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HISTÓRIA LITERÁRIA

MADRID, DA SOCIEDADE GEOGRAPHICA DE NEW-YORK, E D’OUTRAS ASSOCIAÇÕES

II. O Curso Elementar de Literatura Nacional (1862)

Por razões claras, Cônego Fernandes Pinheiro foi um intelectual do sistema de ensino brasileiro oitocentista. Sua tarefa como historiador, religioso e literato, liga-se aos fundamentos da educação oitocentista. A favor da “ilustração” de crianças e jovens que Cônego Fernandes Pinheiro conquista seu espaço nas estantes dos escritores de livros didáticos do século XIX. E por ironia do destino é o que também o encaminhará para o quase completo esquecimento nos séculos posteriores. Cultivador da moral cristã e vendo na família o alicerce da educação, enxerga a “superioridade do ensino” apenas no inevitável suporte da “disciplina” e “ilustração” da juventude:

Reconhecemos a superioridade do ensino simultâneo ao indivíduo o colégio. Poucos são os meninos, que aproveitam com o ensino dado em casa, onde falta de regularidade nas horas de explicação e de recreio, os estorvos das visitas, e também os incômodos de família, são poderosos obstáculos ao bom aproveitamento do mais favorecido talento. Opinamos em prol dos colégios bem dirigidos, onde a moral seja escrupulosamente guardada, e onde os pais não tenham de ver destruída, em poucos dias, a obra, em que despenderam anos.58

58 PINHEIRO, Joaquim Caetano Fernandes. Educação e ilustração: estudo moral. Revista Popular: Rio de

Janeiro: Garnier, ano I, t. I, jan./mar. 1859, p. 332. (cf. MELO, Carlos Augusto de. Op. cit., 2006, v. III, p. 434.)

De todos os centros de ensino que atuou como professor, o Colégio de Pedro II foi o mais produtivo em termos de reconhecimento intelecutal e produção bibliográfica. Dele, surgiram as suas principais obras que mereceram destaque no aparelho intelectual da época. Elas foram umas das primeiras a constituir o acervo bibliográfico nacional que tinha como objetivo formar o ensino e a intelectualidade brasileira dentro do ensino das humanidades. Podemos considerar que praticamente o ensino literário foi configurado pela perspectiva crítica dos estudos literários de Cônego Fernandes Pinheiro. De 1857 a 1876, ele representou a cadeira de literatura do Colégio de Pedro II, sustentando com firmeza a preferência pelo gosto de literatura clássica, respeitante à perspectiva retórico-poético da época. Cultivou esse médoto tradicional de educação humanística da literatura até as décadas de 1870. Foi com ele também que inauguramos oficialmente o estudo de história da literatura na esfera escolar brasileira.

Com 32 anos, em meados de 1857, Cônego Fernandes Pinheiro entra para o quadro de docentes do Colégio de Pedro II, assumindo a cadeira de literautra. Ele já era um religioso e intelectual reconhecido pelos seus pares, principalmente pelo cultivo do ensino religioso e da atividade jornalística. De imediato, ficou incumbido da disciplina de “Retórica e Poética” e, mais adiante, em 1860, da recém-inaugurada disciplina de “Literatura Nacional”. Essas disciplinas eram aplicadas aos alunos do sétimo ano do curso. Para cumprir o conteúdo das ementas das disciplinas - muitas das vezes sistematizadas pelos próprios professores da escola -, foi preciso ao Cônego ministrar suas aulas de literatura, adotando os poucos compêndios específicos sobre a matéria ou, pela escacez de material didático, produzindo suas próprias apostilas manuscritas. Como a disciplina de “Retórica e Poética” era veterana naquele Colégio, havia alguns poucos títulos que o Cônego Fernandes Pinheiro podia consultar e adotar como livro didático, por exemplo, as obras: Nova Rhetorica Brasileira, de Antônio Marciano da Silva Pontes, Nova Rhetorica, de Victor Le Clerc – tradução de Dr. Paula Menezes – e as Lições Elementares de Poética

Nacional, de Freire de Carvalho. Por outro lado, com relação à recém-inaugurada disciplina

de Literatura Nacional, a questão parecia ser diferente. O acervo de livros didáticos que contemplasse o conteúdo da disciplina era bastante escasso. A única alternativa era utilizar- se da prática comum aos professores do colégio. Eles escreviam e organizavam suas

próprias apostilas manuscritas com o conteúdo das lições específicas de cada aula. Pelo que consta, tanto para o ensino de retória e poética – mesmo tendo em seu apoio aqueles títulos citados - quanto ao de literatura nacional, Cônego Fernandes Pinheiro adotou a escrita de manuscritos; manuscritos os quais eram reunidos e geralmente publicados em livro, com os nomes de “postilas”, “compêndios”, “cursos”, etc. Em introdução às suas Postilas de

Retórica e Poética, o Cônego declarou que havendo “me demonstrado a experiência o

incoveniente das postilas manuscritas, resolvi imprimir as que, em desenvolvimento do Programa adotado, ditei aos alunos das classes que leciono no Imperial Colégio Pedro II”59 ou, como vimos, em prefácio ao Curso Elementar que reconhecendo “practicamente a falta d'um compendio adaptado á ultima parte do nosso curso. Para preencher esse vasio tomamos sobre os nossos debeis hombros uma empreza que a outros melhor caberia; e o resultado é o que ora apresentamos ao publico.”60

Parece que a razão para edição dessas obras envolve questões de ordem prática, ou seja, suprir a carência de manuais didáticos e resolver o incoveniente de trabalhar com textos manuscritos. Sabemos que envolve outra questão também, agora de ordem mais pessoal, que era a possibilidade do professor concorrer a mais algumas gratificações como pioneiro dentro do sistema intelecutal brasileiro. Em prefácio “Ao leitor” da primeira edição do curso, o Cônego revela-nos estar consciente desse pioneirismo:

Não temos a vaidade de crer que completo seja o nosso trabalho, sendo o proprio em reconhecer seus defeitos; originados uns da nossa insuficiencia, e outros da estreiteza do plano que abraçamos, tendo em altenção á multiplicidade de materias que estudam os alumnos do setimo anno do referido collegio, para os quaes principalmente o escrevemos. Consola-nos porém a persuaçao de sermos o primeiro em realisarmos um pensamento que, quando aperfeiçoado, será d'alguma vantagem para a juventude.61

59 PINHEIRO, Joaquim Caetano Fernandes. Advertência. In: Postilas de retórica e poética. 1ª. ed. Rio de

Janeiro: B. L. Garnier, 1872. (cf. MELO, Carlos Augusto de. Op. cit., 2006, v. II, p. 249)

60 PINHEIRO, Joaquim Caetano Fernandes. Op. cit., 1862, p. VII. 61

O Curso Elementar é, em resumo, exatamente a reunião dos textos manuscritos das aulas de “Literatura Nacional” que se tranformaram em capítulos para uma obra historiográfica para fins didáticos. Da data de início (1857) da carreira docente de Cônego Fernandes Pinheiro à data de publicação da obra (1862), consideramos que houve um período razoável de quase cinco anos – considerando que já em 1858 na disciplina “Rhetorica e Poética” aos alunos do sétimo ano do Colégio se ensinava a história da literatura portuguesa e brasileira - para que o Cônego exercesse a função como professor de história da literatura e pudesse elaborar as lições que seriam os capítulos de sua obra historiográfica. Esse exercício de historiografia literária parecia não ser novo ao clérigo que, desde muito cedo, embrenhava-se na prática historiográfica da literatura.

Cinco anos antes, publicou um longo ensaio inaugural sobre o que considerava a “poesia religiosa” ou a poesia que tomava “para assunto um objetivo exclusiamente religioso”, incluindo um estudo específico da produção brasileira. Servindo como prefácio à obra Job, de José Eloy Ottoni, vale-se nele nitidamente dos fundamentos historiográficos para traçar o surgimento e desenvolvimento desse gênero literário “em geral e em particular no Brasil”. No tocante à parte brasileira, acompanha as manifestações literárias regiliosas pela ordem cronológica dos séculos de colonização, do século XVI até o século XIX. Mesmo sendo as palavras do autor um “rápido esboço que fizemos das epopéias cristãs”, percebemos que o Cônego Fernandes Pinheiro preocupa-se com o detalhamento do processo de constituição da história da literatura brasileira, oferecendo uma idéia da perspectiva historiográfica que adotaria para esse tipo de estudo no Curso Elementar. Conserva-se, por exemplo, a idéia de que, no período colonial, a literatura do Brasil era apenas um reflexo da literatura portuguesa, copiando seus traços de estilo gongorista. Segundo ele, a poesia brasileira

que durante os dois primeiros séculos, que se seguiram a descoberta, não fora mais do que o vagido do infante ainda no berço, no 18º. já era a voz estridente do menino buliçoso e travesso. Mas os ferros coloniais roxeavam os pulsos do gigante dos trópicos; não contente a metrópole de retardar os seus progressos materiais, como que limitava o horizonte da sua inteligência. (...)

A literatura brasileira não era mais do que um pálido reflexo da portuguesa, apenas relampadejando aqui e acolá algumas exceções. Nos séculos 16º. e 17º. seguirá a escola de Gongora e Martini, que cuja influência lavrará no meio dia da Europa.62

A experiência mais reveladora de historicização encontra-se nas páginas do periódico do qual foi diretor, a Revista Popular. Há alguns artigos que se encaixam nitidamente à prática historiográfica que exercia nos estudos da disciplina de “Literatura Nacional”, do Colégio Pedro II, e demonstram a estrutura metodológica e temática decidida no corpo do Curso Elementar de 1862. Lembrando que o período de existência da revista está inserido no momento de estruturação da disciplina no Colégio e publicação da história literária, ou seja, de 1859 a 1862. Alguns artigos recebem referência explícita de que se tratava de fragmentos “de um livro inédito”. Esses mesmos artigos apresentam o conteúdo muito parecido ou até igual a alguns capítulos do Curso Elementar. O artigo, por exemplo, “Origem da língua portuguesa: fragmento de um livro inédito” tem título e conteúdo idênticos ao da “Lição I: Origem da Língua Portuguesa”. No artigo citado lemos

Pensamos com o Sr. A. Herculano que Portugal é uma nação nova, nascida no XII século num ângulo da Galiza, constituída sem atenção às divisões políticas anteriores, dilatando-se pelo território do Al-Gharb sarraceno; e rejeitamos portanto a tradição que a faz descendente dos antigos Celtas, que por mais de três mil anos souberam conservar a sua vitalidade à despeito de todas as invasões porque teve de passar a península ibérica. Cremos ainda com o mesmo douto historiador que o moderno Portugal não ocupa exatamente o lugar da antiga Lusitânia; por isso que os territórios a que se deu tal nome se estendiam pelas províncias espanholas muito além das modernas fronteiras, passo que na primeira época não passavam, pelo lado do sul, além do Tejo, e na segunda findavam ao norte pelo Douro.63

62 PINHEIRO, Joaquim Caetano Fernandes. Discurso sobre a poesia religiosa em geral e em particular no

Brasil. In: OTTONI, José Eloy. Job. Rio de Janeiro: Typographia Brasiliense F. Manoel Ferreira, 1852, p. XXIV-XXV. (cf. MELO, Carlos Augusto de. Op. cit., 2006, v. II, p. 195)

63 PINHEIRO, Joaquim Caetano Fernandes. “Literatura: Origem da Língua Portuguesa: fragmento de um

livro inédito”. Revista Popular. Rio de Janeiro: Garnier, ano III, t. IX, jan./mar. 1861, p.295-300. (cf. MELO, Carlos Augusto de. Op. cit., 2006, v. III, p. 535)

Na introdução a lição I do Curso Elementar, o autor coloca:

Antes d'analysarmos as diversas phases da litteratura portugueza convém que digamos algumas palavras sobre a origem da lingua que le serviu d'instrumento.

Pensamos com o Sr. A. Herculano que Portugal é uma nação nova, nascida no XII seculo n'um angulo da Galliza, constituida sem attenção ás divisões politicas anteriores, dilatando-se pelo territorio do Al-Gharb sarraceno, e rejeitamos portanto a tradição que a faz descendente dos antigos celtas, que por mais de tres mil annos souberão conservar a sua vitalidade a despeito de todas as invasões porque teve de passar a Peninsula Iberica. Cremos ainda com o mesmo douto historiador que o moderno Portugal não occupa exactamente o logar de antiga Lusitania: por isso que os territorios a que se deu tal nome se estendião pelas províncias hespanholas muito além das modernas fronteiras, ao passo que na primeira epocha não passavão, pelo lado do sul, além do Tejo, e na segunda findavão ao norte pelo Douro.64

Numa análise comparativa dos textos, percebemos que, no Curso Elementar, houve apenas o acréscimo introdutório explicando o porquê do estudo histórico sobre origem da língua portuguesa. Tantos nos artigos analíticos como nas biografias, a seleção dos nomes explica também a formação do cânone dos portugueses e brasileiros que apareceria na sua primeira história literária. Gonçalves de Magalhães, Gil Vicente, Camões, Cláudio Manoel da Costa, etc. são os nomes mais citados.

Paradigmático é o artigo “A Formação da Literatura Brasileira”. Publicado poucos meses antes do Curso Elementar, ele traz uma proposta de historicização da literatura brasileira de maneira individualizada, ou seja, mesmo mantendo a mesma linha de raciocínio quanto ao surgimento e à formação da literatura brasileira do Curso Elementar, ela se despreende da perspectiva de análise conjunta e totalizante das produções portuguesa e brasileira encorporadas ao corpus da história da literatura dita portuguesa. A periodização centra-se nos condicionantes coloniais, mas ela é especificamente da história do processo histórico do Brasil. Falam-se dos tempos coloniais, dos primeiros habitantes e dos caminhos de formação da nacionalidade. As divisões dos períodos obedecem a esse momento específico. Sem nomenclaturas diretas, Cônego Fernandes Pinheiro divide a

literatura brasileira entre “literatura colonial” e “literatura brasileira independente.” Para o Cônego, trazíamos desde os primeiros tempos de colonização alguns aspectos distintos da literatura lusitana, mas apenas teríamos uma literatura brasileira propriamente dita a partir do marco histórico de 1836 com a manifestação de liberdade literária de Gonçalves de Magalhães. Mesmo trantando-se de um texto preparatório para a sua história literária que estava no prelo - prática aliás comum aos articulistas da Revista Popular como é o caso, por exemplo, do artigo “Origem da Língua Porguesa – fragmento de um livro inédito” que configura inteiramente a Lição I do Curso Elementar ou dos vários artigos de Joaquim Norberto, os quais seriam os capítulos de sua fracassada História da Literautra Brasileira - esse artigo revela-se intrigante por que apresenta um historiador mais instigado com as questões específicas de nacionalidade no que se refere à emancipação do patrimônio literário brasileiro e, em alguns momentos, também afasta-se de seu instinto lusitanista.

Nele, o articulista ensaia uma proposta de periodização intimamente aplicada às fases da literatura no Brasil, envolvendo três períodos anteriores à inauguração da “nova época” – a reforma romântica - que “congregou os dispersos lidadores, emprazando-os para seus arraiais” Esse três períodos são percebidos como “fases embrionárias” de nossa literatura, os quais puderam preparar a base para a literatura brasileira propriamente dita. A primeira fase representa os primeiros momentos de colonização, sem traços de civilização e para “povoar o país que cada vez mais se ermava, lançou-nos Portugal as fezes da sua população; e o primeiro provincial dos jesuítas considerava semelhante escória como mais danosa do que as antropófagas hordas”. Esse aspecto inibe a produção literária, porque

De semelhantes elementos nada podiam esperar as letras; homens rudes e ignorantes, com a única mira nos interesses materiais, deveram por certo ser insensíveis ao majestoso espetáculo que ante seus olhos desdobrava a natureza. No meio, porém, deles existiam algumas almas privilegiadas, que não porfiavam em cada cata do outro, que não se embrenhavam pelos sertões para fazer escravos. Eram os jesuítas, nossos primeiros cronistas, primeiros divulgadores da nossa opulência nativa da salubridade do nosso clima, da beleza do nosso céu, do sabor dos nossos frutos e do brilhantismo das nossas flores.65

65 PINHEIRO, Joaquim Caetano Fernandes. Formação da Literatura Brasileira. Revista Popular. Rio de

Também nesse artigo, é possível constatar que o Cônego Fernandes Pinheiro se utiliza novamente dos fatos históricos como motivadores e condicionantes para a explicação da formação literária e a justificativa do atraso literário brasileiro; muito embora coloque em destaque outros condicionantes representativos da órbita literária, como a forte influência do estilo literário português da época, o gongorismo. Para a maioria dos críticos da época, a escola de Gôngora atrapalhou o desenvolvimento da literatura portuguesa, trazendo o mau gosto de estilo e composição. Muito além do problema de influência portuguesa, Cônego Fernandes Pinheiro ressalta o fator crucial de aniquilamento da literatura, a situação de os brasileiros terem importado e cultivado aspectos de escola literária que, pela proposta temática e estrutural, inibiu o desenvolvimento temático dos traços que caracterizavam a nacionalidade literária:

Saturadas de mau gosto eram todas essa composições [as dos jesuítas e de Bento Teixeira Pinto]; porque em minguada hora nascera a nossa literatura, quando expirava o século dos Barros e Camões, quando já sobre o alcançar das lusas letras tremulavam os pendões de Gôngora, antes que os soldados do duque de Alba, e o ouro de Cristovão de Moura houvessem amortalhado a nacionalidade portuguesa nas cortes de Thomar. Educação, usos e costumes tudo era português: além do atlântico estava o diapasão marcando o tom em que deveriam cantar os brasileiros bardos; só tínhamos por nós a natureza, essa poderosa força magnética que assimila o homem à terra em que vive.66

Pouco a pouco, os elementos de afirmação nacional começam a ser mencionados serão fundamentais para a leitura que o Cônego Fernandes Pinheiro faz da formação da história da literatura brasileira. Percebam que a educação, usos e costumes, bem como o culto do clima e da natureza, formam algumas das características essenciais que destacavam e individualizavam a literatura brasileira em relação às outras literaturas ou, mais especificamente, à literatura portuguesa. Como irá retomar no Curso Elementar, os escritores brasileiros que puderam se destacar por cultivar com desenvoltura essas caracteríticas foram Cláudio Manoel da Costa, Gonzaga, os dois Alvarengas, Santa Rita

Durão e Basílio da Gama. Eles participam da chamada “segunda fase embrionária”, marcada pela estréia histórica de Cláudio Manoel da Costa que

mais um passo dá a nossa literatura para destacar-se dos limbos que envolviam. Folgazão e espirituoso na vida doméstica era o cantor de Eulina, melancólico quando sobraçava o alaúde nas margens do seu pátrio ribeirão. Modelando-se por Petraca, Guarani e Metastásio, era Cláudio eminentemente brasileiro, não só nos assuntos que escolhia, como ainda em suas comparações e imagens. Chorava pelas ribeiras do Mondego e poeticamente descrevia as do Carmo; queixava-se da prosa que o rodeava, e em seu poema Vila Rica celebrava os Colombos do deserto, que sobre os nevados píncaros de Itacolomy haviam plantado o lábaro de Cristo. Surgiu ao aceno de Cláudio uma plêiade de brilhantes engenhos: Gonzaga, português por acaso e brasileiro de coração, os dois Alvarengas, e sobre todos Santa Rita Durão e Basílio da Gama, que, respigando nacionais tradições ergueram os muros da epopéia. Penetra uma réstia de luz nas trevas coloniais; funda-se no rio de Janeiro uma Arcádia, e em torno dessa colméia esvoaçam abelhas do progresso. Sabido é como fez mangrar todas essas esperanças o mau êxito da conspiração mineira, arrojando para s areais da África os precursores da independência literária.67

A última “fase embrionária” é representada principalmente pelo nome do poeta Sousa Caldas, “o mais brasileiro dos nossos poetas coloniais.” Considera-se a “fase de transição” para a formação da literatura brasileira propriamente dita. Para o Cônego Fernandes Pinheiro, quanto mais se aproximava dos movimentos de regeneração política, os poetas transformavam suas poesias mais brasileiras e nacionais, a partir do momento que “mais originais se tornaram os nosso poetas, menos atenção prestaram aos ecos de além- mar. Citam-se, então, os poetas

Natividade Saldanha cantava na cítara de Píndaro os heróis das Tabocas e dos Guararapes; Lucas Alvarenga solfejava as eróticas estrofes flores dos nossos prados; o cônego Januário em seu Niterói travara profiosa luta entre as reminscências mitológicas e as inspirações nativas, e João Gualberto pedia emprestada a Gesser sua pastoril flauta para cantar a Saudade Paterna.68

67 PINHEIRO, Joaquim Caetano Fernandes. Op. cit., tomo XIII, 1 de janeiro de 1862, p. 46-47. 68

III. O método

Na ocasião da publicação do Curso Elementar, como vimos anteriormente em uma das passagens acima, o Cônego Fernandes Pinheiro registrou claramente na sua introdução