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1 TRATADO DE COOPERAÇÃO AMAZÔNICA (TCA): UM INÍCIO

2.1 Amazônias

2.3.5 O conceito de Soberania na doutrina brasileira

Uma parcela dos doutrinadores brasileiros na atualidade considera o tema soberania como simples questão formal. Os ideais de soberania, personificados em um poder absoluto, inalienável, irrevogável e indivisível, foram sempre mais robustos, conforme Ricardo Seitenfus, “que a realidade, havendo um rude contraste entre o brilho da teoria e a materialidade política”. Observou Seitenfus que a admissão de um caráter absoluto à soberania “seria equivalente a negar a existência do próprio direito internacional (...). Logo, o Estado soberano seria aquele que não se encontrasse em situação de dependência jurídica ou geral, em relação a outro Estado442”.

Nessas condições, há para o Direito internacional público “uma presunção de competência de parte do Estado soberano sobre seu território, quanto à sua população e à organização de seu governo443”. Em sua atuação externa, o Estado estaria albergado pelo Princípio da igualdade jurídica, estabelecido na legislação internacional. Por esse princípio, “todos os Estados tem acesso, em idênticas condições, aos procedimentos jurídicos internacionais444”. A contemporaneidade

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BONAVIDES, op. cit. p. 125.

442 SEITENFUS, Ricardo. Introdução ao Direito Internacional Público. 2 ed. rev. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 63. No mesmo sentido MELLO, “O Estado só existe como tal, porque há outros Estados, isto é, um sistema internacional. E este é formado e influenciado pelos Estados, mas o mencionado sistema acaba por influenciar o próprio Estado. MELLO, Celso A. Direito da ingerência. In: BAPTISTA, Luiz Olavo; FONSECA, José Roberto Franco da (coord.). O Direito Internacional no Terceiro Milênio: estudos em homenagem ao professor Vicente Marotta Rangel. São Paulo: LTr, 1998, p. 364.

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SEITENFUS, Ricardo. Introdução ao Direito Internacional Público. 2 ed. rev. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 64.

444 Ibid., p. 65. Sublinha-se que essa noção de igualdade é uma ficção do sistema jurídico. A realidade do mundo demonstra a existência, tanto no contexto interno quanto externo de um Estado, grosseiras diferenças, estejam elas na seara política, econômica, cultural, militar, entre outras.

impõe à noção de soberania, segundo Seitenfus, meramente o “reconhecimento de um status abstrato de interlocutor institucional445”.

Para Celso A. Mello torna-se difícil ou mesmo impossível definir soberania pelo seu conteúdo. Conforme esse autor a “melhor concepção é aquela que foi fornecida por uma parte da doutrina que caracteriza a soberania de modo meramente formal: é um feixe de competências que o Estado possui e que lhe é dado pela ordem jurídica internacional446”.

Embora considerando que o “Estado tem as suas vidas interna e internacional entrelaçadas de tal ponto que é difícil se distinguir uma da outra447”, Mello concebe o Estado soberano como aquela figura que “possui a “competência da competência”, ou ainda, o que se encontra “direta e imediatamente subordinada à ordem jurídica internacional448”. Nota-se, na opção de Mello, a subordinação da ordem interna à externa, na linha kelseniana, em decorrência disso, a soberania consolida-se como “um conceito fornecido pela ordem jurídica internacional e, nos dias que correm, é dependente dela449”.

Os elementos clássicos de caracterização do Estado, tais como território delimitado, população estável e autoridade estatal, são apontados por Francisco Rezek como insignificantes, no sentido de pessoa jurídica de direitos das gentes. Segundo Resek, a característica jurídica principal de um Estado seria sua capacidade de não se subordinar a qualquer autoridade superior, ou seja, sua competência independe de poder superior. Não que tal competência seja ilimitada, mas sim igualitária e horizontal450.

Na esteira de Nyuen Quoc Dinh, Rezek não reconhece, fora do Estado, “em última análise, nenhum poder maior de que dependam a definição e o exercício de suas competências e só depõe de acordo com seus homólogos na construção da ordem internacional, e na fidelidade aos parâmetros dessa ordem, a partir da premissa de que aí vai um esforço horizontal e igualitário de coordenação no interesse coletivo”. Para Rezek e Dinh, atributo “fundamental do Estado a soberania

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SEITENFUS. Introdução ao Direito Internacional Público, op. cit. p. 63.

446 MELLO, Celso A. Direito da ingerência. In: BAPTISTA, Luiz Olavo; FONSECA, José Roberto Franco da (coord.). O Direito Internacional no Terceiro Milênio: estudos em homenagem ao professor Vicente Marotta Rangel. São Paulo: LTr, 1998, p. 361.

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Ibid, p. 361-362. 448 Ibid, p. 364. 449 Ibid, p. 364. 450

REZEK, Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 7 ed. rev. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 225-226.

o faz titular de competências que precisamente porque existe uma ordem jurídica internacional, não são ilimitadas, mas nenhuma outra entidade as possui superiores451”. Todavia, o autor relata que o princípio elencado no artigo 12 da Carta da Organização dos Estados Americanos452 é uma idéia posta de lado.

Hans Kelsen percebia como obstáculo a exaltação da ordem nacional acima da internacional. Para Kelsen, consagrar o Estado como soberano, significaria conceber a “ordem jurídica nacional [como] uma ordem por cima da qual não existe outra superior”. O único que se poderia supor como superior à ordem jurídica nacional seria a internacional. “O problema de ser ou não soberano o Estado, coincide, pois, com o de se o direito internacional é ou não uma ordem superior ao direito nacional”453.

Todavia, Kelsen posicionou-se, em “Reine Rechtslehre”, no sentido de defender a primazia da ordem internacional sobre a ordem jurídica do Estado454. Tal posicionamento contrariou a pureza conceitual de sua teoria. Dessa forma, afastou- se da conclusão da maioria dos teóricos da escola alemã que enfatizavam o direito como ordenamento dotado de sanção, e por tal motivo, recusavam a idéia de um Direito Internacional pelo seguinte motivo: era incapaz de impor coação jurídica455.

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Nyuyen Quoc Dinh, apud, REZEK, Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 7 ed. rev. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 226. No mesmo sentido DALLARI, Dalmo de Abreu. ( in: Elementos de teoria geral do Estado. 20 ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 83). Para Dallari “A conceituação jurídica de soberania (...) considera irrelevante, em princípio, o potencial de força material, uma vez que se baseia na igualdade jurídica dos Estados e pressupõe o respeito recíproco, como regra de convivência. Nesse caso, a prevalência da vontade de um Estado mais forte, nos limites da jurisdição de um mais fraco, é sempre um ato irregular, antijurídico, configurando uma violação de soberania, possível de sanções jurídicas. E mesmo que tais sanções não possam ser aplicadas imediatamente, por deficiência dos meios materiais, o caráter antijurídico da violação permanece, podendo servir de base a futuras reivindicações bem como à obtenção de solidariedade de outros Estados”. Ibid, p. 84. 452 Carta Atualizada da Organização dos Estados Americanos, artigo 12: “Os direitos fundamentais dos Estados não podem ser restringidos de maneira alguma”. In: SEITENFUS, Ricardo (org.). Legislação Internacional. Barueri, São Paulo: Manole: 2004.

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KELSEN. Hans. Teoria General del Derecho Y del Estado. México: Editora Nacional, 1956, p. 457. 454 FERREIRA, Pinto. Teoria Geral do Estado, apud ROCHA, Leonel Severo. As dimensões de legitimação-dominação do discurso jurídico sobre o poder soberano. 1982. Dissertação (mestrado) Universidade Federal de Santa Catarina, p. 81.

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