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Capítulo I – A liberdade dos mares no Direito Internacional, sua natureza

1.2. O conteúdo atual do princípio da liberdade dos mares

A liberdade dos mares75, que surgiu da prática internacional até tornar- se um costume, atualmente encontra-se positivada em tratados internacionais, sobretudo na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM) de 1982. Até meados do século XIX a regulamentação relativa ao alto mar consistia quase inteiramente de direito consuetudinário76,

72 Neste sentido VIEIRA, Mônica Brito. Mare Liberum... Op. Cit. P. 366; ANAND, Ram Prakash.

Origin and… Op. Cit. P. 105.

73 Segundo NYS, Ernest. Estudes... Op. Cit. P. 260, Do Justo Império Asiáticos dos portugueses é uma obra notável onde o autor defende com raro talento uma má causa.

74 Sobre a questão, resume MELLO, Celso D. de Albuquerque. Alto... Op. Cit. P. 34: “No início do século XVIII a regra é a liberdade dos mares”.

75 Sobre o tema, destaca SCOVAZZI, Tullio. The Conservation and Sustainable Use of Marine

Biodiversity, including Genetic Resources, in Areas beyond National Jurisdiction: a Legal Perspective.

Presentation delivered at the 12th meeting of the United Nations Open-Ended Informal Consultative Process on Oceans and the Law of the Sea (20-24 June 2011), 2; 2011. Disponível online em http://www.un.org/depts/los/consultative_process/ICP12_chart_of_ presentations.pdf. Acesso em 20 de junho de 2016: “far from being an immutable theological dogma, the principle of freedom of the sea is to be understood not in an abstract way, but in the light of the peculiar circumstances under which it should apply”.

76 Não obstante algumas esparsas convenções internacionais regulamentando algum tema específico relativo à utilização deste espaço marítimo. Pode-se citar aqui a Convenção Internacional para a Proteção dos Cabos Submarinos assinada em Paris na data de 14 de março de 1884, regulando a colocação de dutos e cabos nos mares. Sobre tal tratado e o regime atual da liberdade de colocar cabos submarinos ver ZANELLA, Tiago Vinicius. Curso de... Op. Cit. P. 251 a 254.

com base nos conceitos fundamentais da liberdades dos mares e exclusiva

jurisdição do Estado de bandeira sobre seus navios em alto mar77.

Contudo, ao longo dos últimos cem anos, sobretudo no pós Segunda Guerra, o regime jurídico da liberdade dos mares vem sendo reformulado tendo em vista quatro tipos de desenvolvimento. Em primeiro lugar, ocorreu a

redução significativa das áreas de alto mar78. Paulatinamente, outros

espaços marítimos (como, por exemplo, a Zona Econômica Exclusiva) foram sendo criados (ou tiveram suas delimitações alargadas) pelo direito

internacional e diminuíram sobremaneira o espaço do alto mar79. Neste viés,

apesar de existirem liberdades nestas demais zonas, em especial a liberdade

de navegação80, estas são mais limitadas e controladas pelo Estado costeiro.

Assim, a diminuição da área de alto mar, um espaço livre regra geral, constitui uma restrição ao instituto da liberdade de navegação marítima81.

Em segundo lugar, teve grande impacto na atual legislação sobre a liberdade de navegação a primeira codificação universal sobre o direito do

mar, realizada em 1958 na Convenção de Genebra82. Foram assinadas

77 Neste sentido ANDERSON, David. Freedoms of the High Seas in the Modern Law of the Sea. In.:

FREESTONE David; BARNES Richard. The Law of the Sea: Progress and Prospects. Oxford University Press, P. 327 – 346, Nova Yorque; 2006, P. 327.

78 Sobre a questão, argumenta ANDERSON, David. Freedoms...Op. Cit. P. 327: “The first has been the

significant reduction in the area of the high seas. The permissible limits of coastal State jurisdiction have been gradually extended away from the coast, and as a result the area of the high seas has been correspondingly reduced”.

79 Alguns doutrinadores afirmam que o processo de evolução das demais zonas marítimas tende a pôr

fim ao Alto Mar. Isto é, esta zona de mar está sujeita a não mais existir no momento em que os outros espaços, já existentes ou que venham a ser criados, acabarem por englobar o Alto Mar. Neste sentido, afirma GUEDES, Armando M. Marques. Direito... Op. Cit. P. 242: “Figuras como a Zona Contigua, a Zona Económica Exclusiva, a Plataforma Continental e, a fechar por agora o ciclo, a Área (sobre que exercerá jurisdição a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos), são marcos a atestar a progressão no sentido da perda da dimensão originária que possuía. Quando a evolução atingir o seu termo, o Alto Mar deixará de existir. A figura independente, dotada de estatuto próprio, que hoje ele ainda ê, ter-se-á fraccionado num conjunto de figuras autônomas em torno das quais se ordenarão estatutos parcelares diferenciados”.

80 Pode-se citar aqui o direito de passagem inocente pelo Mar territorial.

81 Neste sentido ver MELLO, Celso D. de Albuquerque. Alto... Op. Cit. P. 9 e, como destaca KLEIN,

Natalie. Dispute Settlement in the UN Convention on the Law of the Sea. Cambridge University Press, Reino Unido; 2004, P. 127: “The result of the increasing attribution of exclusive maritime rights over High Seas Areas The result of the increasing claims of coastal States was the diminution in area that consisted of high seas and accordingly the diminution in areas wherein States were to exercise the assorted freedoms of the high seas.”

82 Sobre a questão, afirma BASTOS, Fernando Loureiro. A internacionalização dos Recursos Naturais

Marinhos: contributo para a compreensão do regime jurídico-internacional do aproveitamento conjunto de petróleo e de gás natural nas plataformas continentais, do potencial aproveitamento de recursos minerais na Área, da pesca no Alto Mar e os efeitos da regulamentação convencional respectiva em relação a terceiros Estados. AAFDL, Lisboa; 2005. P. 173: “As Convenções de 1958,

quadro convenções internacionais que versavam sobre o Mar territorial e a

Zona Contígua83; a Plataforma Continental84; a Pesca e a Conversação dos

Recursos Biológicos em Alto Mar85; e sobre o Alto Mar86. Estes documentos

tiveram enorme importância no desenvolvimento do direito do mar – e consequentemente da liberdade de navegação – pois trouxeram maior clareza e segurança jurídica, embora houvessem omissões significativas no regime geral de Genebra sobre os limites da jurisdição nacional87. Todavia, no âmbito da codificação da liberdade de navegação, as Convenções de 1958 tiveram grande impacto ao delimitar com maior precisão as liberdades inerentes ao alto mar88.

Em terceiro lugar, tem-se verificado, sobretudo nas últimas décadas, um crescimento significativo da codificação e regulamentação das diversas atividades desenvolvidas nos espaços marítimos de modo mais específico. Isto é, aumentou de forma acentuada a produção de tratados internacionais

para regular especificamente determinadas atividades marítimas89. São

inúmeros os tratados específicos que regulamentam o direito do mar atual. Em praticamente todas as áreas e atividades marítimas existem acordos e documentos internacionais regulando de forma relativamente precisa a ação

do homem sobre o meio marinho90.

naturais marinhos. Por um lado, ao serem os primeiros documentos de Direito Internacional de natureza vinculativa, com âmbito de aplicação potencialmente universal, que abordam a questão de forma expressa. Por outro lado, ao terem na sua base a distinção, a partir de então preponderante, entre recursos da coluna de água e recursos do leio e do subsolo dos oceanos”.

83 Convenção Sobre o Mar territorial e a Zona Contígua. 1958 84 Convenção Sobre a Plataforma Continental. 1958.

85 Convenção Sobre a Pesca e a Conservação Dos Recursos Biológicos do Alto Mar. 1859.

86 Convenção Sobre o Alto Mar. 1958.

87 Entre as falhas da convenção de Genebra de 1958, pode-se citar três mais significativas: a) não delimitação da extensão do Mar territorial; b) não regulamentação precisa e eficaz da pesca em Alto mar; c) a imprecisão na fórmula de delimitação da Plataforma Continental.

88 Convenção de Genebra sobre o Alto Mar de 1958. art. 2: “Estando o alto mar aberto a todas as nações, nenhum Estado pode legitimamente pretender submeter qualquer parte dele à sua soberania. A liberdade do alto mar exerce-se nas condições determinadas nos presentes artigos e nas outras regras do direito internacional. Ela comporta, nomeadamente, para os Estados com ou sem litoral: 1) A liberdade de navegação; 2) A liberdade de pesca; 3) A liberdade de colocar cabos e oleodutos submarinos; 4) A liberdade de o sobrevoar”.

89 Sobre a questão, destaca ANDERSON, David. Freedoms...Op. Cit. P. 328: “the growth of detailed

regulation of activities on the high seas through the adoption of international conventions, especially during the past 30 years”.

90 Sobre as diversas convenções internacionais relativas ao direito do mar ver ANDERSON, David.

Modern Law of the Sea. Martinus Nijhoff Publishers, Leiden – Boston; 2008: Chapter 5 - The current

Em quarto lugar, no final dos anos 1960 se inicia um processo de discussão internacional sobre a necessidade de uma maior regulamentação do direito do mar em geral, sobretudo dos fundos marinhos, o que culminou com a maior codificação da legislação internacional relativa ao mares já vista:

a CNUDM91. Um marco desta nova necessidade de regulação ocorreu em

1967, quando o embaixador de Malta nas Nações Unidas, Arvid Pardo, durante a XXII sessão da Assembleia Geral, apresenta a intitulada “Declaração e tratado relativos à utilização exclusiva para fins pacíficos dos fundos marinhos e oceânicos além dos limites da jurisdição nacional atual, e à exploração de seus recursos no interesse da humanidade”92. Foi a partir

desta declaração que a Assembleia Geral, através da Resolução 2.340, cria a Comissão dos Fundos Marinhos, que, em 1973, apresente um projeto de tratado com 25 temas a serem discutidos. Este foi o ponto de partida para a

Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 198293.

No âmbito da liberdade dos mares, a Convenção de 1982 trouxe

expressiva regulamentação do tema94. Como resultado, a CNUDM contém

várias disposições importantes relativas direta ou indiretamente à navegação, normatizando de forma bastante precisa suas liberdades e restrições. Assim, dentre os diversos espaços marítimo, fica, regra geral, mantida a livre navegação marítima, porém regulada pelo direito internacional. Verifica-se assim que quanto mais próximo ao Estado costeiro, maior sua jurisdição e

91 Sobre a questão, afirma ANDERSON, David. Freedoms...Op. Cit. P. 328: “in the late 1960s Processes of questioning and fundamental review of the entire law of the sea were set in train that led, in effect, to the revision of the Convention on the High Seas by the Third UN Conference on the Law of the Sea”.

92 PARDO, Arvid. Who will control the seabed? Council on Foreign Relations, Vol. 47, No. 1, Nova

Yorque, EUA; 1968.

93 Neste sentido SEBENIUS, James K. Negotiating the Law of the Sea. Harvard College. EUA; 1984.

P. 7.

94 Sobre o assunto, ver, entre outros: MUKHERJEE Proshanto K.; BROWNRIGG Mark. Farthing on

International Shipping. Springer, 4ª Ed., Heidelberg, New York, London; 2013. Chapter 1:

“Introduction: Freedom in International Shipping”; SCOVAZZI, Tullio. The evolution of international

law of the sea: new issues, new challenges. Collected Courses of the Hague Academy of International

Law, n° 286, Martinus Nijhoff Publishers; 2000, P. 122; BURKE, William T. Importance of the 1982

UN Convention on the Law of the Sea and Its Future Development. Ocean Development &

International Law, VoI. 27, Issue 1-2, P. 1-29, 1996. P. 1; JOYNER, Christopher C. The international

ocean regime at the new millennium: a survey of the contemporary legal order. Ocean & Coastal

soberania sobre o espaço marítimo, e mais controlada e restrita é a navegação marítima95.

Nas águas interiores prevalece a soberania do Estado costeiro. Isto é, para trafegar nesta zona as embarcações estrangeiras necessitam de

autorização96. Pode-se identificar, neste espaço, dois poderes fundamentais

reconhecidos ao Estado ribeirinho: o primeiro pode ser definido como um poder dominial, no qual o país detém uma soberania quase idêntica àquela relativa a terra firme e às águas continentais97; o segundo é denominado

poder exclusivo, pelo qual o Estado tem o poder privativo de pesca, sobrevoo e navegação. Ou seja, pode reservar as águas interiores exclusivamente

para a navegação de navios de sua bandeira98. Assim, neste espaço, regra

geral, não se aplica o princípio da liberdade de navegação99.

Em mar territorial existe a liberdade de navegação, contudo, ela é rigidamente controlada e regulamentada, sobretudo pelo instituto da

passagem inocente ou inofensiva 100 . Em resumo, a navegação de

embarcação estrangeira nesta área é permitida, sem necessidade de autorização, contudo, deve seguir as normas e regras estabelecidas pelo direito internacional e, de algum modo, pelo próprio Estado costeiro. No primeiro caso, o direito internacional estabelece as regras para a passagem ser considerada inocente, do contrário a navegação deixa de ser inofensiva e

95 O objetivo neste momento é analisar de maneira breve e geral o regime da liberdade de navegação

em cada espaço marítimo no direito internacional atual. No Capítulo VIII desta tese serão estudadas as restrições a liberdade de navegação para proteção do ambiente nos diversos espaços marítimos.

96 Neste sentido DEGAN, Vladimir Djuro. Internal Waters. Yearbook of International Law 17,

Netherlands; 1986. P. 23; CHURCHILL, Robin Rolf; LOWE, Alan Vaughan. The law of the sea. 3° ed, Manchester University Press, Inglaterra; 1999, P. 51.

97 Águas continentais são aquelas que que correm ou se acumulam na superfície da Terra, como, por

exemplo, lagos, rios, pântanos, represas, córregos, geleiras, lençóis freáticos, entre outros.

98 Neste sentido DEGAN, Vladimir Djuro. Internal… Op. Cit. P. 23-24; SHAW, Malcolm Nathan.

International Law. Cambridge University Press, 6, reimpressão, Inglaterra, 2008. P. 499. Ou ainda

MUKHERJEE Proshanto K.; BROWNRIGG Mark. Farthing on… Op. Cit. P. 10 que afirmam: “In internal waters (that is, in bays, rivers, canals, estuaries and ports), a right of access subject to the coastal state’s sovereignty. It is noteworthy that in practice rights to enter and leave ports are widely enjoyed under bilateral treaties or under the 1923 Ports Convention”.

99 Não obstante o poder soberano dos Estados sobre o controle da navegação em suas águas interiores, existem exceções contidas na própria CNUDM. Pode-se citar aqui os artigos 8, nº 2 e 125. Ainda, existem outras discussões a respeito do acesso aos portos e dos locais de refúgio que serão analisadas no Capítulo VI desta investigação.

100 Para fins deste estudo e do direito do mar passagem inocente ou inofensiva têm o mesmo significado. A Doutrina e a tradução oficial no Brasil dos textos de direito internacional, Como a CNUDM, denominam a passagem como inocente, já em Portugal a passagem é chamada de inofensiva. O termo vem da tradução do inglês innocent passage.

passa a ser proibida101. No segundo caso o Estado costeiro possui, por exemplo, o direito exclusivo de polícia. Com o objetivo de fiscalizar se todos os demais direitos concernentes ao mar territorial estão sendo cumpridos e manter a ordem e a paz nesta zona, o país costeiro possui a legitimidade de agir com poder de polícia perante todos os assuntos relacionados a este espaço102.

Neste sentido, o país ribeirinho pode adotar todas as medidas que entender convenientes para a segurança da navegação, como editar regulamentos relativos aos sinais e às manobras dos navios103; oferecer

disposições úteis que minimizem as hipóteses de encalhamento; instalar boias e sinais flutuantes; organizar serviços de pilotagem e praticagem;

definir rotas e sistema de separação de tráfego 104 enfim, todos os

mecanismos necessários para organizar e tornar a navegação no mar territorial mais segura.

Além disso, o Estado costeiro possui o direito – e até mesmo o dever – de proteger seu meio marinho contra danos ao ambiente. Em relação às regras fitossanitárias e de poluição marítima, além de editar as normas, pode também aplicar e fiscalizá-las no seu mar territorial quando estas tenham implicação direta no seu território105. Pode-se citar aqui o exemplo da água de lastro: sempre que um navio descarregue a água que utiliza como lastro

101 Nos artigos 17 ao 26 a CNUDM regulamenta de forma direta e precisa o instituto da passagem inocente. Sobre o tema, ver: O’CONNELL, Daniel Patrick. The International Law of the Sea. Clarendon Press, Oxford; 1984. P. 260 - 298; ROTHWELL, Donald R. Innocent Passage in the

Territorial Sea. In.: ROTHWELL, Donald R.; BATEMAN, Sam. Navigational Rights and Freedoms and the New Law of the Sea. Publications on Ocean Development, Vol. 35, P. 74-93, Kluwer Law

International, Netherlands; 2000; ZANELLA, Tiago Vinicius. Curso de... Op. Cit. P. 146 - 159; CHURCHILL, Robin Rolf; LOWE, Alan Vaughan. The law... Op. Cit., P. 70-79; DUPUY, René-Jean; VIGNES, Daniel. A handbook on the new law of the sea. Vol 1, Martinus Nijhoff Publishers, Holanda; 1991. P. 906 – 975; GOUVEIA, Jorge Bacelar. O direito de passagem inofensiva no novo direito

internacional do mar. LEX, Lisboa; 1993.

102 Sobre o assunto, afirma MCDOUGAL, Myres Smith; BURKE, William T. The public order of the

oceans: a contemporary international law of the sea. Yale University Press. EUA, 1962. P. 269: “The

assertion of coastal authority to apply policy to vessels in the territorial sea includes, as with the same claim in internal waters, the competence to apply policy both to events directly relating to the use of the territorial sea and to matters not so relating, such as controversies arising out of the shipping business and the conduct of trade”.

103 O direito do Estado costeiro de adotar sinais e manobras que as embarcações devem seguir no espaço do Mar territorial não impede a aplicação das normas costumeiras e positivas relativas a questão, pelo contrário, os acordos internacionais sobre sinais e manobras para evitar albaroamento também tem vigência nesta zona marítima. Podemos citar aqui o Código Internacional de Sinais (CIS) e o Regulamento Internacional para Evitar Abalroamentos no Mar (COLREG).

104 CNUDM. art. 22, n° 1.

nesta zona, o Estado costeiro tem o dever de responsabilizar a embarcação

pelos possíveis danos ambientais, econômicos ou sociais causados106.

Nos estreitos internacionais também impera o princípio da liberdade de navegação, porém regulamentada através do instituto da passagem em trânsito107. Trata-se na realidade de uma passagem inocente com poderes

alargados108. Por se tratar de zonas marítimas de enorme importância

estratégia, a prática internacional se consolidou com a regra da livre navegação pelos estreitos, pois seu controle e fechamento causam enormes perdas comerciais. Assim, o direito consuetudinário sempre entendeu que a

navegação através destes estreitos deveria ser livre109. Todavia, se um navio

estrangeiro cause ou ameace causar danos ao meio marinho nos estreitos, os Estados ribeirinhos podem tomar todas as medidas necessárias para coibir tal ato e proteger o ambiente, mesmo interferindo na liberdade de navegação110111.

Nas águas arquipelágicas, a liberdade de navegação opera de forma bastante similar ao mar territorial, com a imposição da passagem inocente

106 Sobre a questão ver Capítulo XII desta tese.

107 A CNUDM regula na Parte III, artigos 34° ao 45° os “Estreitos Utilizados para a Navegação Internacional”. Sobre o assunto, resumem MUKHERJEE Proshanto K.; BROWNRIGG Mark.

Farthing on… Op. Cit. P. 10: “It is a wider right than innocent passage and provides freedom of

navigation for the continuous transit of the Straits”.

108 Resumindo as diferenças entre os dois institutos: ZANELLA, Tiago Vinicius. Curso de... Op. Cit. P. 167: “Vale destacar as diferenças entre estas duas: a passagem em trânsito aplica-se a navios e aeronaves, enquanto a inocente somente a navios; na passagem em trânsito, o Estado costeiro não poderá abordar e parar o navio, já na passagem inocente isto é possível em casos em que a embarcação esteja contrariando as leis internas do Estado; a passagem inocente sujeita-se às normas de segurança do Estado costeiro, a passagem em trânsito não”.

109 Pode-se citar o caso do Estreito de Corfu, em que o Corte Internacional de Justiça, em 1949, deu parecer favorável ao exercício do direito de passagem por navios pelo estreito de Corfu, incluindo navios de guerra, independente de autorização do Estado costeiro. Neste sentido, o Tribunal reconheceu o direito consuetudinário, no qual a passagem pelos estreitos internacionais é isenta de autorização prévia do Estado costeiro. ICJ Reports. Corfu Channel (United Kingdom of Great Britain and Northern Ireland v. Albania) 1949.

110 CNUDM. Art. 233. Sobre a questão, afirma ROTHWELL, Donald R. Navigational Rights and

Freedoms in the Asia Pacific Following Entry Into Force of the Law of the Sea Convention. Virginia

Journal of International Law, Vol. 35, P. 587-631; 1995. P. 603: “The insertion of article 233 into UNCLOS, recognizing the rights of strait states to take certain action to intervene when vessels engaged in transit passage are causing or threatening major damage to the marine environment, represents a further worry”.

111 Para um maior aprofundamento sobre o regime jurídico dos Estreitos Internacionais ver MARTÍN,

Ana G. López. International Straits: Concept, Classification and Rules of Passage. Springer, Madri; 2010.; JIA, Bing Bing. The regime of straits in international law. Claredon Press Oxford; Inglaterra; 1998; YTURRIAGA, José Antonio. Straits used for international navigation: a Spanish perspective. Martinus Nijhoff publishers. Holanda; 1991; GEORGE, Mary. Transit Passage and Pollution Control

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