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2 O DISCURSO SOBRE AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA EM DOCUMENTOS

3.2 O CORPO DEFICIENTE INSCRITO NO DISCURSO MIDIÁTICO

Partimos do pressuposto que a mídia é uma das mais importantes produtoras de efeitos de sentido na contemporaneidade. Desempenha inúmeras funções, entre as quais a educativa, social, de entretenimento e informação, uma vez que é capaz de selecionar fatos, imagens e saberes para serem discutidos socialmente. No processo de constituição e formulação do discurso, a mídia institui a produção de sentidos atribuídos aos fatos,

promovendo gestos de interpretação, como se referem Dela Silva e Dias (2015, p. 126): “[...] dizendo como estes fatos devem ser interpretados, ou seja, que efeitos de sentidos estão autorizados a (re)produzir.”

Desta forma entendemos a mídia como estabelecendo o que há para ser dito em determinado momento sócio-histórico, ao mesmo tempo em que impede que outros sentidos, igualmente possíveis, sejam expostos. Propomo-nos discutir sobre o funcionamento do discurso midiático sobre o corpo deficiente, sua posição no processo de constituição desse corpo, como instituição que determina o que pode e o que não pode ser dito, em seus diferentes espaços, em cada instância de circulação.

Análise de Discurso compreende a mídia como lugar institucional de constituição, formulação e circulação de sentidos. Lugar este, em que as materialidades que versam sobre a pessoa com deficiência ganham ênfase e visibilidade, os dizeres sobre as pessoas com deficiência sofreram algumas modificações na atualidade, por permitir uma ordem do olhar para a temática da deficiência, possibilitando espaços para o exercício de mecanismos reguladores na sociedade, produzindo uma rede tecida pelos discursos que constituem a prática política e o tipo de sociedade. Assim, os discursos sustentados, descartados ou silenciados pela mídia, vão constituir os arquivos, portanto, devem estar de acordo com o conjunto de verdades pertencentes ao contexto social e cultural. Segundo Foucault,

Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua “política geral” de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros, os mecanismos e instâncias que permite distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros, as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro. (FOUCAULT, 1979, p. 12).

No processo de constituição e formulação do discurso, a mídia constitui memória e ao mesmo tempo, produz silenciamentos. Para Orlandi (2002, p.75) o silenciamento se apresenta como uma forma política do silêncio, “com efeito, a política do silêncio se define pelo fato de que ao dizer algo apagamos necessariamente outros sentidos possíveis, mais indesejáveis, em uma situação discursiva dada.” Ao mesmo tempo naturaliza e estabiliza sentidos, estabelece o que há para ser dito, o que ganhará visibilidade em um momento histórico, na medida em que impede que sejam mostrados outros sentidos, igualmente possíveis. Contudo, alguns dizeres não chegam a se inscrever, não tomando parte das discursividades que estão em circulação na mídia, e outros que, pela repetição, acabam naturalizando-se, dando o efeito de legitimidade.

Alguns fatos são elevados à condição de acontecimentos, ou práticas, promovendo gestos de interpretação e determinando como esses fatos deviam ser interpretados, ou seja, que efeitos de sentidos estavam autorizados a produzir. Como exemplo poderíamos referenciar o evento brasileiro dos Jogos Paralímpicos de 2016, por simbolizar grande conquista do direito das pessoas com deficiência ao esporte, na medida em que corpos deficientes ganharam protagonismo e visibilidade social, embora de maneira pouco expressiva. Problematizando estas questões, testemunhamos um evento quase totalmente planejado, organizado, executado e (não) divulgado por pessoas sem deficiência. Assim, atletas dotados de corpos perfeitos e, incessantemente comparados a heróis ou até a super- heróis, teriam que ceder espaço a outros tipos de corpos, os corpos imperfeitos produtos da deficiência que, no esporte, passariam a simbolizar não mais o prejuízo e a ineficiência, mas, sim, a superação.

A visibilidade alcança uma amplitude e é concomitante ao desenvolvimento das mídias e das tecnologias, é preciso ser visível para existir na sociedade atual. Esta exigência leva à outra, à de legitimidade, de reconhecimento. E nesta lógica, o visível tende a rejeitar o invisível, o desqualificado, tido como inútil. Esta reflexão nos permite pensar o corpo deficiente, um corpo tido com aparência/imagem anormal, que passou por um longo processo de rejeição, de abandono, tratado sob a égide do assistencialismo. Estamos diante de uma sociedade de imagens, onde o saber tudo se tornou o ver tudo, numa sociedade de exibição em que a realidade é igual ao imaginário, a qual coloca o mundo nas telas e toma a tela pelo mundo. A busca da visibilidade de si no espaço, um espaço cada vez mais vasto e acessível pelo virtual.

Estamos diante de uma nova ordem social, que diz respeito a uma condição para existir socialmente e visivelmente, pois o que não é visível não pode ser reconhecido. Neste aspecto, as pessoas com deficiência só existem como sujeitos sociais na medida em que conseguirem se tornar visíveis ao olhar e julgamento do outro. “Para existir aos olhos dos outros, para provar um sentimento de existência, é preciso agora ser visto por meio de imagens.” (HAROCHE, 2013, p. 86). Neste aspecto, os sujeitos com deficiência tendem a ser confrontados com uma multidão de olhares: vistos e percebidos por meio das tecnologias contemporâneas, das telas que produzem imagens dos corpos deficientes ou corpos faltantes, de forma que passam a se constituir no olhar do outro, sob um funcionamento de subjetivação que produz sentidos, em que o sujeito se vê, se significa.

Assim, adotamos uma midiatização permanente que leva a exigência de visibilidade, esta por sua vez, que aprecia e julga modos de relacionar, agir e pensar da

sociedade. Há uma injunção da visibilidade na sociedade contemporânea, no sentido de transformá-la em fenômenos sociais, constituindo condição para existir.