• Nenhum resultado encontrado

2. O Mosteiro de Nossa Senhora da Esperança: da fundação à atualidade

2.3. Os locais de intimidade com Deus

2.3.4. O coro baixo

Os coros e a igreja constituem um corpo único. Neste caso o situado ao nível da igreja, é um espaço de mediação espacial, designado, por vezes como sendo a igreja de dentro. O coro continua espacialmente a igreja dos fiéis, mas estão separados por robustos dispositivos, os quais tem por objetivo o afastamento e recato das religiosas em clausura. Esses dispositivos são elementos de mediação entre os dois mundos: as

50 espessas paredes, as grades, duplas em alguns casos, rodas e postigos199. Este espaço relaciona-se, usualmente, com o claustro, o mirante e os dormitórios. Aqui as religiosas reuniam-se para comungar dentro da celebração da missa, mas somente em algumas celebrações, pois não havia o hábito de comungar diariamente200. Por este motivo há uma abertura na grade, chamado comungatório, no qual o sacerdote, de pé, dava a comunhão às religiosas, que permaneciam de joelhos. A singularidade deste espaço tem a ver com o fato de ser o único que permite um contacto físico, ainda que limitado, mas que se justificava pelo valor sacramental da Eucaristia.

O Mosteiro da Esperança, provavelmente, não possuía sala do capítulo. Por este motivo a comunidade ao reunir-se em capítulo ou para a eleição da abadessa201, provavelmente utilizava este espaço, por ser amplo e permitir a presença do clero na igreja, preservando a clausura.

As religiosas eram sepultadas dentro do Mosteiro, normalmente no claustro, coro baixo e na igreja. Os mosteiros e conventos eram entendidos como solo sagrado; o estado religioso era preferido a qualquer outro na sociedade em matéria de salvação, cuja envolvência do corpo defunto poderia obter privilégios salvíficos, quer para a comunidade monástica, mas também para os seculares202. Sob o atual soalho estão diversas campas, das quais temos algumas notícias de enterramentos, como o da madre Joana Xavier, em 1829203. Alguns dos sepultamentos ocorreram já com as leis liberais que proibiam os sepultamentos nas igrejas e mosteiros204.

Os mosteiros podiam também funcionar como bíblia ilustrada. Este conceito é aplicado ao Mosteiro da Esperança, estando o coro baixo revestido com um alto silhar de azulejos, com 12 cartelas figurativas atribuídos a António de Oliveira Bernardes205. O silhar de azulejos de dois painéis compreendendo 108 azulejos de comprimento por 20 em altura na encomenda original, um na parede sul e outro na parede norte206. Na

199 Cf. Nunes, 2008: 197 e ss.

200 Constituições Geraes, 1693: 86.

201 Sobre a eleição de 11 de setembro de 1737, que ocorreu junto das grades do coro baixo (cf. Moreira,

2000: 282).

202 Silva, R., 2011: 606.

203 Ataíde, 201, I: 198.

204 AMNSE, Oficio do Secretario do Governo Civil à Abadessa do Mosteiro de N. Sr.ª da Esperança no

qual autoriza o sepultamento da madre Maria Isabel do Santo Cristo (1842).

205 António de Oliveira Bernardes foi um pintor e azulejista português. Integra-se no chamado ciclo dos

mestres da produção azulejar portuguesa. Nascido no Alentejo, cidade de Beja, em 1662 e morreu em Lisboa em 1732. Para uma compreensão global e actualizada sobre a investigação da vida e obra de António de Oliveira Bernardes (cf. Carvalho, 2012: 196-272).

206 Até ao presente, quando se observava os painéis ficava-se com a impressão de a cercadura inferior ter

51 opinião de Santos Simões são estes painéis que notabilizam o Mosteiro e a azulejaria micaelense207. São 12 cartelas da vida de Maria e de Jesus, cada uma contendo 14 azulejos de altura e 12 de largura, separados entre si por cercaduras de 3 azulejos. Estas barras têm uma decoração em acantos enrolados e anjos ao estilo barroco. Aquando da encomenda foram pedidas 14 cartelas, todavia, somente foram aplicadas 12, porque a autonomização das barras com as cartelas, na fase de concepção associadas a um espaço que possuía vãos de portas, originou a descontextualização e desarticulação das barras com as cartelas figuradas, na fase de colocação208. Para a parede norte foram projetadas 7 cartelas, das quais A fuga para o Egipto e Jesus entre os Doutores do Templo não foram aplicadas por falta de espaço, embora existam azulejos que comprovam a sua existência209. No presente temos as seguintes representações na parede norte: 1. a Anunciação; 2. a Visitação; 3. a Adoração dos Pastores, a qual o anjo segura a filactera com a inscrição Gloria in excelsis deo ed in …; 4. a Adoração dos Magos, que foi destruída para no seu lugar se colocar o ossário de Madre Francisca do Livramento; 5. a Apresentação de Jesus no Templo. Na parede sul estão: 6. Jesus orando no horto; 7. a Traição de Judas; 8. a Flagelação de Jesus; 9. o Escárnio, possuindo na zona inferior a inscrição An.to de Oliv.ra Bd.es fecit; o 9. Ecce Homo; 10. a

Queda de Cristo. 11. a Verónica e 12. o Calvário. A narrativa deverá iniciar-se junto à capela do Senhor Santo Cristo, do lado da Epístola com a Anunciação. Podemos dizer que é uma leitura circular da narrativa iconográfica. A encomenda destes painéis deve- se ao incremento da devoção ao Senhor Santo Cristo, que à época estava colocado numa capela, de menor dimensão, na parede poente, onde hoje está a entrada da Capela do Senhor Santo Cristo.

No que concerne à datação, muito embora não se conheça o ano da sua execução, a existência no Museu Carlos Machado de um azulejo com a data de 1712, que foi integrado por Luís Ataíde num painel de seis azulejos representando uma cena pastoril, com parte da assinatura do pintor. Este conjunto de azulejos é proveniente do

restauro que está decorrer verificou, através das argamassas, que não é possível atestar que se os azulejos foram ou não aplicados (cf. Ferreira, Carta da empresa Nova Conservação, Lda., 20-01-2018).

207 Simões, 1963: 104.

208 No dia 20 de abril de 2018 foi concluída a intervenção de conservação e restauro dos azulejos do coro

baixo pela empresa Nova Conservação, Lda., intervenção custeada na totalidade pela Câmara Municipal de Ponta Delgada (cf. Ferreira, Carta da empresa Nova Conservação, Lda. 20-01-2018. Veja-se a notícia do comunicado da Câmara Municipal de Ponta Delgada. cf. Correio dos Açores, 24-11-2017: 13).

52 dormitório do Mosteiro, destruído em 1915210. Contudo, Hugo Moreira informa que que em 1729 já estavam aplicados, pois assim o indica uma referência coeva da campa da Madre Joana Xavier, situada perante uma imagem do Ecce Homo “formada de azulejo”, como refere Luís Ataíde211, mas a nossa consulta ao termo de óbito verificou que esta menção aos azulejos não ocorre. A encomenda deste conjunto azulejar, provavelmente, foi efetuada pelos condes da Ribeira Grande, como defende Luís Bernardo Ataíde212, os quais foram escolhidos para serem intendentes e tesoureiros da obra213.

Documentos relacionados