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O conceito de provincialização do comércio

CAPÍTULO I: A MUDANÇA DA CAPITAL NO SEGUNDO REINADO

1.2 Os relatórios governamentais: a construção da mudança

1.2.1 O conceito de provincialização do comércio

Antonio Saraiva, de todos os presidentes, foi aquele que mais se aprofundou na análise da navegação. Ele sintetizou um conceito por ele batizado de provincialização

do comércio: que os bens manufaturados que entravam e os gêneros agrícolas que saíam

o fizessem por São João da Parnaíba, na foz do rio de mesmo nome, e não por São Luís via Caxias:

A dependência dos negociantes do Piauí para com os do Maranhão, sob cuja tutela tem até hoje vivido o nosso comércio, o poder da rotina, o adiantamento da navegação do Itapecuru, e sobretudo a superioridade do porto da cidade de S. Luís sobre o da Parnaíba, não consentiram até hoje a emancipação do comércio da Província, e conseguintemente o seu abastecimento pala cidade da Parnaíba.

É mister porém dizer-vos, que esta cidade, onde já existe uma casa inglesa, que recebe gêneros de Liverpool, é destinada a roubar à cidade de S. Luís o grande mercado do Piauí; e esse fato, que nada menos é do que a

provincialização de nosso comércio, produzirá as mais graves

Província. Então os lucros deixados pelos consumidores do Piauí aos negociantes do Maranhão, e de Caxias, aumentarão os nossos capitais dados ao comércio; e sabeis, que o aumento dos capitais é o aumento das forças produtivas de um País; e que aumentado o comércio, é corolário infalível o aumento da agricultura, e da indústria, porque esse elemento da riqueza das nações tem uma ação recíproca, e se prestam um auxílio admirável. A navegação pois do Parnaíba terá então um maior desenvolvimento, e as ricas matas do Gilbués, as férteis terras das margens daquele rio, e do Uruçuí, ou antes as imensas riquezas até hoje perdidas para a Província serão aproveitadas.149

A conceitualização de um projeto econômico a partir da análise particular das experiências de administrações anteriores certamente enriqueceu o relatório de 1851 – pelo menos em termos teóricos. Tomando o texto de Sousa Ramos (1844), Saraiva foi capaz de reelaborá-lo para fundamentar a navegabilidade sob o desejo de rearticular relações históricas entre o Piauí e o Maranhão, e construir uma projeção de futuro para a Província. É preciso compreendê-lo com parcimônia. Em primeiro plano, houve a constatação de uma relação comercial – que conectava S. Luís, Caxias e Oeiras – e o desequilíbrio inerente a ela. Falava-se de dependência dos negociantes piauienses; por outro lado, os negociantes maranhenses também compartilhavam desta mesma ligação: afinal, era o gado do Piauí que abastecia a praça de S. Luís – e se levarmos em consideração que a carne era um gênero de primeira necessidade, é difícil minimizar sua relevância diante de artigos manufaturados. A questão era de ponto de vista. Economicamente, a Província sempre geriu seus recursos através da exportação de gêneros, tendo o gado como pilar desse movimento. Um comércio feito por terra, em comboios de animais, que circulavam não somente para o Maranhão, mas outros lugares da Bahia, Pernambuco e Ceará. Era uma relação interprovincial, historicamente construída desde o século XVIII. O fato de o rio Parnaíba não ser, até a segunda metade do século XIX, navegável em sua extensão, não significava necessariamente a estagnação do quadro provincial – como a perspectiva mudancista de Saraiva tentava pressupor.

A ideia de provincializar a economia do Piauí, portanto, significava restringir ao âmbito do território e sob a gerência da administração a canalização das exportações e importações que configuravam seu cenário financeiro, tendo o rio Parnaíba como artéria principal desta nova relação. Significava dominar um fluxo. Não havia referência aos outros espaços de trocas comerciais pelo gado – a não ser uma projeção sobre a comercialização do charque pelo rio e os benefício virtuais para os proprietários. A

navegação do Parnaíba – na ótica do discurso mudancista – foi uma mudança paradigmática na tradição econômica do Piauí: pela primeira vez o gado não era protagonista no âmbito global das finanças provinciais. Pois a provincialização operava com as possibilidades de outros bens de produção, centrados no potencial da atividade agrícola. Por quê?

Em 1851, a principal fonte de renda para os cofres provinciais ainda era o imposto sobre o gado. Não é possível falar propriamente numa crise – argumento comumente usado pelos presidentes provinciais ao se referirem ao estado das finanças públicas – mas numa sobrecarga de tributação.150 Não podendo elevar ainda mais o fardo dos proprietários, restava aos administradores explorarem novas alternativas de arrecadação. A mais óbvia era o algodão que, no entanto, continha em si um desafio: controlar o contrabando para o Maranhão de grandes quantidades não contabilizadas e, portanto, não tributadas pela receita do Piauí. Todos os presidentes provinciais, desde 1844, identificaram ambos os problemas, e consentiram ser a fronteira do rio Parnaíba o espaço de fluxo desses capitais escusos ao fisco. Era a chave para a maximização da arrecadação da Província. Em outro aspecto, o uso de São João da Parnaíba como entrada de bens industrializados – baseado na referência ao comércio com Liverpool – também sinalizava para um incremento das finanças através da instalação da estrutura alfandegária.151

O paralelo entre essa cidade e a capital maranhense merece ser discutido. Saraiva afirmou a superioridade do porto de São Luís, o que permite pensar que o projeto de provincialização do comércio também significava a maximização do porto de Parnaíba – que, na segunda metade do século XIX, apresentava algumas limitações e dificuldades. A cidade não se localizava propriamente no litoral, mas nas margens de um dos cinco braços nos quais o rio se divide antes de desaguar no Atlântico. O

Igaraçu, tal como é denominado, permitia a navegação por essa grande foz, que forma

um conjunto de ilhas e o acesso ao oceano, dando ao lugar amplas possibilidades de navegação. Entretanto, transitar pela região era um desafio à habilidade dos pilotos: as correntes marítimas poderosas e dificuldades de ancoragem das embarcações limitavam o potencial de circulação comercial. Mas essas dificuldades não impediam relações

150 Relatório do Presidente Francisco Peretti dirigido à Assembleia Legislativa Provincial do Piauí em 5

de julho de 1849, p. 42.

151

A criação de uma Alfândega representava um desejo antigo que só foi concretizado na década de sessenta do século XIX.

consolidadas desde o século XVIII: no auge das oficinas de charque, a cidade exportava para Maranhão, Pernambuco, Pará e Guianas.

A cidade de São João da Parnaíba e suas movimentações comerciais são caracteres emblemáticos das relações urbanas no Piauí oitocentista. Suas vilas parcamente se comunicavam pela precariedade dos caminhos, sendo bem comum a existência de ligações com outras províncias do que com elas próprias. A capital Oeiras possuía a proeminência política, já que as decisões e deliberações administrativas aconteciam ali, mas não conseguia estabelecer uma centralidade em outros aspectos. Havia uma autossuficiência econômica entre os núcleos urbanos, que operavam em suas respectivas zonas de interferência – em função tanto da extensão territorial do Piauí, quanto da dispersão desses lugares sobre o mesmo território. Havia o comprometimento com outras praças e a inexistência de um mercado interno. Provincializar, nesses termos, significava operar o comércio do Piauí pelo Piauí. Mas havia outros fatores a serem considerados.

Saraiva usou uma retórica economicista que mobilizou termos como capital e

forças produtivas para tentar projetar um cenário de desenvolvimento industrial com

base na exploração agrícola e aproveitamento do rio. Havia sentido em sua lógica: a produção agrícola seria geradora de recursos porque demandaria uma série de transformações estruturais sustentadas pelos capitais de exportação através da navegação do Parnaíba. “Sem que a agricultura, sem que a indústria, sem que o

comércio tenha começado suas operações, não é possível a navegação. Ela vem após daquele fato, e depois o anima, lhe dá forças maiores, e recebe dele todo o desenvolvimento”.152

A navegação do Parnaíba, portanto, dependia da articulação de três elementos que eram, em 1851, somente projeções. “Nós já temos uma agricultura à margem do

rio, que começa a florescer; temos um comércio, tutelado, é verdade do Maranhão; porém capaz de emancipar-se dele, se forem removidos os embaraços, os obstáculos, que se opõem a seu progresso”.153 Que obstáculos eram esses? Indiscutivelmente, a relação com a província maranhense e a presença da capital em Oeiras. Disse Saraiva aos deputados da Assembleia naquele ano:

152 Relatório do Presidente Antonio Saraiva dirigido à Assembleia Legislativa Provincial do Piauí em 3 de

julho de 1851, p. 35.

Fazendo descer pelo Parnaíba os algodões, os couros, e mais produtos da Província, e não pelo Itapecuru, que nós chegaremos a dar às forças produtivas da Província a direção que lhe é conveniente. Seria isso uma cousa que se possa realizar sem o auxílio poderoso da administração? Não o creio. É mister portanto que eu e vós, Senhores, estejamos à margem daquele rio, e não vivamos a dezenas de léguas, nestes sertões, uma vida estéril para os mais importantes melhoramentos materiais da Província.154

A conexão entre o “progresso” da Província e a navegação do Parnaíba não foi exclusiva do discurso de Antonio Saraiva, mas um posicionamento conectado com seus antecessores. A ligação com Sousa Ramos foi a mais explícita, por ter sido uma relação declarada e citada em relatório. O motivo é que foram dele, em 1844, as primeiras considerações teóricas sobre o conceito de provincialização do comércio. “A navegação

do Parnaíba é, na minha opinião, a necessidade mais urgente da Província”,155 afirmou em sua gestão, pelos mesmos motivos já citados: crença num modelo de exploração econômica que viabilizasse, através das águas do rio, uma rede de circulação de gêneros agrícolas voltados para o comércio exterior; e cuja consequência mais visível seriam a redução dos custos de frete, agregando valor ao lucro final, e o incremento da arrecadação provincial. “Por meio da navegação deste rio os gêneros de produção da

Província adquirirão o valor que agora não têm para exportação, em razão do seu preço no mercado não cobrir as despesas de transporte”.156 E continuou: “a navegação

deste rio, além de encher de recursos a Província, criará muitas riquezas; e sem falar do desenvolvimento, que será levado à agricultura, corte de madeiras, e muitas outras fontes de riquezas, que estão sem ação entre nós”.157 A mesma projeção foi feita por Saraiva ao falar das “riquezas até hoje perdidas”.158

Aliás, essa perspectiva teórica operava com visões de futuro. Como já foi dito, o conceito de provincialização do comércio estipulava a desconstrução do modelo de comercialização do gado recorrente no Piauí oitocentista. Ambos os presidentes projetaram a criação de oficinas de charque ao longo do rio, sendo o viés industrial e racional de um comércio onde a perda de animais nas longas jornadas era uma realidade sempre à espreita. Sousa Ramos reforçava esse argumento com o exemplo de boiadas

154 Idem. 155

Relatório do Presidente Sousa Ramos dirigido à Assembleia Legislativa Provincial do Piauí em 7 de julho de 1844, p. 40.

156 Idem. 157

Idem.

que perdiam até três quartos de seu número inicial ao chegarem aos mercados consumidores. O problema deveria ser resolvido a partir “da exportação da carne

salgada, e dos couros, para que, uma vez admitida a navegação do rio Parnaíba, em suas imediações, em diferentes lugares se estabeleçam charqueadas que, passados anos, seriam outras tantas povoações florescentes em seu comércio”.159 A relação entre cidade e o espaço do rio numa equação de prosperidade foi, nesta passagem, latente; e apontou para um aspecto mais sub-reptício do conceito: o deslocamento político do espaço urbano do Piauí para as margens do Parnaíba.

Como toda projeção de um discurso político, o aparato teórico elaborado por Sousa Ramos e, posteriormente, Antônio Saraiva, não foi uma constante em outros relatórios presidenciais. Zacarias de Góes, em três anos de governo, nem sequer deu relevância ao assunto, senão em relatório de 1845 (seu primeiro ano na administração provincial):

Quem me ouvir falar do rio Parnaíba talvez pense que vou ocupar-me de algum plano relativo à sua navegação. Não, Senhores, outro é o meu designo. Bem sei que a navegação desse grande Rio, que hoje corre depresado, sendo estabelecida com regularidade pode algum dia mudar as cousas da Província, quanto à sua riqueza, e prosperidade.160

Ele não compartilhou, portanto, da perspectiva de se antecessor; mas nem por isso desconsiderou o valor econômico do rio. Numa projeção mais humilde, defendeu o uso de barcas em pontos estratégicos de passagem entre o Piauí e o Maranhão, para minimizar as perdas do gado na travessia de águas perigosas, além de taxar as transações comerciais com intuito de incrementar as rendas provinciais.161

O próprio Sousa Ramos, como entusiasta da ideia, admitiu a fragilidade de sua visão diante da realidade material da administração provincial. A Assembleia havia decretado a lei 129 concedendo exclusividade por 25 anos a qualquer companhia particular que gerenciasse a navegação; porém, ele reconheceu que, sem uma experiência prévia apontando dados efetivos ou projeções de lucros, nenhum grupo privado arriscaria tamanha empreitada. Sem “um ensaio que descubra o alcance das

159 Ibidem, p. 41.

160 Relatório do Presidente Góes e Vasconcellos dirigido à Assembleia Legislativa Provincial do Piauí em

1º de agosto de 1845, p. 25.

vantagens”,162 e sem dados estatísticos como população, produção, importação e exportação, efetivar a navegação a vapor no Parnaíba era impraticável. Ramos contornou esse problema ao sugerir o uso de “barcas movidas a remos e a varas,

semelhante à praticada no rio Itapecuru, de que nos vamos aproveitar depois de uma longa viagem por terra em péssimas estradas”.163 Esse posicionamento permite pelo menos algumas questões. Admitir a inviabilidade da navegação a vapor significava reconhecer as limitações do conceito de provincialização, que dependia supostamente da ligação da cidade de São João ao interior da Província e vice-versa – algo realmente difícil de realizar ao subir o rio e, portanto, inviabilizando um dos fluxos.164 Em outro aspecto, a proposta de reforçar a navegação aos moldes do Itapecuru não apenas reforçava a dependência comercial que se buscava implodir, mas lançava a seguinte questão: se o porto de S. Luís conseguia movimentar um volume de mercadorias que abastecia praças do interior através da navegação ribeirinha – inclusive a capital piauiense, Oeiras – que obstáculos interferiam para que o porto da cidade de São João consolidasse uma relação semelhante com o próprio Piauí, assim como visualizaram os teóricos da provincialização? Tais questões serão exploradas em momento oportuno; agora, é importante constatar as limitações de um discurso político compartilhado por Saraiva, e que sustentou seu relatório em 1851.

Entre as projeções mais grandiosas de Ramos e Saraiva, e o posicionamento mais comedido de Góes, é importante frisar que a navegação do Parnaíba existia dentro de padrões modestos, através de barcas e balsas que circulavam entre as províncias vizinhas. Francisco Peretti, presidente do Piauí no período de 1848-49, listou grande quantidade de portos fluviais em pontos estratégicos do rio – dentre os quais, pelos menos cinco estavam sujeitos à fiscalização tributária.165 Além disso, demonstrou uma rede de comunicação entre vilas e cidades das duas províncias, tendo como pontos de contato, do lado piauiense, as vilas de Campo Maior, Barras, Poti, S. Gonçalo e a capital, Oeiras.166

162 Relatório do Presidente Sousa Ramos dirigido à Assembleia Legislativa Provincial do Piauí em 7 de

julho de 1844, p. 41.

163

Ibidem, p. 42.

164 Relatório do Presidente Francisco Peretti dirigido à Assembleia Legislativa Provincial do Piauí em 5

de julho de 1849, p. 32.

165

Ibidem, p. 46.

Peretti compartilhou uma preocupação em comum com seu sucessor, Silveira da Motta. Em relatório de 1849 noticiou o pedido da Câmara municipal de Oeiras, em relação à abertura de “uma estrada em direção ao – Porto da Conceição – no rio

Parnaíba para facilitar pela condução de carros o comércio da cidade da Parnaíba para esta capital”;167 Mota, em 1850, também reafirmou o pedido dos vereadores ao defender o mesmo projeto. “Muito conviria a abertura de uma estrada de carros, que

fosse ter ao porto da Conceição no rio Parnaíba, daqui distante apenas 20 léguas, atravessando, segundo consta, terrenos planos; pois essa estrada facilitaria as comunicações com a Parnaíba, que é um dos pontos mais comerciais da Província, e com quem atualmente poucas relações tem o interior”.168 De acordo com Peretti, as possibilidades desse contato era bem vantajosas; porém, até 1848 era “mui diminuto

pela dificuldade com que sobem as barcas até o rio Canindé, quando não são as enchentes deste grandes e duradouras”.169 As narrativas desses presidentes permitem algumas observações importantes sobre a relação entre as duas cidades – as mais importantes do Piauí nesse período.

Em primeiro lugar, sobre as possibilidades de ligação entre ambas. A distância entre as cidades é de aproximadamente 660 quilômetros. Oeiras fica localizada numa região de nascentes do rio Canindé que, por sua vez, deságua diretamente no rio Parnaíba. Utilizando essa via fluvial, era possível encurtar esse caminho penoso através da navegação – pelo menos em teoria. Na prática, dependia de forças da natureza (“enchentes grandes e duradouras”) que reduziam o uso do Canindé a situações contingenciais.170 Exatamente por isso a ideia de ambos os governantes em construir uma estrada para superar essa limitação. Em segundo lugar, a própria motivação da obra – estabelecer contatos comerciais com a cidade de São João – era emblemática sobre a relação estabelecida entre este núcleo urbano e demais vilas da Província: a constatação de Motta, em 1850, era que a cidade pouco contato tinha com o interior. Esses dados não fragilizavam o conceito de provincialização, pois atestavam que, após Sousa Ramos teorizar o assunto, outros governantes tentaram operar politicamente na mesma direção;

167 Ibidem, p. 31.

168 Relatório do Presidente Silveira da Mota dirigido à Assembleia Legislativa Provincial do Piauí em 16

de julho de 1850, p. 18.

169

Relatório do Presidente Francisco Peretti dirigido à Assembleia Legislativa Provincial do Piauí em 5 de julho de 1849, p. 32.

170 O rio Canindé sempre representou parte do caminho que ligava a cidade de Oeiras ao Maranhão, por

onde circulava, desde o século XVIII, uma rede de comércio historicamente importante entre as duas províncias.

afinal, nas visões de Peretti e Motta, a cidade de São João deveria se relacionar mais profundamente com as demais partes Província, principalmente em termos econômicos. No entanto, é importante destacar que este plano, na segunda metade do século XIX, estava bem longe de materializar-se segundo aquilo pensado nos relatórios governamentais.

A ideia de fazer da navegação um plano governamental de amplo impacto sobre as finanças do Piauí, especialmente no período correspondente ao Segundo Reinado, foi um tema recorrente e carregado de projeções políticas que ultrapassaram as avaliações mais lúcidas para suportarem desejos salvacionistas. “A navegação do rio

Parnaíba é a necessidade mais urgente da Província, e o melhoramento mais importante em seus resultados”,171 assim definiu Sousa Ramos em 1844. “Ela criará

muitas riquezas”,172 justificou. Sete anos depois, Antonio Saraiva reforçou esse mesmo ponto de vista: “creio que o Piauí poderia conquistar todos os seus melhoramentos na

navegação fluvial”.173 Góes, Peretti, Cerqueira e Mota, todos à sua maneira, enfatizaram o tema em suas análises; e o conjunto de reflexões desses presidentes sobre a navegação apontou para outra questão indissociável, e que foi por eles lançada: Oeiras, afastada das margens do Parnaíba, poderia promover um plano de tal envergadura?

1.3 1844 ou a mudança da capital

Essa pergunta é importante por estar ligada a um problema maior que era a mudança da capital. Entre 1844 e 1851, todos os presidentes (com exceção de Zacarias de Góes) concordaram que só era possível desenvolver a navegabilidade do rio Parnaíba em larga escala com a presença da capital provincial em suas margens. E nesse curto espaço de tempo quatro leis foram criadas com esse objetivo sem, no entanto, obterem sucesso. Cerqueira, em relatório de 1848, definiu como um “notável prejuízo no crédito

171

Relatório do Presidente Sousa Ramos dirigido à Assembleia Legislativa Provincial do Piauí em 7 de julho de 1844, p. 40.

172 Idem. 173

Relatório do Presidente Antonio Saraiva dirigido à Assembleia Legislativa Provincial do Piauí em 3 de julho de 1851, p. 33.

moral da Legislação Provincial”174 a indefinição sobre a questão. Como já foi dito,

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