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O debate acerca das práticas de subalternização

Não é sem razão que Moita Lopes (2006) defende o caráter híbrido e mestiço da LA ou, como alguns a denominam, Linguística Aplicada Crítica (LAC18), e suas mais diversas ramificações ou transbordamentos. O autor chega a denominá-la de uma (in)disciplina, conforme já pontuado, devido ao fato de que as pesquisas de hoje em LA

18 Optei pelo uso de LA, em vez de LAC, em toda a extensão deste trabalho devido ao fato de que nem sempre há essa subdivisão entre os trabalhos publicados nessas áreas. Assim, são inúmeros os trabalhos cujos autores se denominam como pertencentes à LAC, como também são muitos os que, apesar de abordarem assuntos afeitos à pedagogia crítica, ou aos estudos críticos, consideram a denominação LA como capaz de abarcar satisfatoriamente suas pesquisas devido ao caráter (in) e/ou (trans)disciplinar da área hoje em dia. Há autores, inclusive, que consideram a LAC como sinônimo dos termos Transdisciplinar, Indisciplinar ou Transgressiva (PESSOA, 2018).

78 abarcam as mais diversas áreas, dentre elas a psicologia, as ciências sociais, a sociologia, a pedagogia, a antropologia, a geografia e a história. Se, com muito orgulho, pode-se dizer que as pesquisas em LA têm se diversificado sobremaneira nos últimos anos, não se deve negligenciar também o fato de que, devido à qualidade dos trabalhos desenvolvidos sob o escopo desse campo de investigação, a LA tem conseguido dar conta das demandas do mundo pós-moderno, objetivando evidenciá-las e permitindo um debate mais acurado de suas causas e efeitos. A esse respeito, cabe iniciar essa discussão salientando o poder de renovação e de proposição de novas abordagens para antigos problemas que os linguistas aplicados, exercitando o desapego às antigas formas do fazer em LA, têm demonstrado ao longo dos últimos anos.

Talvez por conta da própria história de constituição desse campo teórico, haja vista ter sido, em um primeiro momento, considerado campo de aplicação das teorias desenvolvidas pela Linguística do mainstream (RAJAGOPALAN, 2006), é sabido que os pesquisadores da LA sempre estiveram às voltas com os problemas práticos relacionados à vida em sociedade, ao processo de ensino e aprendizagem e também à formação docente. No entanto, somente mais recentemente os pesquisadores da LA têm conseguido se desvencilhar das amarras da ciência positivista tradicional para assumirem-se enquanto interventores na realidade social circundante. Nas palavras de Rajagopalan (2006, p. 163), não sem se tornarem alvos de críticas por parte dos que “ainda nutrem a ilusão da neutralidade científica”; aqueles que trabalham na linha de LC (Linguística Crítica) “entendem que suas atividades científicas têm uma dimensão política. Eles percebem que, ao proporem suas análises, estão tentando influenciar a forma como as coisas se apresentam, isto é, intervir na realidade que aí está”.

De acordo com o autor, uma outra questão muito cara a essa nova forma do fazer em LA diz respeito à relação teoria e prática, discutida em seção anterior neste trabalho. Segundo Rajagopalan (2006, p. 160), a “supremacia da teoria – a tese segundo a qual a prática só teria êxito se obedecesse aos ditames da teoria – já está sendo questionada de diversos ângulos”. Ainda segundo esse autor, “já se foi o tempo em que se acreditava em larga escala que a teoria seja a precondição para qualquer tipo de prática” (ibidem, p. 165).

É por essas e outras questões que se pode dizer que a LA tem passado, paulatinamente, de uma ciência dependente, menos valorizada e com objetivos e contornos

79 solucionistas, conforme já discutido, para um campo de investigação cada vez mais comprometido com a problematização de demandas sociais oriundas de conflitos inerentes ao uso da linguagem. Nesse caminhar, inclusive as formas de se abordar o sujeito em contextos de formação de professores e de ensino e aprendizagem de línguas têm sido revistas. Passou-se de uma perspectiva do sujeito cognoscente, que postulava a racionalidade e defendia a conscientização e a reflexão como pontos de partida para a mudança, para uma perspectiva que se dedica a discutir as subjetividades dos envolvidos nos processos de educação, tendo a questão identitária como ponto crucial para a problematização das diferentes realidades sociais. Segundo Pessoa, no que se refere especificamente à área de formação de professores,

[d]iscutir as subjetividades das/os professoras/es em formação é relevante, pois suas possibilidades, diferenças e limitações é que vão pautar todo o conhecimento a ser desenvolvido no processo de formação sobre escola, sala de aula, língua, aprendizagem de língua, ensino de língua e gerenciamento de sala de aula (do contexto, da fala e dos tópicos), os quais se encontram sempre em confluência com as realidades sociais (PESSOA, 2018, p. 194).

A respeito dessa outra forma de fazer LA, Pessoa (2018, p. 191) afirma que seus objetivos são voltados à “criação de inteligibilidades de problemas sociais que têm a linguagem como papel central”. De acordo com a autora, mais recentemente, os linguistas aplicados têm buscado entender as salas de aula de línguas à luz do Pensamento Decolonial, cuja concepção “tem como ponto central o enfoque nas desigualdades sociais que se constroem também por meio de discursos” (PESSOA, 2018, p.192). Segundo ela, as problematizações das desigualdades objetivam “compreender como elas se constroem social e discursivamente e como historicamente foram construídas” (PESSOA, 2018, p.192). Para Pessoa (2018, p. 194), a tarefa de buscar entender como as relações de poder operam em diferentes realidades sociais não pode ser feita “sem língua/linguagem, já que todas as realidades sociais são construídas por meio de repertórios linguísticos e só podem ser desconstruídas e reconstruídas por meio deles”.

80 Em relação à questão teoria e prática, Pessoa (2018, p. 195) afirma que, para que se possa cotejar o conhecimento prático e poder desenvolvê-lo através da “busca pela expansão de nossas possibilidades de vida pessoal e da vida social”, faz-se necessário encarar a prática como ponto de partida para a construção de conhecimento sobre educação linguística que, segundo ela, só é possível “se a formação pedagógica acontecer integralmente na escola e não for dividida em disciplinas teóricas e práticas, como acontece normalmente em cursos de Letras no Brasil”.

Siqueira (2018, p. 206), ao defender a concepção de língua enquanto prática social, concorda com os autores acima citados e entende a linguística crítica como “questionadora constante de verdades arraigadas em todas as esferas da vida” e “calcada na problematização da vida cotidiana”. Segundo ele,

[t]al qual a educação em geral, a tarefa de ensinar e aprender línguas deve estar comprometida com a justiça social, o que nos leva a ter em mente que precisamos, através do acesso a um novo código linguístico-cultural, pavimentar o caminho para que nossos alunos sejam capazes de desenvolver um pensamento crítico sobre a realidade que os cerca. Ou seja, assim como a educação, o ensino e aprendizagem de línguas precisa potencializar seu caráter libertário e emancipatório, pois uma vez conscientes das relações de opressão que permeiam o dia a dia de toda sociedade, poderemos desenvolver a capacidade de reconhecê-las e combatê-las de forma sistemática (SIQUEIRA, 2018, p. 205).

Para o autor, a educação linguística crítica nos permite ensinar línguas “visando, entre outras coisas, ao combate às desigualdades sociais e práticas de subalternização e opressão que tanto alimentam as tão comuns e naturalizadas relações assimétricas dos espaços sociais que habitamos” (SIQUEIRA, 2018, p. 206).

Considerando os autores supracitados, percebe-se o quanto a linguagem interfere e é determinante em nossas práticas sociais. Tal condição me convocou a desenvolver esta pesquisa voltada à investigação do papel da linguagem durante a formação inicial docente. É com este objetivo em mente que construí as bases teóricas que me ajudaram a trabalhar os dados coletados. Bases estas que tomam a linguagem, na perspectiva da Pragmática, como ação e intervenção no mundo, conforme previamente discutido. Tendo concluído o segundo

81 e último capítulo teórico, passo, a seguir, ao terceiro capítulo, destinado a pormenorizar as questões metodológicas deste estudo.

82 TERCEIRO CAPÍTULO – PERCURSO METODOLÓGICO