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CAPÍTULO 4: TRILHA METODOLÓGICA

4.4 O CONTEXTO QUE ENVOLVE A ESCOLA

A produção de conhecimento, em pesquisa qualitativa, considera a relação intrínseca entre o sujeito, sua subjetividade e o mundo real e objetivo em que ele faz/é parte. Por sua vez, os fenômenos educacionais não podem ser analisados desconsiderando as relações interpessoais, como também as existentes entre sujeitos/contexto, reconhecendo-as como elos que se retroalimentam e que são próprios do fazer docente. Assim, qualquer descrição qualitativa em pesquisa educacional deve dar atenção especial ao contexto em que a mesma se desenvolve, conforme explicita Lüdke e André (2008, p. 5):

cada vez mais entende o fenômeno educacional como situado dentro de um contexto social, por sua vez inserido em uma realidade histórica, que sofre toda uma série de determinações. Um dos desafios atualmente lançados à pesquisa educacional é exatamente o de tentar captar essa realidade dinâmica e complexa do seu objeto de estudo, em sua realização histórica.

Portanto, em sintonia com a citação anterior, a análise aqui construída considerou essas relações, buscando situar os dados, informações, observações, escuta aos diferentes contextos sociais em que tanto a escola quanto os professores, sujeitos interlocutores, estão imersos.

A escola Caminhos do Saber é pública, funciona por meio de um contrato de comodato, há 60 anos, em uma grande e conhecida comunidade religiosa, localizada no bairro Pau da Lima, em Salvador. Recebeu em 2017 um contingente de 1170 estudantes, e desse número, apenas três estudantes com deficiência: um cego – que já era estudante da escola – e duas surdas.

Justamente devido ao reduzido número de estudantes com deficiência, desde o primeiro contato em 2015, e ao reconhecimento da gestão quanto à insegurança de lidar com a inclusão, esta escola agregou condições essenciais e necessárias

para se estabelecer como campo empírico e fonte de referência para o estudo de caso que desenvolvemos.

Com vistas a melhor contextualizar nossas análises sobre o cotidiano escolar foi necessário conhecer um pouco mais sobre a história e formação do bairro Pau da Lima, na periferia de Salvador, como também da comunidade religiosa que sedia a unidade escolar Caminhos do Saber, nosso campo empírico. Logo, as descrições e análises aqui propostas consideraram as relações estabelecidas entre a escola, tanto com a comunidade quanto com o bairro.

4.4.1 Bairro Pau da Lima: do rural ao urbano

O bairro histórico de Salvador, Pau da Lima, tem origem rural, datando do início de 1950. Estudo realizado por Rios (2006), demonstra que sua consolidação se deve ao fenômeno de expansão das áreas urbanas em direção à periferia, ocorrido no final do século XX. Nesta direção, a organização e ocupação do espaço se deram de modo mal planejado e irregular, gerando problemas de infraestrutura urbana ligadas a transporte coletivo, segurança, moradia, saneamento que se estendem até o momento atual. No entanto, dos anos cinquenta para cá muita coisa mudou no bairro, desde a configuração do território até o desenvolvimento populacional, sendo atualmente, o TERCEIRO bairro mais populoso de Salvador. Vias foram asfaltadas, demarcando melhor o território geograficamente localizado no que se chama miolo da cidade, próximo a dois corredores de grande fluxo: a BR-324 e a Avenida Paralela. (RIOS, 2006) A sua localização confere centralidade, funcionando como uma espécie de corredor de ligação para alguns bairros adjacentes e demais pontos da cidade. Isto favoreceu a implantação do comércio local e hoje se caracteriza como um bairro bi-funcional, onde residências se misturam aos inúmeros serviços e comércios locais, com destaque para pequenos mercados, farmácias, lojas de roupas, quitandas, camelôs que se espalham ao longo das vias (RIOS, 2006), concorrendo com carros, ônibus e com os inúmeros transeuntes que circulam cotidianamente.

4.4.2 A Comunidade Religiosa37

O espaço que hoje comporta a escola Caminhos do Saber começou a ser construído em um terreno de 78 mil metros quadrados, no ano de 1956, quando líderes religiosos se mudaram para o bairro que estava nascendo, dando continuidade ao atendimento social de 58 órfãos que mantinham na antiga residência. Inicialmente, os relatos descrevem as condições precárias com escassez até mesmo de alimentação. Era preciso dar forma e criar meios para residir onde naquele momento só existia mata, confirmando a origem rural do bairro Pau da Lima, quando no princípio era constituído por grandes fazendas38. Então, as ruas foram abertas pelo trabalho pessoal dos líderes e voluntários que capinaram, limparam, plantaram hortas. Com o passar dos anos casas foram erguidas, nas quais residiam, em média, 110 crianças, de ambos os sexos sob a responsabilidade

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Todas as informações trazidas nesse tópico foram coletadas no site oficial da comunidade.

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da ―tia‖ ou ―tio‖ – voluntários que também residiam na comunidade e cuidavam dos grupos de crianças. Nasceu, assim, o que viria a ser conhecido como os lares- famílias, principal característica da organização e atuação dessa comunidade especificamente. Os lares-famílias buscam reconstruir o ambiente familiar, seguindo as orientações cristãs e espíritas.

Concomitantemente, foram criadas escolas de primeiro grau, ambulatório médico e atendimentos diversos às famílias carentes. Hoje, a comunidade

[...] é um admirável complexo educacional e assistencial, contando com 50 edificações, fora as construções em andamento, distribuídas em ruas, bosques e lago, onde são atendidas três mil crianças e jovens de famílias de baixa renda.

São desenvolvidas diversas atividades socioeducacionais, como: Enxovais, Pré-Natal, Creche, escolas de ensino Pré-Escolar, Básico e Fundamental, Informática, Cerâmica, Panificação, Bordado, Tapeçaria, Reciclagem de Papel, Centro Médico, Laboratório de Análises Clínicas, Atendimento Fraterno, Caravana Auta de Souza, Casa da Cordialidade e Bibliotecas.

Para movimentar toda essa engrenagem, a diretoria conta com mais de 200 funcionários, além de 400 colaboradores voluntários permanentes.

Assim, no decorrer desses 61 anos e a partir dos inúmeros serviços educacionais, de saúde e assistencial, descritos anteriormente, esta comunidade se estabeleceu como referência no bairro, crescendo junto com ele. Do mesmo modo que as orientações cristãs e espíritas guiam os lares-famílias, também influenciam todas as instituições estabelecidas na comunidade, conforme será demonstrado ao longo da descrição da escola.

No próximo capítulo, fazemos a descrição analítica do diário de campo. O mesmo foi intitulado de Caminhos do Saber, em homenagem à escola pesquisada, mas também porque ao mergulharmos na escola e desenvolvermos o campo empírico, traçamos um caminho que nos levou a conhecimentos importantes a respeito do cotidiano escolar no segmento pesquisado, dando-nos elementos para refletir, discutir, silenciar, criticar, entender, propor, enfim, viver a pesquisa e a construção de saberes a partir dela.