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1 INTRODUÇÃO

2.2 O CONSERVADORISMO E A POLÊMICA DA REDUÇÃO DA

A discussão da redução da maioridade penal pauta-se na idéia ainda corrente de que a internação constitui-se em proteção ao adolescente autor de ato infracional. A falácia “privar de liberdade para proteger” é responsável pela mensagem de que nas unidades de privação, ditas de proteção, os adolescentes têm acesso a cuidados como saúde e educação, satisfação de necessidades como alimentação, colchão, chuveiro quente, etc. Esquecem-se, contudo, que a privação além desses direitos, de que todo cidadão é titular, independentemente de estar sob a guarda ou tutela do Estado, é composta também de cadeados, grades, portas de ferro e trancas. Privação de liberdade do ir e vir. Cabe salientar que está muito mais próxima da carceragem de adultos do que de creches infantis, como insistem os conservadores.

A implantação do ECA continua sendo pauta hodierna, havendo questionamentos de setores reacionários atribuindo-se a esta lei a condição de uma “cartilha” exclusiva de direitos e desprovida de deveres, pleiteando, assim, de forma contínua, sua revisão, ou até mesmo a supressão do que ainda não foi devidamente implantado. Passados 17 anos - quase a maioridade do ECA - as ações preventivas e as garantias de direitos dos adolescentes autores de ato infracional têm que ser constantemente evocadas na busca da legitimidade da justiça social. A sociedade, alarmada com a violência e imobilizada diante de tantas atrocidades, clama por uma lei mais severa para adolescentes envolvidos em ato infracional, propondo alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Uma das justificativas que sustentam essa proposta de redução da maioridade penal é a de que os adolescentes não são responsabilizados pelo ato infracional praticado. No ECA o sistema de responsabilização prevê seis tipos de sanções, que vão da advertência à aplicação de medidas sócio-educativas, como a obrigação de reparar o dano, a prestação de serviço à comunidade, a liberdade assistida, a semiliberdade e a internação. Dados do SINASE (2006) apontam um crescimento no número de internações no país da ordem de 325% nos últimos 10 anos, sendo o Rio Grande do Sul o 2º Estado, depois de São Paulo, no ranking. Isto indica que a medida mais gravosa vem sendo utilizada em detrimento da semiliberdade ou medidas de meio aberto. Adolescentes vêm sendo privados de liberdade como solução mágica de todos os males. Além de que muitos outros argumentos também vêm sendo utilizados para justificar tal redução. Dentre estes o direito a voto aos dezesseis anos de idade. É importante lembrar que o voto aos 16 anos não é obrigatório e que o adolescente vota mas não pode ser votado, não tem permissão para casar antes dos 18 anos de idade e não pode tirar carteira de habilitação. Então, em que se fundamenta a possibilidade de ser preso no sistema penal adulto aos 16 anos?

Saraiva (2006), expressa que a proposta reducionista vem na contramão da história.

Tal idéia em nosso País está diretamente relacionada com a absoluta desconsideração (e não absoluta prioridade) para com o cumprimento das regras de responsabilização previstas no Estatuto.

Em decorrência disso, brada-se aos quatro ventos como solução para o enfrentamento da criminalidade a redução da idade de responsabilidade penal, por certo imaginando que, lançando-se jovens de 16 aos no falido sistema (?) penitenciário brasileiro, se estará contribuindo para o resgate da cidadania nacional (SARAIVA, 2006, p.191).

Em 27/04/2007, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado aprovou a redução da maioridade penal no país, atualmente fixada na Constituição Federal em 18 anos, para os 16 anos. Pesquisas de opinião pública sobre o tema apontam que a maioria deseja a redução da idade penal, mas reconhecem alternativas para a violência juvenil, como educação e melhor acompanhamento da família, fazendo, no entendimento de Oliveira (2007), na época Subsecretária de Promoção de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, “um diagnóstico correto, mas apontando um tratamento que não corresponde àquela visão de realidade”. Ainda de acordo com Oliveira, atual presidente do Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente

(CONANDA), a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado tem uma liderança bastante conservadora, motivo pelo qual aprovou a redução, todavia o debate percorre outras instâncias, com maior proporção de votos e, possivelmente, com amadurecimento da discussão.

Nessa perspectiva, entende-se que o Brasil, país signatário da Convenção da ONU e de diretrizes internacionais sobre os direitos de crianças e adolescentes, deve buscar alternativas de redução da criminalidade sem atribuir a um único segmento populacional a responsabilidade da violência, enfatizando-se o respeito à legislação e soberania dos princípios constitucionais no Estado Democrático de Direito.

O tema demonstra-se, inclusive, controverso de tal forma que sua inconstitucionalidade é enfatizada por Júnior e Grau (2001, p.95), uma vez que “a inimputabilidade dos adolescentes de 18 anos é direito individual, e, como tal, não pode ser modificado nem abolido” O artigo 60, § 4º, da Constituição Federal estabelece: ”Não será objeto de deliberação a proposta de emenda constitucional tendente a abolir: IV – os direitos e garantias individuais”. O artigo 228 da Constituição Federal assinala: São penalmente inimputáveis os adolescentes de 18 anos, sujeitos às normas da legislação especial.

Já, o senador Aloizio Mercadante, no seu voto em separado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, sobre a Proposta de Emenda à Constituição nº 18, de 1999, que “altera a redação do art. 228 da Constituição Federal”, sustentou que

É importante lembrar que inimputabilidade não significa impunidade. O próprio ECA, ao tratar das medidas sócio-educativas, prevê que o jovem pode ficar até nove anos dentro do sistema de medidas sócio-educativas, progredindo do regime de internação para a semi-liberdade e em seguida para a liberdade assistida. Portanto, não se deve considerar apenas o limite de três anos para a internação, como tempo máximo de permanência do jovem sob tutela do Estado (MERCADANTE, 2007).

O autor do voto argumentou ainda que “a melhor solução para o problema da delinqüência juvenil, ou da violência infanto-juvenil, não está em alterar o texto constitucional, mas sim na aplicação do que já prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente”, pois a aprovação da redução da maioridade penal significaria a morte do ECA, “uma vez que estaremos substituindo o conceito de medida sócio-educativa pela idéia pura e simples de punição retributiva. Além disso, estaremos assumindo uma responsabilidade terrível ao encaminhar jovens para os atuais presídios brasileiros, comandados pelo crime organizado”.

O senador apresentou também voto em separado pela rejeição da Proposta de Emenda à Constituição nº 20, de 1999, bem como das demais que tramitam conjuntamente:

Proponho, entretanto, a abertura de um processo de discussão, em prazo breve, para que o Senado apresente à sociedade brasileira uma proposta ampla, que contemple as responsabilidades do governo federal, dos governos estaduais, do parlamento, do ministério público, do judiciário, enfim, uma alternativa global e profunda sobre a questão da segurança pública, em todos os seus aspectos, inclusive a questão do financiamento, e do tratamento do jovem infrator no Brasil (MERCADANTE, 2007).

Mercadante apontou ainda que, se “há uma dívida do parlamento com a sociedade brasileira em relação à questão da violência, não podemos esquecer da dívida que todos temos em relação a nossos jovens”. E esta não será resgatada através da massificação do sistema penal adulto, que coloca em risco de regressão as conquistas de direitos humanos de adolescentes autores de ato infracional. É preciso, sem demora, implantar a lei de execução das medidas sócio-educativas e aquilo que preconiza o SINASE no intuito de se garantir direitos humanos aos adolescentes privados de liberdade, ensejando-se, assim, um novo significado junto aos internos, seus familiares e à sociedade brasileira.

3 POLÍTICA DE ATENDIMENTO SÓCIO-EDUCATIVO NA PRIVAÇÃO DE