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CAPÍTULO I – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.7 As formas de controle da informação

1.7.2 O conceito de enquadramento

Até aqui, alguns autores citados (HILGARTNER; BOSK, 1988; PORTO, 2007) trabalharam com o conceito de enquadramento das notícias, que corresponde no Jornalismo à angulação ou o enfoque – termos mais familiares aos profissionais da área - dados a determinados assuntos selecionados nas matérias jornalísticas, com o intuito de produzir no público interpretações ou pacotes interpretativos no noticiário. O termo enquadramento não é genuíno da Comunicação nem do Jornalismo, tendo sido apropriado dos estudos sociólogos por alguns autores para tentar explicar fenômenos midiáticos. Neste item, vamos buscar a origem do emprego do termo nas Ciências Sociais e como ocorre a apropriação pela comunicação. No caso específico do Jornalismo, enquadramento será usado em substituição a angulação ou enfoque.

Em sua obra Frame Analysis: An Essay on the Organization of Experience, o escritor canadense Erving Goffman faz um esforço de filosofia interpretativa e classifica como frames os quadros de referência para tentar flagrar o momento de interação face a face. E a pergunta básica que emerge nessas situações é “O que realmente está acontecendo?”, a partir de dois níveis de enquadramento: o sujeito e a situação. Ou seja, pode-se considerar a obra Frame Analysis como um estudo do sentido da realidade. Segundo Goffman, a ambivalência está presente nos quadros interpretativos, uma vez que o sujeito não dá conta de apreender todas as variáveis que se apresentam numa situação de interação. O mesmo acontece com o jornalista diante de uma ocorrência, quando ele tem que enquadrar uma determinada situação para transformá-la em notícia.

Mesmo assim, Goffman consegue demonstrar que os produtos da socialização são passíveis de análise, partindo do pressuposto de que a linguagem ordinária dá conta de fornecer material para tanto. No caso do jornalista, conforme assinala Gaye Tuchman (1978), as notícias são narrativas, estórias que convocam um saber de narração, uma linguagem técnica profissional própria, construída a partir da linguagem ordinária, e um inventário de discurso para construir/enquadrar o acontecimento/a realidade.

Os Primary Frameworks, esquemas interpretativos ou quadros referenciais básicos, são construídos pelos indivíduos ao depararem com um evento particular. Como esta situação, aparentemente insignificante, não é precedida de alguma outra nem parte de uma

interpretação original, configura-se como um quadro referencial básico, mas significativo. Goffman identifica dois tipos de quadros primários: os naturais, que se referem a ações não guiadas, “puramente físicas”; e os sociais, que são atrelados à vontade humana, a “esforços controladores de uma inteligência”.

Apesar dos vários graus de organização, Goffman defende que os quadros referenciais primários permitem ao usuário se situar:

(...) perceber, identificar e classificar um aparentemente infinito número de ocorrências concretas definidas em suas condições. Ele provavelmente não tem consciência dos aspectos organizados que o quadro referencial tem, e incapaz de descrever a situação na sua plenitude se perguntado, mas estes obstáculos não são barreira para a fácil e completa aplicação por parte do usuário (GOFFMAN, 1974: 21).

As ações guiadas presentes em um quadro de referência primária submetem o sujeito à avaliação social constante baseada em “honestidade, eficiência, economia, segurança, delicadeza, bom gosto, e assim por diante”. Por outro lado, Goffman deixa claro que as ações inteligentes também podem sofrer constrangimentos naturais, já que o homem tem a faculdade de explorar a natureza, mas dentro de certos limites e condições. Ocorre, então, que não dá para separar facilmente uma ação guiada dos sentidos físicos acionados para executá-la, como no jogo de damas, por exemplo.

O problema é como flagrar estes momentos, dada a múltipla contextualização de um evento, para se responder à pergunta “o que é que está acontecendo aqui”? No entanto, pondera que atos do cotidiano são compreensíveis por causa de um ou alguns quadros referenciais primários. E embora o escritor admita que possa haver erros de percepção dos indivíduos ao interpretar a organização dos quadros, mesmo assim ele reivindica a validade da procura por uma correspondência entre percepção e organização, apesar de existirem vários princípios de percepção. No campo jornalístico, segundo Wolsfeld (1991), “os acontecimentos propriamente ditos oferecem freqüentemente um ponto de partida para a construção de enquadramentos midiáticos apesar das discordâncias acerca do que realmente aconteceu” (TRAQUINA, 2001:87).

No passo seguinte, Goffman parte para os quadros interpretativos secundários, com base nos conceitos de keys e keyings. Keys são, para Goffman, chaves que ajudam a nortear uma

situação, para se entender o que está acontecendo. Keyings constituem o modo como os indivíduos lidam com a situação-base, de forma a até promover variações e mudanças nas convenções que regem as interações sociais. Ou seja, o que constitui a realidade vai depender da “chave” que o sujeito vai acionar e operar. Um conceito forte nos estudos de Goffman é o de ordem interacional, para demonstrar que as coisas não ocorrem de maneira desordenada e aleatória. Ao se fazer um paralelo entre os conceitos de representação e interpretação, em Goffman, keys podem ser entendidas como da ordem das representações dos sujeitos, não como coisas dadas, mas um dizer sobre algo. Keyings podem ser da ordem das interpretações.

O jornalista utiliza um conjunto de códigos da linguagem ordinária, compartilhada pelo grupo social ao qual vai se dirigir, para representar (keys) os acontecimentos que ele testemunha ou chegam ao seu conhecimento por terceiros, as fontes. Esse profissional mobiliza um saber de reconhecimento do jornalista. Daí, o profissional aciona outro conjunto de códigos, próprio da atividade jornalística e das regras da organização para a qual trabalha, para operar a chave (keyings) de como interpretar/enquadrar os acontecimentos, conforme um saber de procedimento acumulado.

Goffman explora e vai além das interpretações (keyings). Em Designs and Fabrications, quarto capítulo de Frame Analysis, o autor problematiza situações em que se evidenciam esforços intencionais de um ou mais indivíduos para levar outros a acreditar em algo. Os sujeitos representam “máscaras sociais” para entrar e sair das situações, e assim constroem quadros que sustentam uma relação social a partir de esquemas interpretativos de ver o mundo. Na complexidade dos quadros e suas representações e interpretações, emergem erros, enganos, equívocos, cinismo, decepção, autodecepção, ilusão, entre outros constrangimentos nas interações sociais. Podemos transportar essa relação para a forma como os jornalistas, através da mídia, sustentam determinados pacotes interpretativos (enquadramentos) nas notícias, para construir uma realidade social, por meio de um saber narrativo, próprio do meio onde a mensagem é veiculada: “Os mídia definem para a maioria da população quais os acontecimentos significativos que ocorrem, mas também oferecem poderosas interpretações de como compreender esses acontecimentos”. (HALL 1973/1993 apud TRAQUINA, 2001: 91).