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CAPÍTULO 4 – A EXPULSÃO DO PARAÍSO

4.5. O Corpo-a-Corpo

Quando as tropas se esforçaram para descer à ponta da pedra com o objetivo de mobilizar o pequeno arraial, que se encontrava um pouco abaixo dali, certa resistência foi operada. Na verdade a escuridão da noite, assomada à falta de conhecimento do terreno, serviu para embaralhar as tropas. Os homens do arraial procuraram resistir fingindo-se entregar quanto os nossos iam tomar posse lhe davam uma descarga de metralha à queima-roupa.362

A luta em defesa de seus bens e de suas convicções por parte dos do Rodeador proporcionou aos soldados certo pânico e este receio se tornou visível no momento que em pleno combate suas munições de pólvora acabaram, obrigando-os a lutar com as baionetas em punho até que tudo voltou à normalidade, quando o alferes Sousa, do 1º Batalhão de Caçadores, reabasteceu as tropas. Neste interregno, conseguiram os soldados avançar sobre o arraial, passando a intimidar o povo ali reunido, que lutou como pôde, pois tinha a convicção de que Dom Sebastião seria seu guia. O coxo Antônio Luís, que tudo viu, declarou que seus irmãos de fé resistiram sem medo de nada.363

À medida que os soldados iam dominando o lugar, seus habitantes eram arrancados de suas casas e de outros esconderijos. Temendo-se uma contra-ofensiva alguns lugares suspeitos foram queimados e fuzilados. Em meio ao pânico, muitos camponeses, habituados à vida nos matos e conhecendo a topografia da região sitiada, evadiram-se, conseguindo guarita nas florestas e recantos inóspitos. Em uma dessas perseguições ao povo ali reunido, foi o alferes Antônio José de Sousa alvejado, causando revolta em seus companheiros de farda. Movidos pela cólera, promoveram os militares pertinaz perseguição a um suspeito, conseguindo a captura dele, o qual só escapou do linchamento porque era conveniente deixá-lo vivo para inquiri-lo posteriormente.364

A astúcia de Madureira Lobo em secionar as forças em dois corpos muito favoreceu o ataque. Entretanto, como todos os combates, este deu-se ainda na escuridão. 361 ANRJ. Devassa, p. 29v. 362 Idem, p. 10. 363 Idem, p. 48.

Tremenda confusão se estabeleceu. Combatendo sem a devida orientação, os soldados lutaram entre si, de sorte que só ao desprender das primeiras luzes solares desfez-se o engano, quando era grande o número de mortos e feridos no campo de ação. Mesmo elogiando as operações, o rei lamentou aquelas precipitações, dizendo que,

em vez de [o comandante] esperar pela luz da manhã cercar e intimidar aquela gente que se rendesse, principiou por atacá-los imediatamente na escuridão e confusão da noite, donde resultaram, principalmente entre os da mesma tropa.365

Segundo Pereira da Costa,366 Madureira Lobo ficou furioso com aquele contratempo. Então, alcoolizado, mandou incendiar as casas do arraial. Muita gente pereceu. Isto porque, como as casas eram de taipa com cobertura de palha, as chamas se desenvolveram com velocidade e devoraram tudo. As queimadas do Rodeador não foram apenas uma representação de um ato colérico, mas era hábito de guerra os vencedores apagar os vestígios culturais dos vencidos. Foram tão fortes essas cenas que, quando o General J. I. de Abreu e Lima escreveu artigo sobre o referido episódio, sublinhou que o quadro dos cadáveres carbonizados continuava vivo até então na lembrança de alguns bonitenses coevos dos fatos.367 Foi tamanho o conceito construído sobre o impetuoso Madureira Lobo que o povo pernambucano cantarolava pelas ruas quadras alusivas ao seu comportamento:

Gente que é de Madureira? Madureira está de pancão, Madureira não vem à revista Estamos livres desse ladrão.368

A imagem do arraial abrasado juntamente com alguns de seus habitantes inspirou o príncipe Dom Pedro, futuro Dom Pedro I, ao enfatizá-lo em um manifesto datado de 1º de agosto de 1822 dirigido aos brasileiros contra as atitudes hostilizadoras das cortes

364

Idem, p. 48.

365

APEJE. Ordem Régia de 12 de janeiro de 1821. OR, códice 41, 1820, fl. 87.

366

COSTA, Pereira da. Op. cit. p. 95, vol. 8.

367

LIMA, General J. I. de Abreu e. Op. cit. p. 254.

368

portuguesas que promoviam a recolonização do Brasil.369 Ao se dirigir aos habitantes de Pernambuco, conclamou o príncipe:

(…) Intrépidos pernambucanos, difusores da liberdade brasílica, voais em socorro dos nossos vizinhos irmãos; não é a causa do Brasil que se defende na primogênita de Cabral? Extingui esse viveiro de fardados lobos, que ainda sustentam os sanguinários do partido faccioso, recordai-vos, pernambucanos, das fogueiras do Bonito e das cenas do Recife. Poupai, porém, e amai como irmãos a todos portugueses pacíficos, que respeitem nossos direitos e desejam a nossa verdadeira felicidade. 370

Com a invasão das tropas, ficou o reduto sebastianista praticamente desguarnecido de suas lideranças, restando apenas algumas pessoas que foram feitas prisioneiras. Nesta fileira, põe-se em evidência grande número de feridos, mulheres e crianças, além de idosos impossibilitados de se locomoverem. Não satisfeito, ordenou Madureira Lobo que se passassem a fio de espada algumas daquelas pessoas, embora já havendo deposto as poucas armas que possuíam, rendidos, não ofereciam mais nenhuma resistência. Após o desmonte do arraial, os soldados arrastaram suas presas até o Povoado do Bonito ficando de posse de seus poucos pertences. O comerciante e proprietário Manoel José Ribeiro Castro, branco, 49 anos, casado, testemunhou a entrada daquela pobre gente em Bonito. Alguns exibiam laços de fita atado no braço, distintivos que marcavam, como registramos alhures, sua posição na irmandade.371 Em 30 de outubro, o governador dava ciência ao monarca do desbaratamento da comunidade sebastianista:

Está tudo concluído; espero aqui brevemente as tropas, presos e feridos. Um ministro irá tirar a devassa competente, o povo está admirado da maldade e do perigo que lhe estava sobranceiro; e gostoso de ver que nada mais tem que recear. Todas as providências para o bom tratamento dos feridos estão dadas. Nada nos falta.372