comportamentos autoritários e autoridades cegas, a falta de autodeterminação quando se esfa-celam os impérios, a incapacidade de viver a “liberdade” em meio aos vazios nos tempos de transi-ção e a fácil cooptatransi-ção de populações inteiras pelo potencial autoritário de tresloucados fascistas e

seu caráter manipulador, tornem-se de algum modo conscientes. O cenário brasileiro atual é evidên-cia do que estamos falando.

Nesse mesmo capítulo, realizamos também, uma digressão histórica abordando o trágico ce-nário que se impôs, a partir de 2016, com o golpe parlamentar que depôs a presidenta Dilma Rous-seff e que alçou ao poder um governo ilegítimo, na figura de Michel Temer, que estabeleceu uma agenda de retrocessos em todas as áreas, em especial com a PEC 95/2016, que congelou os investi-mentos, nas áreas sociais, por um período de 20 anos. Vimos ainda, que na sequência do golpe, rea-lizaram-se manobras jurídicas questionáveis, no contexto da Operação Lava Jato, que levaram à pri-são do ex-presidente Lula e consequentemente, ao impedimento de que concorresse ao pleito de 2018, que poderia tê-lo reconduzido à presidência da República. A partir daí, abriram-se as portas para a chegada da extrema direita ao poder, na figura de Jair Messias Bolsonaro, que se tornou uma grave ameaça à democracia brasileira, deixando claro que a ameaça do fascismo está permanente-mente presente e carece de vigília permanente.

No capítulo dois, buscamos contextualizar o cenário em que nosso objeto de pesquisa foi de-senvolvido, apresentando um pouco das características da cidade de Campinas – SP e sua região metropolitana e como tais características influenciam no desenvolvimento das políticas públicas.

Apresentamos, também, as oito escolas de educação integral da Rede Municipal de Ensino de Cam-pinas e a forma como se deu sua inserção no projeto. Evidenciamos, ainda, que as motivações para as escolas aderirem a esse novo jeito de fazer educação foram de naturezas diversas.

Com o objetivo de entender as concepções de Educação e de Estado presentes na política in-vestigada, traçamos um panorama das políticas educacionais nacionais que influenciaram as políti-cas públipolíti-cas do município de Campinas. Tais polítipolíti-cas foram concebidas ao longo dos governos pe-tistas, no período de 2003 a 2016, e nesse mesmo período foram elaboradas as Diretrizes Curricula-res da Rede Municipal de Ensino de Campinas e o Projeto Piloto de Educação Integral, daquela Rede que, naturalmente, sofreriam as influências daquele contexto macro.

Vimos que no governo Lula houve o estabelecimento de uma agenda progressista com gran-des avanços em muitas áreas, outrossim, concordamos que houve a manutenção de algumas agen-das neoliberais, as quais haviam sido implementaagen-das em governos anteriores. Essa agenda, que combinou propostas neoliberais, com vistas a atender demandas dos organismos internacionais, com temas progressistas, foi considerada controversa. Tivemos, sim, uma grande reforma progres-sista, dentro de um pacto conservador. Os pobres deixaram de ser invisíveis e os ricos não foram ameaçados. As contradições não foram superadas, pois, são inerentes ao capitalismo, no entanto, o país avançou no sentido de reduzir a acintosa dívida social e construir um futuro diferente.