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Na Declaração de Paris sobre a Eficácia da Ajuda ao Desenvolvimento (OCDE, 2006)20 o conceito de ownership é entendido como ―o exercer da liderança efectiva dos países receptores sobre as suas políticas e estratégias de desenvolvimento, sendo estes também responsáveis pela coordenação das acções de desenvolvimento‖.

Se o peso a dar a cada uma das dimensões que contribuem para o desenvolvimento tem sido matéria de disputa entre analistas dos problemas do desenvolvimento, uma das dimensões que tem merecido o acordo generalizado de instituições internacionais, como as NU ou o Banco

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A Declaração de Paris foi o documento que resultou do II Fórum de Alto Nível para a Eficácia da Ajuda, realizado em Paris, de 28 de Fevereiro a 2 de Março de 2006, que juntou ministros e outros representantes de países doadores e parceiros, bem como organizações da sociedade civil e do sector privado com o objectivo de avaliarem os progressos na harmonização, no alinhamento e na gestão dos resultados da ajuda ao desenvolvimento.

Mundial (BM) e teóricos, é que a ownership de programas, políticas e projectos contribuem para o sucesso dos mesmos.

No ―Consenso Europeu‖ sobre o desenvolvimento21

(Jornal Oficial da União Europeia, 2006), quadro de princípios comuns no âmbito do qual a UE e os seus Estados-Membros se comprometeram a executar as respectivas políticas de desenvolvimento, a ownership surge como um dos princípios base. O conceito de ownership, como referido na Declaração de Paris, é citado como um princípio chave por um grande número de doadores, tais como, o BM nos Documentos de Estratégia de Redução de Pobreza (DERP), doadores bilaterais (que estão a adoptar o apoio orçamental directo), ou os mecanismos de financiamentos globais (como o Fundo Mundial de Luta contra a SIDA, Malária e Tuberculose).

Apesar de ser considerado um princípio chave para o desenvolvimento, a sua tradução para a acção tem sido difícil de implementar, quer pelos países em desenvolvimento, quer pelos doadores (OCDE, 2008; Vogel, 2007).

Da parte dos países em desenvolvimento são várias as dificuldades. Por um lado, a grande complexidade do financiamento ao desenvolvimento dificulta a gestão da ajuda e a integração da mesma. Esta sobrecarga leva a que os Estados tenham um papel reactivo, não tendo capacidade para o planeamento da ajuda. Por outro lado, a ownership dos países é muitas vezes considerada sinónimo de ownership dos governos. A participação da sociedade civil é normalmente encorajada, apesar de não ser tida como indispensável, sendo que é amplamente aceite na literatura sobre desenvolvimento (Chambers, 1997; McGee, 2004) que a participação e a consulta pública resultam em melhores programas e políticas de desenvolvimento.

Isto mesmo é apontado, por exemplo, ao processo que conduz aos DERP que devem resultar de um processo participativo e em parceria. O DERP é da responsabilidade de cada país: o governo desempenha o papel principal no processo e a sociedade civil é chamada a participar no diagnóstico da pobreza. Uma das críticas que tem vindo a ser feita a este processo, nomeadamente por parte das ONG, tem sido que a participação da sociedade civil é limitada à consulta, durante a fase de diagnóstico, e de monitoria, no decorrer da fase da implementação, não permitindo uma verdadeira participação nas negociações políticas prévias, que vão condicionar toda a estratégia de redução de pobreza. A falta de participação, em todas as fases do processo, impede a criação de uma estratégia própria do país. Por fim, é difícil para todos

21O Consenso europeu sobre o desenvolvimento foi aprovado na reunião do Conselho de 22 de Novembro 2005, com a participação dos representantes dos governos dos Estados-Membros.

os interlocutores (stakeholders) no processo de desenvolvimento, ao nível nacional, terem capacidade para compreender e aceder à informação sobre os mecanismos de assistência ao desenvolvimento (como por exemplo quais os montantes dos financiamentos, as fontes e os canais). Nesse sentido, é necessário criar processos e mecanismos oficiais de participação aos vários níveis nacional, regional e local.

Quanto aos países e instituições doadoras é difícil depois de décadas de programas liderados pelos doadores (donor driven), devolver aos países receptores o controle de todo o processo. Acresce que, da parte dos países doadores, continuamos não só a ver a ingerência externa na formulação das políticas dos países em desenvolvimento, como a prossecução da associação de condicionalidades à ajuda externa (Helleiner, 2000; Stiglitz, 2002). Quando o processo chega à discussão dos países já está à partida condicionada pelo país/instituição doadora. Exemplo desta prática são novamente os DERP que têm que ser aprovados pelo BM. Ironicamente, neste momento, a forma que existe de se medir se um país está a progredir em relação à ownership está directamente relacionada com o facto de o país possuir este documento.

O grande desafio que se coloca é a operacionalização do conceito pois, embora seja muito discutido e cada vez mais utilizado no jargão do desenvolvimento, dificilmente se encontram exemplos da sua aplicação no terreno.

Remete-se aqui para a questão levantada na discussão sobre desenvolvimento local: de que forma as questões da ownership (ou da iniciativa local) comprometem a eficácia desta estratégia?

II O Grupo de Trabalho

De forma a compreender algumas das forças e limitações que condicionaram o GT em estudo, começamos, no primeiro ponto deste segundo capítulo, por descrever o contexto em que foi criado e desenvolveu o seu trabalho, dando especial relevo às questões ligadas à saúde, e à nutrição em particular. Começou-se pelo geral - STP, passando-se depois para o local - distrito de Caué.

Após se fazer o enquadramento deste relatório no contexto em que se desenrola o estudo, olhamos depois, no ponto dois, para os agentes que estão na base desta viagem. Retomando a definição de desenvolvimento de Robert Chambers, de ―mudança boa (good change)‖, vamos

analisar os actores que promovem esta mudança, assim como a sua legitimidade e capacidade para o fazer.

No ponto três far-se-á a caracterização das organizações que compõem o GT em análise, identificando-se também as intervenções que desenvolviam à data da criação do GT na área da nutrição.

Dado que se procura neste estudo contribuir para a discussão conceptual e operacional do processo de criação e implementação de parcerias em contextos de desenvolvimento local, a partir da experiência da participação da AMI num GT, será dada uma maior relevância a esta organização de forma a avaliar, no último capítulo, as implicações deste GT na intervenção da AMI e a identificar boas práticas para a intervenção da instituição numa perspectiva de desenvolvimento local, em STP.

Por último, no ponto quatro, será descrito o processo de criação do GT desde a sua origem, passando pela formalização e actividades que desenvolveu, até às alterações que provocou nas intervenções na área da nutrição, no distrito de Caué.