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4. O ÁLCOOL E A LEGISLAÇÃO

4.3 O contexto que influenciou a criação da Lei

A promulgação da Lei Seca não foi um acontecimento isolado, ela pode ser considerada como uma das várias medidas tomadas pelo governo brasileiro em relação ao consumo de álcool. No ano de 2007 tivemos alguns fatos significativos que podem ter impulsionado a legislação sobre beber e dirigir.

Em 2007, a Organização Mundial de Saúde – OMS – começou a elaborar o Relatório Global de Segurança nas Estradas e assim a questão dos acidentes nas estradas trânsito voltou fortemente a ser discutida. O estudo foi divulgado apenas em 2009, mas mobilizou o governo Brasileiro para obter dados sobre segurança no trânsito. O elemento que chamou atenção foi o número de mortes registradas em 2006 – ao todo foram contabilizados 35.155 acidentes fatais, sendo que dentre os envolvidos os homens somam 82% e as mulheres 18%. 99A divulgação desses números serviu de alerta para todo o país, e naturalmente passou-se a demandar mais ações do governo brasileiro com relação à segurança no trânsito.

98 JERMANN, Marcelo da Nova Moreira. Do Bar ao Xadrez: A Criminalização do Ato de Beber e Dirigir e o

Controle Institucional do Comportamento Social dos Indivíduos na Condução de Veículos. Tese de

Mestrado em Antropologia. Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Programa de Pós Graduação em Antropologia, 2010.

99 Os dados são do Ministério das Cidades e DENATRAN –Departamento Nacional de Trânsito. Disponível no

Relatório Global de Segurança nas Estradas de 2009, em:

O relatório da OMS foi elaborado a partir de dados sobre o impacto para a saúde de acidentes de carros em 178 países, e alertou que países em desenvolvimento, como o Brasil, possuem altas taxas de mortalidade nas estradas. A pesquisa se preocupou com questões como limites de velocidade, utilização do cinto de segurança, leis sobre capacetes para motociclistas e legislação sobre beber e dirigir. Sobre este último, julgou os limites estabelecidos do nível alcoólico permitido e também a aplicação da Lei no país – o Brasil recebeu nota seis neste último quesito. O estudo não anunciou o número de mortes em acidentes que envolviam a ingestão de álcool, provavelmente porque estes dados não estavam organizados e/ou disponíveis em nosso país quando da elaboração do relatório.

Em Maio de 2007 foi aprovado o Decreto nº 6.117, que criou a Política Nacional sobre o Álcool. A intenção do governo ao criar essa política foi concatenar medidas a serem adotadas para reduzir o uso do álcool e prevenir danos à saúde. Dentre as diretrizes, o tópico 15° estabelece: “fortalecer sistematicamente a fiscalização das medidas previstas em lei que visam coibir a associação entre o consumo de álcool e o ato de dirigir”. 100 Portanto, antes

mesmo da Lei Seca o governo já se preocupava em eliminar essa conduta como forma de reduzir os danos sociais, relacionando-a aos acidentes nas estradas.

Ainda em 2007 foi divulgado um estudo sobre o consumo de álcool no Brasil, desenvolvido desde 2003 pela Secretaria Nacional Antidrogas do Gabinete de Segurança da Presidência da República: o “I Levantamento Nacional sobre os Padrões de Consumo de Álcool na População Brasileira”. A pesquisa foi elaborada pelo governo com o intuito de desenhar políticas públicas para lidar com o consumo de álcool e teve grande impacto para a concepção da Lei Seca. Participaram deste estudo o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, responsável pela Política Nacional sobre Drogas, juntamente com a Secretaria Nacional Antidrogas e a Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. De acordo com os dados divulgados pelo estudo 52% dos brasileiros acima de 18 anos bebem, sendo que 60% dos homens e 33% das mulheres consumiram cinco doses ou mais no último ano (2006). Com relação à frequência do consumo, 28% dos homens consomem bebida alcoólica de uma a quatro vezes por semana e 11% dos homens adultos bebem todos os dias. A partir desse estudo direcionado para o padrão de consumo alcoólico brasileiro, podemos inferir culturalmente que os homens bebem mais do que as mulheres; no entanto o consumo de bebida representa mais de 50% da população pesquisada e isso revela uma grande aceitação

100O Decreto está disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6117.htm

social do álcool. A pesquisa também divulgou a preferência do consumo e quantidade de bebida, e a cerveja destacou-se com 61% contra 12% de bebidas destiladas, como a cachaça101.

O estudo que traçou o perfil do consumo de álcool também se preocupou com a frequência do fenômeno de beber e dirigir na população adulta, lembrando que a pesquisa foi divulgada em 2007, ano anterior à elaboração da Lei Seca. Foram entrevistados no total 268 homens e 150 mulheres que haviam consumido bebida alcoólica no último ano. Metade dos homens e 87% das mulheres disseram que nunca dirigiram sob o efeito do álcool; aproximadamente um quarto do universo masculino relata ter dirigido após ter ingerido bebida em pelo menos uma vez, e 11% deles admitiram que mais da metade das vezes que beberam acabaram dirigindo. Outro dado interessante é sobre o apoio às penalidades para aqueles que são pegos dirigindo depois de beberem três doses ou mais: 93% acreditam que o motorista deve pagar multa, 81% acreditam que ele deva ter a carteira de habilitação suspensa, e 63% apoiam a condenação à prisão.

Não ocasionalmente essa pesquisa realizada pelo governo buscou compreender o perfil do consumo de álcool e a frequência com que este ato estava relacionado à direção, e, além disso, como os entrevistados acreditavam que beber e dirigir deveria ser penalizado. Dessa forma, o então presidente Luís Inácio Lula da Silva, em seu segundo mandato, decidiu emitir a Medida Provisória n° 415 em Janeiro de 2008. Devido à proximidade do Carnaval, e com isso a previsão de mais acidentes de trânsito, a medida pretendia reduzir a oferta de bebidas próxima às estradas. Imediatamente foi apelidada de Lei Seca, em referência a Lei Seca ocorrida nos Estados Unidos, que vigorou de 1920 a 1933 e proibia qualquer comercialização de bebidas alcoólicas.

Em 2011, a ONU, por meio da Resolução A/64/L44, lançou o Plano de Ação da Década de Segurança no Trânsito (de 2011 a 2020), colocando em pauta a necessidade de redução dos acidentes de trânsito no mundo e estabelecendo a meta de reduzir o número de mortes no trânsito em dez anos. O Brasil aderiu ao Plano e os Ministérios da Saúde e das Cidades lançaram uma campanha permanente para o acompanhamento dos acidentes: o Pacto Nacional pela Redução de Acidentes de Trânsito, conhecido como Pacto pela Vida, que pretende reduzir em 50% o número de vítimas fatais no trânsito.

101 Os dados estão disponíveis no Relatório:

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