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5 MAPEAMENTO DA MAIORIDADE PENAL NO CONGRESSO: OS MODELOS

5.3 A PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 171 DE 1993

5.3.1 O debate a respeito do conteúdo da PEC 171/93

O texto da PEC 171/93, até o final de outubro de 2015, defendia a redução da maioridade penal para os dezesseis anos em casos específicos de homicídio doloso, crimes hediondos e lesão corporal seguida de morte, observando-se o cumprimento da pena em unidades de atendimento separados dos adultos e dos demais adolescentes123. É um texto diferente daquele apresentado em 1993 que objetivava diminuir a idade penal para 16 anos independentemente da infração cometida.

No subcapítulo anterior, já foram apresentados os argumentos apresentados por cada PL e PEC formulados no Congresso Nacional referentes à temática da maioridade penal e ao enrijecimento de medidas socioeducativas. No entanto, cabe analisar os argumentos específicos abarcados pela PEC 171/93.

As discussões dos parlamentares nas sessões deliberativas e as audiências públicas expuseram argumentos favoráveis e contrários ao conteúdo da PEC, evidenciando o caráter complexo do objeto estudado. Como o debate da proposta abrange dispositivo constitucional e, para alguns, direitos fundamentais da criança e do adolescente, é possível enxergar a dificuldade na formação de um consenso no Congresso Nacional a respeito do assunto.

As justificativas a favor da redução da maioridade penal podem ser identificadas no parecer do Relator da Comissão Especial, o deputado Laerte Bessa124 (PR/DF). Elas se resumem (a) na incoerência entre a realidade da juventude brasileira – que passou por transformações culturais e por progressos tecnológicos – e os dispositivos da CF/88 e do ECA,

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Texto da Emenda Aglutinativa nº 16 que foi aprovado pelo Plenário da Câmara como será explanado a seguir.

Disponível em:

<http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1356032&filename=EMA+16/201 5+%3D%3E+PEC+171/1993>.

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O parecer do relator Laerte Bessa – da Comissão Especial – está disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1345879&filename=Tramitacao- PEC+171/1993>.

(b) na necessidade de conscientizar o jovem de seu papel na sociedade e da importância no cumprimento da lei, como parte da lógica de direitos e de responsabilidades intrínsecos ao fenômeno da cidadania, (c) no argumento de que a mudança do texto legal não visa punir o adolescente e, sim, educar, na medida em que serão garantidas sanções diferenciadas àqueles entre dezesseis e dezoito anos e (d) na necessidade de medidas mais duras diante do crescimento da violência e da criminalidade (BRASIL, 1993).

Por outro lado, para aqueles que discordam da redução da idade de responsabilização penal, como a deputada Erika Kokay (PT/DF)125 e o deputado Alessandro Molon126 (REDE/RJ), seus argumentos fundamentam-se (a) na problemática da questão social como causa principal do envolvimento do adolescente na criminalidade – e não a leniência das medidas socioeducativas –, (b) na dificuldade do Estado em garantir os direitos básicos das crianças e dos adolescentes, previstos na CF/88 e no ECA, que, se assegurados, seriam suficientes para os afastar da criminalidade, (c) na interpretação como cláusula pétrea do artigo 228 da CF/88, (d) na deterioração das unidades de atendimento e das prisões brasileiras e (e) na representação significativa de adolescentes que passariam a ser considerados penalmente imputáveis com a redução da idade penal (BRASIL, 1993).

Diante desses argumentos, cabe destacar quatro, os mais abordados durante as discussões na Comissão Especial e nas sessões deliberativas do Plenário. O aumento da sensação de insegurança e a incoerência entre o conteúdo do artigo 228, da CF/88, e a maturidade da juventude atual são as principais justificativas trazidas pelos favoráveis à PEC. A insatisfação da sociedade perante os índices de violência e criminalidade juvenil demanda medidas mais repressivas contra os adolescentes em conflito com a lei, principalmente porque o atual conteúdo das medidas socioeducativas do ECA é enxergado como um aval para a impunidade de menores de idade. Ademais, o aumento da capacidade de discernimento dos adolescentes, decorrentes dos avanços tecnológicos, é visto como um fator que valida sanções equiparáveis àquelas aplicadas aos adultos. Indivíduos maiores de dezesseis anos já podem ser vistos como capazes de serem responsabilizados penalmente (BRASIL, 1993).

Por fim, para aqueles que se opõem à aprovação da PEC 171/93, o fator da cláusula pétrea e o impacto da proposta em termos quantitativos de adolescentes entre

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Argumentos trazidos pela parlamentar no voto em separado apresentado na Comissão Especial. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1348884&filename=Tramitacao- PEC+171/1993>.

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Argumentos trazidos pelo parlamentar no voto em separado apresentado na Comissão Especial. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1349513&filename=Tramitacao- PEC+171/1993>.

dezesseis e dezoito anos são os principais argumentos utilizados. Para a parlamentar Erika Kokay127 (PT/DF), a redução da maioridade penal é uma transgressão aos diplomas internacionais – que abrangem Direitos Humanos e Direitos da Criança e do Adolescente –, à CF/88 e à doutrina da Proteção Integral do ECA. O Brasil ratificou e internalizou, em seu ordenamento jurídico, documentos como a Convenção sobre os Direitos da Criança e as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas Privativas de Liberdade, que resguardam a maioridade penal aos dezoito anos. Sendo assim, associa-se a PEC a uma forma de transgressão dos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes. No caso específico da CF/88, o tema da maioridade penal é interpretado pela parlamentar como cláusula pétrea, sendo abrangido pelos direitos e garantias individuais, como prevê o artigo 60, parágrafo 4o, IV, da CF/88. Isto posto, propor a redução da maioridade penal para dezesseis anos – dependendo ou não da infração cometida pelo adolescente – é visto como uma afronta à CF/88 (BRASIL, 1993).

Quanto à questão da representação significativa de adolescentes – entre dezesseis e dezoito anos – que seriam afetados com a aprovação da PEC 171/93, dados (de 2015) fornecidos pela Fundação Casa de São Paulo a respeito de adolescentes internados explicam esse argumento. De acordo com a instituição, mais de 70% dos adolescentes que cumprem medidas privativas de liberdade têm entre dezesseis e dezoito anos (FUNDAÇÃO CASA, 2015). Apesar de ser um número que representa somente o estado de São Paulo, é possível afirmar que não é um valor ignorável devido à representatividade da população internada na área paulista em relação aos outros estados do país128. E é um valor que permite prever um impacto significativo da PEC na população de adolescentes: se existem 8.497 internos em São Paulo e, destes, 70% têm entre dezesseis e dezoito anos, pode-se dizer que 5.948 adolescentes poderiam passar para o sistema carcerário dos adultos. Mesmo que o atual texto da PEC a ser votado no Congresso Nacional não esteja abrangendo todos os adolescentes maiores de dezesseis anos, não deixa de ser um número que inquieta os opositores da proposta.

Antes de se avançar para a análise do processo legislativo da PEC 171/93, pretende-se esclarecer dois pontos. Primeiro, observa-se que foi possível realizar uma apresentação mais delineada dos argumentos inerentes ao debate da maioridade penal da PEC

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Argumentos trazidos pela parlamentar no voto em separado apresentado na Comissão Especial. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1348884&filename=Tramitacao- PEC+171/1993>.

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Segundo Waiselfisz (2014, p. 74), em 2012, havia 20.532 adolescentes cumprindo medidas privativas de liberdade no Brasil. Destes, 8.497 estavam cumprindo no estado de São Paulo, representando 41,3% da população internada.

171/93 devido ao seu próprio avanço no processo legislativo. Como a maioria das PECs e dos PLs foram arquivados precocemente, não foi possível explanar os seus argumentos de forma aprofundada. Além disso, cabe salientar que os argumentos a respeito dos quais se desenvolveu todo o debate da PEC foram os mesmos desde o começo da discussão acerca da sua matéria – em 1993 – até o presente estágio do debate. Independentemente da proposta defender a diminuição da idade penal para todos os maiores de dezesseis anos – conteúdo anterior à discussão na Comissão Especial – ou para somente aqueles que cometeram infrações específicas, as justificativas de ambas as partes do debate mantiveram-se em relação aos mesmos argumentos lógicos e valorativos (BRASIL, 1993).