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Baechler (1995) ressalta que algumas correntes de pesquisas apontam a sociabilidade como responsável por designar redes nascidas espontaneamente das relações que os indivíduos mantêm com os outros (Granovetter, 1973; Forsé, 1981; Degenne, 1983; Bidart, 1988; Héran, 1988). É seguindo esse caminho que o conceito de Baechler (1995) é elaborado. Assim, pode-se falar em sociabilidade quando as relações estabelecidas por indivíduos e/ou grupos não se expressam simplesmente na constituição de um grupo passível de funcionar como unidade de atividade, pois as formas de sociabilidade sugerem dois modos de relações: uma sociabilidade intragrupos, na qual as interações fomentadas no interior de cada grupo são efetivadas levando-se em conta interesses e objetivos comuns ao grupo, ou ainda alheios a ele; e outra determinada pelo estabelecimento de relações de indivíduos para indivíduos e de grupos para grupos.

A possibilidade de formas de sociabilidade intragrupos permite, como exemplificação, relações entre os dois parceiros que formam um casal ou entre empregados de uma mesma empresa. Já as relações instituídas por grupos diferentes expressam debates entre partidos políticos com ideologias diferentes ou a convivência entre alunos de colégios localizados em bairros distantes.

Redes são tecidas pela sociabilidade e são entendidas como relações espontâneas que formam laços, sólidos ou não, entre indivíduos e/ou grupos. A amplitude, a exclusividade e a densidade das redes são altamente variáveis, tendo em vista a proximidade dos grupos e indivíduos que as criam. Assim, o grau de parentesco, a vizinhança, a classe social interferem na forma de cada rede. Além disso, o espaço social também intervém diretamente nelas, pois o local em que se encontram os indivíduos e/ou grupos (salões, clubes, cafés, terminais) sugere que eles sejam mais ou menos sociáveis entre si e com os de fora.

As ponderações trazidas por Baechler (1995), baseadas em preceitos teóricos de Degenne (1983), também fundamentam a problematização relativa aos estudos sobre a sociabilidade desenvolvida por e entre grupos. Desse modo, quando as reflexões focam as redes enquanto objeto, em detrimento de indivíduos isolados, é possível identificar os grupos como atores coletivos e “[...] determinar não apenas quais as associações que, numa determinada área, desenvolvem relações entre si, mas sobretudo quais de seus membros pertencem a várias dentre elas e asseguram a continuidade e a realidade da rede.” (BAECHLER, 1995, p. 78).

A sociabilidade tecida entre os circulantes do Terminal fomenta o estabelecimento de redes que se espalham pela cidade, pois os grupos passam por ali e deslocam-se posteriormente para outros bairros. Com isso, as redes nas quais os indivíduos estão integrados podem beneficiar com maior sociabilidade aqueles que necessitam do transporte coletivo, ou seja, tanto maior serão os laços de sociabilidade quanto mais ambientes públicos frequentarem, além do espaço privado do lar.

O Terminal Central integra o cotidiano da cidade de Uberlândia-MG, sendo o grande responsável pela concentração e dispersão dos usuários do transporte público por itinerários de deslocamento. As redes de sociabilidade iniciadas em seu espaço são pulverizadas pelos indivíduos em seus trajetos. Os ônibus cortam a cidade com diferentes histórias pessoais, vivenciadas por cidadãos uberlandenses, por mães e seus filhos, por trabalhadores, por estudantes de ensino fundamental, médio e superior, por idosos, por consumidores do Pratic

Shopping, por casais, por surdos e/ou mudos, entre outros. Contudo, como o foco analítico desta dissertação concentra-se no próprio Terminal, não será feita aqui uma discussão pormenorizada das redes, mas sim da sociabilidade ocasionada pela interação desses grupos situados, exclusivamente, nesse espaço, entendido como local de passagem. A peculiaridade da análise está justamente no fato de os grupos estarem em uma situação de trânsito.

Cabe ressaltar que, aos moldes de Baechler (1995, p. 90-91), há um elemento indispensável ao funcionamento e à manutenção dos grupos e redes: a morfologia da socialidade, a qual expressa e delega coesão para todos esses elementos.

Uma vez deduzidos todos os grupos e todas as redes, subsiste uma certa maneira de manter um todo coeso, a que damos o nome de cité. A cidade (cité) é também uma morfologia [...]. Numa primeira abordagem a sociabilidade designa as morfologias [...]. Podemos definir morfologia como os princípios de coerência e de coesão que cimentam os indivíduos e os grupos, permitindo-lhes perdurar-se como sociedades humanas.

Baechler (1995) retoma Granovetter (1973 apud BAECHLER, 1995) e mostra quatro elementos que influenciam vínculos fortes ou fracos em uma rede de sociabilidade, a saber: o tempo de duração e o tempo dispensado pelos indivíduos à rede; a intensidade das emoções despertada por ela; a intimidade estabelecida entre os membros; e a reciprocidade dos serviços prestados por ela.

Quanto mais intensos forem os laços numa rede, tanto mais essa rede tende a fechar- se sobre si própria e a dissociar-se das outras redes numa espécie de enquistamento social, e inversamente: a extensão, a flexibilidade, a adaptabilidade das redes são tanto maiores quanto mais se basearem em laços fracos, que permitem esperar que, gradualmente, criem-se pontes capazes de ir muito além do círculo de origem dos laços de sociabilidade. (BAECHLER, 1995, p. 80).

Assim, após todas as contribuições teóricas trazidas por Siches (1965) e Baechler (1995), é possível concluir que interações, relações, grupos, redes e sociedade são formas empíricas relacionadas com as abordagens sociológicas em torno do modo como se dão as relações entre indivíduos, as quais fundamentam a sociabilidade e o próprio campo social. Para Baechler (1995), como já assinalado, a diversidade do social pode ordenar-se em três seções: a sodalidade, a sociabilidade e a socialidade, que são seções representativas dos grupos, das redes e das morfologias, respectivamente. O autor indica também que os

conceitos não podem ser concebidos de modo engessado e fechado, pois ocorrem pontes entre eles no terreno empírico.

A peculiaridade da prática da sociabilidade em situações de trânsito é revestida pela ocasião do deslocamento. Ao longo dos percursos do transporte coletivo existem indicações de interações entre seus usuários. Nessa direção, o antropólogo francês Augé “[...] revê a problemática das sociabilidades sob o enfoque das transformações ocorridas na percepção dos espaços na contemporaneidade, cada vez mais urbana.” (FREHSE, 1996, p. 88). Utilizando a noção de não-lugar em suas pesquisas, ele analisa as interações promovidas em locais de passagem e de fluxo contínuo de indivíduos em trânsito. A seguir, apresenta-se o modo como o autor francês aborda a emergência de situações de superabundância (a do tempo, a do espaço e a do indivíduo), bem como o aparecimento de ambientes que, segundo ele, não promovem identidade entre seus frequentadores.