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O conflito entre os empreendimentos de mineração e a criação do PARNA Serra do

Capítulo 2 A Serra do Gandarela: um espaço de conflitos ambientais territoriais,

2.4 Os conflitos ambientais na Serra do Gandarela

2.4.1 O conflito entre os empreendimentos de mineração e a criação do PARNA Serra do

2.4.1 O conflito entre os empreendimentos de mineração e a criação do PARNA Serra do Gandarela

Identificamos na Serra do Gandarela um primeiro conflito ambiental que envolve, de um lado, corporações transnacionais e empresas mineradoras; e de outro, órgãos ambientais públicos e entidades da sociedade civil – os órgãos ambientais, como responsáveis pela demarcação das UC e por promover a preservação/conservação da biodiversidade, e as entidades, como agentes de pressão política para a criação de UC.54 Trata-se de um conflito que pode ser caracterizado como territorial, uma vez que existe sobreposição de reivindicações de diversos segmentos sociais, portadores de identidades e lógicas culturais diferenciadas sobre o mesmo recorte espacial (ZHOURI; LASCHEFSKI, 2010). A sobreposição se daria, principalmente, entre a instalação dos empreendimentos de mineração e a criação e implantação do PARNA Gandarela (Figura 19).

54A relação dos atores sociais envolvidos nos conflitos ambientais na Serra do Gandarela pode ser consultada no Anexo A. Para mais informações pode ser consultada a Ficha Técnica do conflito, elaborada pelo Observatório dos Conflitos Ambientais de Minas Gerais (OBSERVATORIO, s/data).

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Figura 19: Localização das propostas do projeto mina Apolo e do PARNA Gandarela na Serra do Gandarela – 2010

Fonte: Marent et al., (2011, p.106)

Em linhas gerais, pode-se perceber que as propostas em disputa expressam diferentes formas de perceber e interagir com o meio ambiente. De um lado, a proposta de mineração, inspirada em modelos e políticas desenvolvimentistas, sustenta-se numa racionalidade que vê a natureza como “recurso”, isto é, como uma “matéria-prima” a ser transformada em mercadoria (SHIVA, 2000). De outro lado, a proposta de criação do PARNA Gandarela, inspirada em modelos e políticas preservacionistas, sustenta-se numa racionalidade que parte da ideia de exclusão das populações humanas, uma vez que elas são vistas como uma “ameaça” para a preservação do mundo natural. Ambas as racionalidades partem da separação homem/natureza, isto é, a natureza aparece como dissociada do meio social.

101 É interessante observar que a disputa entre os atores sociais envolvidos – quais sejam, a Vale e os órgãos ambientais e entidades ambientalistas – ocorre, principalmente, pelo controle, uso e apropriação dos recursos naturais. Nesse sentido, o minério de ferro e a água tornam-se duas “raridades” amplamente disputadas material e discursivamente (SANCHES, 2012). Além disso, as duas propostas apoiadas no argumento da “utilidade pública” buscam se legitimar perante a sociedade.

Adicionalmente, observarmos também que, apesar de aparentemente contraditórias, as duas racionalidades são complementares, o que nos levaria a refletir sobre a relação entre o par exploração/preservação para a própria reprodução do sistema capitalista (ESCOBAR, 1995; FREITAS, 2004; MONTEIRO, 2011; EUCLYDES, 2012).Assim, nas últimas décadas, as UC foram articuladas funcionalmente as estruturas produtivas por meio de um processo definido por alguns autores como modernização ecológica.55 Tal processo exemplifica a convergência de interesses entre o Estado e as empresas de mineração e sua relação com a proteção do mundo natural, conforme analisaremos no terceiro capítulo.

Percebemos ainda que, do ponto de vista espacial, o conflito ambiental aqui analisado revela a existência de concepções e representações semelhantes sobre o espaço, tanto por parte dos representantes do setor mineral, quanto pelos representantes dos órgãos públicos ambientais e entidades ambientalistas. A partir das contribuições do filósofo Henri Lefebvre, especialmente quanto a sua teorização sobre a produção do espaço, entendemos que o conflito ambiental territorial aqui analisado diz respeito ao avanço do espaço abstrato, isto é, ao avanço do espaço idealizado e planejado pelos agentes hegemônicos.56

Entendemos também que esse conflito pode ser caracterizado como um conflito ambiental externalizado, uma vez que ele é institucionalizado/formalizado em várias instâncias públicas. Essa articulação deriva das denúncias feitas por movimentos

55A modernização ecológica é uma abordagem que “propõe conciliar o crescimento econômico com a resolução de problemas ambientais, dando ênfase à adaptação tecnológica, à celebração da economia de mercado, à crença

na colaboração e no consenso” (ACSELRAD et al., 2009, p. 14).

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A partir da teorização da produção do espaço do Lefebvre, Coelho-de-Souza (2013) afirma que a criação de UC de proteção integral na Serra do Gandarela expressa a existência do espaço diferencial ou “espaço de

resistência” que emerge das próprias contradições do espaço abstrato. Segundo a autora, a proposta do

Movimento Pela Preservação da Serra do Gandarela (MPSG) teria por objetivo romper e frear com a repetitiva acumulação capitalista que se apropria dos territórios, e criar a possiblidade de outros espaços e modos de vida (COELHO DE SOUZA, 2013). No entanto, consideramos a tese da autora pouco provável dadas as relações

“funcionais” entre os empreendimentos de mineração e a criação de UC. Consideramos que a proposta do parque

não se limita a frear a repetitiva acumulação capitalista, mas a viabilizá-la e legitimá-la perante a sociedade, conforme analisaremos no terceiro capítulo.

102 ambientalistas ao Ministério Público Estadual (MPE) e Ministério Público Federal (MPF) 57 e na criação dos dois Grupos de Trabalho cujo objetivo foi o de “conciliar” as propostas em discussão na região. Somado ao anterior, o conflito também é externalizado por meio de diversas ações coletivas protagonizadas pelo Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela (MPSG): o abaixo-assinado apoiando a criação do PARNA Gandarela (ver Anexo B); campanhas de sensibilização sobre a necessidade de preservação da região, realização de debates públicos (realizados na Câmara Municipal de Belo Horizonte e na Assembleia Legislativa de Minas Gerais); divulgação do caso Gandarela em diversas mídias (escrita, televisiva e, fundamentalmente, por meio da internet); 58 em congressos e eventos acadêmicos, dentre outras ações (Figura 20).

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Essas denúncias foram encaminhadas ao Ministério Público Estadual e Federal por meio do Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela (MPSG). A partir das denúncias, o Ministério Público Estadual recomendou a suspensão do licenciamento ambiental de empreendimentos de mineração sobre a área proposta para a criação do PARNA Gandarela, como, também, o Ministério Público Federal ajuizou uma ação civil pública contra o ICMBio com o objetivo de agilizar a realização das consultas públicas para a criação do PARNA Gandarela. A esse respeito, ver Anexo A.

58A respeito do ativismo ambiental em prol da criação do PARNA Gandarela feito pelo MPSG nas mídias,

destacamos o jornal “O Gandarela: o jornal do parque” e, na internet, por meio da página do movimento na rede

social Facebook: https://www.facebook.com/movimento.gandarela?ref=ts&fref=ts . Acesso em 08/05/2013, e do

site “Águas do Gandarela”: http://www.aguasdogandarela.org/. Acesso em 14/05/2013. Percebemos, ao longo de

nossa pesquisa, uma atuação intensa do MPSG nas redes sociais sem que esse tema seja o foco de nossa analise.

103 Figura 20: Chamada de sensibilização para a criação do PARNA Serra do Gandarela

Fonte: Águas do Gandarela, s/data

A forma de atuação do MPSG pode ser compreendida a partir das indicações de Melucci (1999) a respeito dos movimentos sociais contemporâneos. Para o autor uma das características fundamentais dos movimentos reside no fato de se comportarem como meios de comunicação social,

(...) su función es revelar los problemas, anunciar a la sociedad que existe un problema fundamental en una área dada. Tienen una creciente función simbólica, tal vez podría incluso hablarse de una función profética. Son una especie de nuevos medios de comunicación social. (MELUCCI, 1999, p.70)

Nos termos de Melucci, entendemos a atuação do MPSG como um meio de comunicação fundamental para dar visibilidade pública à questão dos conflitos ambientais na Serra do Gandarela.59 As ações de divulgação e mobilização social e política efetuadas pelo MPSG o tornam um dos principais atores a externalizar o conflito na região. Assim, o Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela pode ser pensado como:

59Nos estudos de Carvalho (2010), Sanches (2012), Coelho (2012) e Ferreira (2013) pode se perceber que uma das questões centrais colocadas pelo MPSG está relacionada com os recursos hídricos. Desse modo, as práticas e discursos do movimento têm privilegiado a questão da água e de sua escassez, no contexto metropolitano, como uma estratégia para dar visibilidade a Serra do Gandarela.

104 (...) una clase especial de medium cuya función principal es la de sacar a la luz lo que el sistema no dice por sí mismo, la cuota de silencio, de violência, de arbitrariedad que siempre subyace en los códigos dominantes. (...) su papel como intermediários, entre los dilemas del sistema y la vida diária de las personas, se manifiesta principalmente en lo que hacen: su mensaje central consiste en el hecho de que existen y actuán. Con ello indican a la sociedad que hay um problema que concierne a todos sus miembros, em torno al cual están surgiendo nuevas formas de poder. Del mismo modo, los movimientos declaran que aquello que la estrutura de poder presenta como solución al problema no solo no es la única posible sino que oculta uma serie de interesses, el núcleo de um poder arbritario y la opressión. Por médio de lo que hacen y de su forma de hacerlo, los movimientos anuncian que existen otros caminos, que siempre habrá otra forma de enfoncar un asunto, y que las necessidades de los indivíduos o de los grupos no pueden reducirse a la definición que de ellos hace el poder. (MELUCCI, 1999, p.126.)

A partir das reflexões de Melucci, podemos analisar a atuação do MPSG como um intermediário/medium que alerta sobre as formas/relações de poder que modificarão o uso e acesso aos recursos naturais na Serra do Gandarela, bem como anuncia/divulga informações e sentidos contra-hegemônicos ao poder do setor mineral na região. Desse modo, o movimento alerta para a necessidade de uma discussão mais ampla e urgente sobre o futuro da Serra do Gandarela dada sua importância no contexto metropolitano.

A atuação do MPSG no conflito ambiental analisado demonstra o protagonismo institucional crescente dos movimentos ambientalistas no Brasil nos últimos anos em trazer a cena uma outra forma de fazer política. Em parte, isso pode ser explicado pelo fato de os movimentos ambientalistas do Brasil passarem, nas últimas décadas, por um processo que incluiu a profissionalização progressiva dos seus membros, a incorporação dos seus conselhos nas estruturas do Estado e a transformação dos seus discursos e práticas ambientalistas – antes combativos e orientados à denúncia – em defesa de elaboração de alternativas produtivas “limpas” e no estabelecimento de medidas compensatórias para os impactos ambientais (VIOLA; LEIS, 1992).

Desse modo, sintonizados com o ideário do Desenvolvimento Sustentável, as ONG, entidades e movimentos ambientalistas – como o MPSG – ganharam maior visibilidade e protagonismo institucional nas últimas décadas, como consequência da competência técnica de seus membros e da inserção de ditas organizações nas estruturas estatais. Por conseguinte, elas tornaram-se interlocutores “confiáveis” e parceiros ideais do Estado (DAGNINO, 2004). No próximo capítulo, essas constatações serão melhor discutidas quando analisarmos as negociações de conciliação dos projetos de mineração e preservação na Serra do Gandarela.

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