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O controle de constitucionalidade na Constituição de 1937 – Estado Novo

CAPÍTULO 1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONTROLE DE

1.2 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NAS CONSTITUIÇÕES DA

1.3.4 O controle de constitucionalidade na Constituição de 1937 – Estado Novo

Essa Carta, de 10 de novembro de 1937, outorgada por Getúlio Vargas, teve um caráter ditatorial. Ficou conhecida como Constituição Polaca, já que tomou por base a Constituição Polonesa de características fascistas, fato que trouxe repercussão sobre a questão do controle de constitucionalidade, resultando em um retrocesso desse sistema.

A Constituição de 1937 deixou de lado a competência do Senado para suspender atos declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário, manteve a cláusula de reserva de plenário (artigo 96), e proibiu o Poder Judiciário conhecer de questões exclusivamente políticas (artigo 94), repetindo preceito contido na Carta de 1934.

Mas a grande característica inserida na nova Constituição, que causou polêmicas no universo jurídico brasileiro, foi outra. Mendes (2009, p. 1088) ensina que:

20 Pontes Miranda, Comentários à Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, Ed.

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embora não tenha introduzido qualquer modificação no modelo difuso de controle (art. 101, III, b e c), preservando, inclusive, a exigência de quórum especial para a declaração de inconstitucionalidade (art. 96), o constituinte rompeu com a tradição jurídica brasileira, consagrando, no art. 96, parágrafo único, princípio segundo o qual, no caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de ata monta, poderia o Chefe do Executivo submetê-la novamente ao Parlamento. Confirmada a validade da lei por 2/3 de votos em cada uma das Câmaras, tornava-se insubsistente a decisão do Tribunal. (MENDES, 2009, p. 1088)

Sendo assim, na Constituição de 1937, em seu art. 96, parágrafo Único, mesmo se uma decisão judicial fosse proferida com uma declaração de inconstitucionalidade de uma norma, o Presidente da República poderia considerar tal norma relevante para os interesses da soberania nacional. Caso o fizesse, provocava o Congresso Nacional, que, por sua vez e pelo quórum de 2/3 em cada uma das casas, poderia tornar sem efeito a decisão judicial, mantendo a norma no ordenamento jurídico.

Art. 96 - Só por maioria absoluta de votos da totalidade dos seus Juízes poderão os Tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou de ato do Presidente da República. Parágrafo único - No caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta, poderá o Presidente da República submetê-la novamente ao exame do Parlamento: se este a confirmar por dois terços de votos em cada uma das Câmaras, ficará sem efeito a decisão do Tribunal.

Isso quer dizer, que a palavra final sobre a constitucionalidade das leis ou atos normativos que estavam sob julgamento, em verdade, era do Parlamento, sendo que este último podia sobrepor sua decisão à do Judiciário. Isto é, a Constituição de 1937 acabou por inferiorizar as decisões da mais alta Corte brasileira ao possibilitar o reexame da declaração de inconstitucionalidade pelo Parlamento, quando o Presidente da República entendesse ser necessário para a manutenção do bem-estar social ou em caso de relevante interesse nacional21 (BONAVIDES, 2008, p. 328-329).

Tratava-se, portanto, de um mecanismo de controle do Congresso sobre o Judiciário como um todo.

Entretanto, o maior problema em relação a este mecanismo é que, pelo fato do quórum previsto para aprovação de Emendas Constitucionais ser de 2/3, a retirada dos efeitos da decisão

21 A título de exemplo, Bulos (2011, p. 197-198) destaca que “Em 1939, o Presidente Getúlio Vargas editou

o Decreto-Lei n. 1.564, 'validando' textos de lei declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal. Pôs em xeque o caráter incontestável das sentenças judiciais, ma nchando o histórico do controle de constitucionalidade em nosso país”.

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judicial pelo Congresso provocaria uma constitucionalização das leis.

Sendo assim, seria como se o Congresso Nacional ao invés de fazer uma emenda constitucional para aprovar determinada matéria, pudesse simplesmente dar aquela lei status de constitucional, apesar da decisão judicial que a considerou inconstitucional, pois como bem observa Celso Ribeiro Bastos, a lei confirmada passa a ter a força de uma emenda à Constituição.

O que se vê no momento atual é que, declarada uma norma como inconstitucional pelo Supremo, o Congresso Nacional pode fazer uma emenda à Constituição para alterar no próprio texto constitucional o que fazia da Lei inconstitucional. Porém, a alteração eventualmente promovida pelo Congresso permitir que a matéria seja constitucional a partir da aprovação da emenda, mas não para o passado.

A situação atual é normal, e faz parte natural do jogo democrático, desde que a emenda não viole cláusula pétrea ou limites ao poder reformador.

São situações diferentes a prevista na Constituição de 1937 e a da Constituição de 1988, mas similares quanto ao fato de que o Congresso Nacional poderia, quanto ao conteúdo considerado inconstitucional, superar o entendimento do Supremo.

Em verdade, a grande polêmica da Constituição de 1937 sobre o controle constitucional residia na previsão segundo a qual na eventualidade do Congresso Nacional estar em recesso ou paralisado (por qualquer motivo não estivesse reunido), as atribuições dele passariam para o Presidente da República. E foi o que de fato aconteceu no período do Estado Novo.

Nessa hipótese, o Presidente atua via Decreto-Lei – de competência e atuação inteiramente do próprio Presidente. Significa dizer, então, que o Chefe do Executivo Federal, sozinho, poderia tornar uma decisão judicial sem efeito.

Não há um simples controle do Legislativo sobre o Judiciário, o que já seria criticável, mas um controle do Executivo sobre o Judiciário – que acabou sendo a realidade prática.

De fato, por esse motivo a Constituição outorgada em 1937 foi (e ainda é) alvo de severas críticas da doutrina. Nesse sentido, Bulos (2011, p. 197) afirma que “A estagnação e o retrocesso foram as marcas características do controle de constitucionalidade da Carta de 1937”, Bonavides (2008, p. 328) aduz que “Com a Carta de 1937 houve um eclipse na evolução do nosso sistema de controle de constitucionalidade”, Dallari (2010, p. 337) diz que foi editada “[...] uma Carta Constitucional simulando uma nova Constituição” e Mendes (2009, p. 1088) sustenta que “A Carta de 1937 traduz um inequívoco retrocesso no sistema de controle de constitucionalidade.”

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Destaque-se, porém, que essas modificações não foram alvos somente de críticas. Mendes (2009, p. 1089) relembra que doutrinadores como Cândido Motta Filho, Francisco Campos, Alfredo Buzaid e Genésio de Almeida Moura celebraram a mudança, alegando que trouxe maior equilíbrio entre os Poderes da República.

Por fim, importante dizer que “Este preceito, que em última análise indicava o Presidente da República como único controlador da constitucionalidade, foi revogado pela Lei Constitucional nº 18, de 11.12.1945, logo após a queda do Estado Novo” (DANTAS, 2001, p. 92).