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2. Introdução

2.3. O cuidado da saúde mental na atenção básica: desafios e nós na

“Querer reduzir tudo aos seus limites leva à morte. Querer alargar-se às dimensões de todos é o caminho da vida...”.

Rose Marie Muraro

A rede de atenção básica da saúde, segundo Dalla Vecchia & Martins (2009), é fundamental para a consolidação da RP, para isso, é necessário que ela esteja articulada com outros serviços e equipamentos da comunidade.

Desde a Conferência de Alma-Ata (1978), a atenção básica vêm sendo considerada na Política Nacional da Saúde Mental vigente no Brasil. O MS (2009), reforça a importância desse nível de atenção à saúde como alternativa para substituir o modelo tradicional da assistência na SM (hospitalocêntrico, medicalizante, psicologizante, focado na doença), tendo como objetivo principal garantir ao paciente um olhar amplo sofre suas necessidades (individuais e sociais) e não atender somente a demanda dos usuários dos serviços de saúde.

A Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental, que ocorreu em 2005, produziu um documento intitulado “Reforma Psiquiátrica e Políticas

de Saúde Mental no Brasil: Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental: 15 anos depois de Caracas”. No capítulo que aborda a saúde mental na atenção

básica, o documento afirma:

“Existe um componente de sofrimento subjetivo associado a toda e qualquer doença (...). Poderíamos dizer que todo problema de saúde é também- e sempre- de saúde mental, e que toda a saúde mental é também e sempre- produção de saúde. Nesse sentido será sempre importante e necessária a articulação da saúde mental com a atenção básica. Contudo, nem sempre a atenção básica apresenta condições para dar conta dessa importante tarefa. Por essa razão, o Ministério da Saúde vem estimulando ativamente, nas políticas de expansão, formulação e avaliação da atenção básica, diretrizes que incluam a dimensão subjetiva dos usuários e os problemas mais freqüentes de saúde mental. Afinal, grande parte das pessoas com transtornos mentais leves ou severos está sendo efetivamente atendida pelas equipes de atenção básica nos grandes e pequenos municípios” (Brasil,

2005, p. 35).

De acordo com o MS, aproximadamente 9% da população apresentam transtornos mentais leves, e entre 6 a 8% algum tipo de transtorno mental decorrente do uso de álcool e outras drogas (BRASIL, 2003).

Os casos de doença mental considerados mais graves, geralmente são identificados com mais facilidade e são absorvidos pelos serviços especializados. No entanto, os casos considerados menos graves, que procuram os serviços de saúde, seja por queixas somáticas difusas, nervosismo, dificuldades afetivas e relacionais, capacidade maior ou menor de enfrentar os problemas cotidianos, falta de vontade de sair de casa ou outras necessidades que demandam também escuta e orientação, possuem dificuldades para serem acolhidos e tratados nos serviços de saúde (SILVEIRA & ONOCKO-CAMPOS, 2009; FONSECA, 2007).

“É do conhecimento geral que a maioria das doenças mentais graves vistas em estudos comunitários não são detectadas pelos serviços de saúde mental. Torna-se claro que existe um processo de triagem em funcionamento entre a comunidade e a proteção do hospital psiquiátrico, que é seletivamente permeável aos portadores de transtornos mentais graves” (GOLDERBEG &

HUXLEY, 1996, p.4).

Ressalta-se que, apesar dos encaminhamentos dos casos graves, muitos deles podem permanecer na comunidade, sem identificação e cuidados necessários.

saúde do SUS. Em 2003, a Pesquisa Nacional por Amostras a Domicílio (PNDA) identificou que 80% da população brasileira freqüentava algum serviço de saúde de forma regular, e as unidades básicas de saúde foram ressaltadas como o recuso mais utilizado por essa população (SILVEIRA & VIEIRA, 2009).

Esse nível de atenção acolhe vários tipos demandas, segundo Valla (2005), ele vem sendo cada vez mais procurado por uma população que demanda cuidados devido agravos à saúde de origem psicossocial.

Entretanto o relatório da OMS (2001) aponta que os profissionais de saúde desse nível de atenção possuem dificuldades para cuidar desse tipo de sofrimento, pois, “muitas vezes os profissionais de atenção primária vêem, mas nem sempre reconhecem

a angústia emocional” (OMS, 2001, p.90). Para Figueiredo e Onocko-Campos (2009),

além da dificuldade do reconhecimento do sofrimento psíquico, quando esse é identificado pelos profissionais da saúde, na maioria das vezes, esses não conseguem lidar com a angústia e subjetividade dos pacientes devido a sua formação profissional. A forma muitas vezes encontrada para solucionar o problema de saúde é por meio da realização de exames desnecessários, encaminhamentos para especialidades, ou medicalização da queixa (FIGUEIREDO & ONOCKO-CAMPOS, 2009; DALLA VECCHIA & MARTINS, 2009, FONSECA et. al., 2008).

O cuidado dos pacientes fica focado no corpo e em suas alterações, com pouca abertura para a realização de acolhimento, com isso, não há oferta de atenção integral da saúde. Apesar disso, os profissionais da área da saúde vêm sendo solicitados cada vez mais para cuidarem desse tipo de agravos, mas encontram dificuldades, devido a uma formação profissional que não os prepara para cuidar e acolher o sofrimento e estabelecer um olhar amplo sobre o processo de saúde e doença. Tratam as pessoas com remédios e com condutas que possam intervir diretamente nos sintomas ou lesão corporal, e esse é o cuidado que esses profissionais reconhecem como práticas de sua profissão. Em muitos casos, o tratamento poderia ser a escuta, apoio mútuo e solidariedade, mas o profissional médico encontra dificuldades para incorporar essas práticas em suas condutas (LACERDA & VALLA, 2005).

Outro fator que dificulta a prática do cuidado integral na rede básica de saúde é o fato dos profissionais reproduzirem práticas de serviços privados (consultas individuais, medicalização do sofrimento) neste contexto. Práticas essas que não são eficazes ou não atendem os pacientes de forma integral, pois suas necessidades

geralmente não são reconhecidas ou identificadas. O resultado disso é o aumento para o risco de psiquiatrização do sofrimento psíquico e a psicologização dos problemas sociais. (SILVEIRA, 2003; BEZERRA, 1987).

O desafio para se atingir o cuidado integral na saúde mental é superar a cultura medicocêntrica e de medicalização do sofrimento (DALLA VECCHIA & MARTINS, 2009). Para desatar esse nó o MS enfatiza que é necessário “investir nas

potencialidades dos sujeitos, auxiliar na formação dos laços sociais e apostar na força do território como alternativa para a reabilitação social, fortalecer ações intersetoriais e o trabalho multiprofissional” (BRASIL, 2009).

O apoio matricial tem sido indicado desde 2003 pelo MS como estratégia para capacitar os profissionais da rede básica para a lidarem com os problemas relacionados à SM (BRASIL, 2009).

Segundo alguns autores,

“o Apoio Matricial seria uma ferramenta para agenciar a indispensável instrumentalização das equipes na ampliação da clínica, subvertendo o modelo médico dominante, que traduz na fragmentação do trabalho e na produção excessiva de encaminhamentos, muitas vezes desnecessários, às diversas especialidades” (FIGUEIREDO & ONOCKO-CAMPOS, 2009, p.

130).

Além disso, a inserção do apoio matricial na atenção básica promove discussões clínicas conjuntas entre equipe de SM e de referência, o que permite o fortalecimento do vínculo e acolhimento, reorientar a demanda para a saúde mental, além de promover a co-responsabilização do sofrimento mental pelas equipes de referência através do atendimento compartilhado (FIGUEIREDO & ONOCKO- CAMPOS, 2009). Desta forma, as equipes podem ampliar o cuidado das pessoas com sofrimento psíquico, proporcionar maior resolutividade na atenção à saúde, e encaminhar apenas os casos que realmente necessitem de acompanhamento com especialista da SM. De acordo com a OMS (2001), 80% dos casos dos usuários encaminhados aos profissionais de saúde mental, não necessitam de atendimento especializado (FIGUEIREDO & ONOCKO-CAMPOS, 2009).

Outro desafio é ampliar o olhar sobre a existência do sofrimento, compreender a singularidade de cada caso e, criar novas formas de produção de saúde além das já consolidadas (medicação, consulta individual psiquiátrica e psicológica, grupos terapêuticos,) como: grupos de convivência, artesanato, caminhadas, oficinas terapêuticas, como recursos estratégicos para a atenção a saúde, além dos já existentes

na comunidade por meio dos quais se promovam medidas de autocuidado e melhora na qualidade de vida. (FIGUEIREDO & ONOCKO-CAMPOS, 2009; DALLA VECCHIA MARTINS, 2008).