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Os estudos pragmáticos e a linguística da fala

A Pragmática é uma área de difícil delimitação devido à heterogeneidade dos trabalhos publicados sob seu rótulo. De acordo com Rajagopalan (1996, p. 6), a Pragmática ainda “é vista por muitos estudiosos, não sem razão, como um verdadeiro saco de gatos”, devido ao grande escopo e abrangência de estudos normalmente atribuídos à área. Este fato, segundo o autor, é motivo suficiente para falarmos em Pragmáticas, no plural, e não no singular. Apesar dessa amplitude do escopo de seus estudos, conforme aponta Pinto (2012), é possível delimitar as fronteiras da área, caso seja admitida a diversidade existente entre os estudos. Para a autora, o que torna possível essa delimitação é o fato de que os trabalhos

34 publicados compartilham certos pressupostos como, por exemplo, o de se propor a analisar “o uso concreto da linguagem, com vistas em seus usuários e usuárias, na prática linguística” e, também, o de se propor a estudar “as condições que governam essa prática” (PINTO, 2012, p. 55). Nesse sentido, a autora afirma que

[...] a Pragmática se inicia justamente defendendo a não centralidade da língua em relação à fala. Em outras palavras, a Pragmática aposta nos estudos da linguagem, levando em conta também a fala, e nunca nos estudos da língua isolada de sua produção social. Dessa forma, os estudos pragmáticos pretendem definir o que é linguagem e analisa-la trazendo para a definição os conceitos de sociedade e de comunicação descartados pela Linguística saussureana na subtração da fala, ou seja, na subtração das pessoas que falam (PINTO, 2012, p. 56, grifos no original).

Assim como foram encontradas diversas dificuldades relacionadas à delimitação da área que abarca os estudos pragmáticos, de acordo com Rajagopalan (1999, p. 324), também “não existe, nem de longe, nenhum consenso sobre como e quando surgiu a área de investigação”, sendo a primeira utilização do termo Pragmática atribuída, comumente, ao filósofo americano Charles S. Peirce, conforme examinado, também, nos escritos de Pinto (2012).

Devido à constante e histórica falta de consenso acerca da forma de se abordar a linguagem e, também, acerca da delimitação dos objetos de estudo, de acordo com Pinto (2012), o campo dos estudos pragmáticos se encontra subdividido em pelo menos três grupos de estudos principais. São eles o Pragmatismo norte-americano, os estudos de atos de fala de Austin e os estudos pragmáticos interdisciplinares. A seguir, discorro, brevemente, sobre o Pragmatismo norte-americano. Devido à importância para o desenvolvimento desta pesquisa, os estudos dos atos de fala de Austin serão objeto de uma exposição mais detalhada em uma seção destinada exclusivamente a eles. Ao final deste capítulo, então, procedo a uma melhor elucidação acerca dos estudos pragmáticos interdisciplinares, em que os estudos da Nova Pragmática encontram-se inseridos.

Segundo Pinto (2012), Peirce foi o primeiro filósofo norte-americano a utilizar a palavra Pragmatics, no final do século dezenove (1878), para se referir à relação entre signo, objeto e interpretante, a chamada tríade pragmática. Peirce, ao postular essa tríade, buscava destacar “a necessidade de se teorizar a linguagem levando-se em conta o que sempre foi

35 lembrado na Linguística, ou seja, o sinal, mas também aquilo a que este sinal remete e, principalmente, a quem ele significa” (PINTO, 2012, p. 60, grifos no original). Mais tarde, as ideias de outro filósofo norte-americano, William James, causaram impacto sobre novos filósofos que se empenhavam em definir a filosofia, a linguagem e o conhecimento como práticas sociais. É atribuído a James a primeira utilização da palavra pragmatism, em 1898, e também uma definição inovadora de verdade como aquilo “que é melhor para nós acreditarmos” (PINTO, 2012, p. 61). Essa definição tornou-se muito popular e polêmica em sua época por abalar o conceito de verdade até então aceito e cristalizado desde a lógica clássica: algo que está fora das pessoas, visto que o que é verdadeiro estaria sempre em conformidade com o mundo sendo, desse modo, suscetível de ser encontrado e confirmado (PINTO, 2012).

Uma das maiores contribuições de James, ao postular essa nova definição de verdade10 e ao basear suas reflexões filosóficas em componentes pragmáticos, foi valorizar “a pessoa que fala como detentora do próprio significado, já que a verdade, palavra-chave na compreensão da relação entre mundo e linguagem, nada mais é que aquilo que todos e todas nós, inseridos/as numa comunidade, queremos que ela seja” (PINTO, 2012, p. 61). Note-se que a posição de James abala fortemente o tratamento dado ao significado linguístico visto que sua nova definição de verdade passa a ser considerada a partir da imprevisibilidade do mundo social, sem contar que, ao relativizar a noção de verdade, ele abala o discurso corrente sobre a possibilidade de se chegar a um conhecimento de fato sobre as coisas11.

Sem pretender me delongar demais na exposição acerca das contribuições do Pragmatismo norte-americano, considero importante mencionar alguns nomes importantes que contribuíram para o desenvolvimento dessa corrente filosófica denominada de “Pragmatismo”, que, hoje, caminha lado a lado com a Pragmática (subárea da Linguística). São eles : Charles W. Morris, que, junto com William James, era seguidor de Peirce e deu continuidade aos seus trabalhos; Willard V. Quine, seguidor de Peirce e de James, que questionou, principalmente, a possibilidade de a Semântica Lógica sustentar a exclusão do

10 Vale lembrar que, bem antes de William James, Giambattista Vico (1668-1744) já havia abalado a noção de verdade cristalizada desde a lógica clássica ao afirmar que a “a verdade é precisamente o que é feito”, conforme mencionado anteriormente (RAJAGOPALAN, 2014 p. 12).

11 Questões relacionadas à noção de verdade e ao par significado e referência foram também abordados por Austin (1990) e serão, na próxima seção, discutidos à luz de seus estudos.

36 usuário na análise do significado; Donald Davidson, Richard Rorty, James Dewey e Ludwig Wittgenstein, que, dentre outras coisas, acrescentaram uma perspectiva historicista aos estudos pragmáticos norte-americanos, além de também modificarem a noção clássica de verdade, propondo outra que leva em consideração a coerência entre as atitudes proposicionais do falante; e, ainda, M. Dascal e seus estudos sobre o mal-entendido e a coerência interna em sistemas linguísticos.

Inseridos no grupo que estuda os atos de fala, encontram-se autores como Ludwig Wittgeinstein, G. E. Moore, Gilbert Ryle, John Langshaw Austin e Peter Frederick Strawson que, de acordo com Pinto (2012), se dedicaram a examinar a linguagem corrente como fonte de solução para os problemas filosóficos. Segundo a autora, eles estão inseridos no movimento que “ficou conhecido como Filosofia Analítica ou Filosofia da Linguagem Ordinária, e que tem como resultado principal para os estudos linguísticos os Estudos de Atos de Fala” (PINTO, 2012, p. 65, grifos no original).

O espaço para o debate acerca de como as construções gramaticais podem levar a confusões lógicas ineficientes foi aberto a partir do ensaio de Gilbert Ryle, intitulado Systematic misleading expressions, publicado em 1932. Segundo Pinto (2012, p. 66), “Austin foi quem melhor expôs o problema, discutindo a materialidade e historicidade das palavras”. Segundo a autora, os Estudos de Atos de Fala de Austin, publicados postumamente em 1962, “concebem a linguagem como uma atividade construída pelos/as interlocutores/as, ou seja, é impossível discutir linguagem sem considerar o ato de linguagem, o ato de estar falando em si – a linguagem não é assim descrição do mundo, mas ação” (PINTO, 2012, p. 66).

Devido à importância dos estudos de Austin (1990) para a presente pesquisa, a seguir, trago uma seção dedicada exclusivamente aos seus estudos.