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3.Sentenças régias: classificação

R ODRIGUES 786 ; J OÃO B ANHA 787 ).

3. O decurso do tempo

Não nos é possível afirmar quanto tempo, em média, demoraria um processo judicial1002. Mas podemos, com base na documentação recolhida, encontrar elementos que permitem delimitar, em termos temporais, alguns processos em concreto.

Nalguns casos podemos comparar a data da sentença com a data de certos factos mencionados no processo:

S Data dos factos Data da sentença Tempo decorrido

S14 13 de Agosto de 14511003 2 de Dezembro de 1451 Cerca de 4 meses S23 Novembro de 14561004 12 de Fevereiro de 1457 Cerca de 3 meses S27 Maio ou Junho de 14561005 4 de Maio de 1458 Cerca de 2 anos S40 Antes de Setembro de 14701006 12 de Janeiro de 1479 Mais de 8 anos S66 durante 1487 10 de Maio de 1488 5 meses (mínimo) S70 3 de Novembro de 1495 28 de Fevereiro de 14971007 15 meses

S73 4 de Janeiro de 14991008 23 de Julho de 1499 6 meses

999 S38.

1000 S41. 1001

S103.

1002 Sobre o problema da morosidade administrativa, v. M

OTA, op.cit., vol. I, p. 104. 1003 Data da publicação da sentença que suscita o recurso a tribunal, para clarificação. 1004 O réu meteu-se em posse da terra objecto do litígio.

1005

Data em que ocorreu o esbulho da posse dos bens objecto do litígio.

1006 O feito iniciou-se ainda em vida do Infante D. Fernando (falecido em 18 de Setembro de 1470). 1007 Data da primeira sentença, da qual o réu agravou.

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S104 15 de Novembro de 1509 16 de Maio de 15101009 6 meses

Temos também informação sobre o tempo decorrido entre uma primeira sentença e a decisão de um recurso contra ela pedido:

S Primeira sentença Segunda sentença Tempo decorrido

S70 28 de Fevereiro de 1497 26 de Abril de 1497 2 meses S94 8 de Março de 1503 29 de Agosto de 1503 2 meses S97 6 de Agosto de 1502 30 de Janeiro de 1504 16 meses S98 11 de Julho de 1503 9 de Maio de 1504 10 meses

Finalmente, há dados sobre o tempo que decorre entre a data de feitura da carta e da sua publicação a uma das partes:

S Data da sentença Data da publicação Tempo decorrido

S73 2 de Dezembro de 1495 15 de Dezembro de 1495 13 dias S79 30 de Julho de 1500 1 de Outubro de 15001010 2 meses S79 30 de Julho de 1500 9 de Fevereiro de 15011011 6 meses S86 8 de Julho de 1501 10 de Novembro de 1501 4 meses S93 1 de Julho de 1503 8 de Setembro de 1503 2 meses S94 29 de Agosto de 1503 7 Novembro de 1503 2 meses S100 15 de Junho de 1504 8 de Outubro de 15041012 4 meses S100 15 de Junho de 1504 13 de Abril de 15051013 10 meses S106 31 de Agosto de 1512 17 de Setembro de 1512 17 dias

Se, por um lado, não podemos afirmar que a regra era a do despacho rápido dos processos (os capítulos de cortes afirmam o contrário), importará, todavia, concluir dos dados apresentados que, em determinados casos, era possível despachar um feito com alguma celeridade processual: no espaço de dois meses, era possível que um processo estivesse terminado, um recurso tivesse sido julgado ou uma sentença tivesse sido publicada perante as partes para efeitos da sua execução.

1009 Data de um alvará régio que promove o concerto entre as partes, de acordo com o qual será dada a sentença a 16 de Maio de 1510.

1010

Publicação ao autor. 1011 Publicação ao réu. 1012 Publicação ao autor.

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4. Conservação

Se as partes pagavam para obter determinada carta de sentença, naturalmente iriam conservá-la, pelo menos, por determinado período de tempo. A sentença é guardada porque interessa à parte, porque lhe foi favorável na resolução do litígio, porque garante um título de propriedade, porque serve de meio de prova. Por isso se conservam sentenças de feitos cíveis, cujos efeitos sobre propriedades, rendas, tributos, podem perdurar no tempo e mais raramente se conservam sentenças de feitos crimes, cujo efeito útil terminaria, geralmente, com o falecimento da parte envolvida. É, portanto, curioso que se tenha conservado no arquivo senhorial da Casa de Abrantes uma sentença crime sobre um homicídio1014 ou no arquivo do Mosteiro de São Vicente de Fora, uma sentença crime sobre uma barregã1015.

Em 1475, D. Beatriz de Góis recebeu certa carta de sentença sobre a posse de uma coutada; contudo, alguns anos mais tarde (1491), “por má guarda”, a sentença “se lhe gastara e rompera em alguns lugares dela”, de tal modo que nalguns lugares já não se conseguia ler. Por isso, seu filho Nuno Martins da Silveira, apresentando a sentença rota, mas com os sinais ainda sãos e conhecidos, pediu que lhe fosse dada outra carta1016.

As sentenças favoráveis ao Rei deviam ser guardadas num armário na Torre do Tombo1017. Vimos já como as sentenças da conspiração contra o Rei foram mandadas conservar na Torre do Tombo. Também no final de outra carta de sentença, o escrivão dos feitos do Rei informa que mandou fazer duas cartas “esta para lançar na Torre do Tombo e outra tal que tivesse o almoxarife do celeiro em Santarém”, referindo ainda que o original do Desembargo é assinado pelo Rei; no verso de uma sentença, registou a data em que a tinha levado “por serviço” para a Torre do Tombo1018.

1014 S70. 1015 S62. 1016 S39. 1017 O.A., I, 14, §1. 1018 S34.

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C

ONCLUSÃO

CARVALHO HOMEM lançara já o repto: “a análise detalhada das cartas de sentença poderá facultar aos historiadores do Direito um conhecimento dos trâmites processuais com base no funcionamento efectivo das instituições judiciárias, e não apenas estribado na legislação, que tem constituído o sustentáculo fundamental dos estudos até agora feitos na matéria”1019.

Procurámos responder a este apelo através de um estudo de diplomática judicial, indo para além do conhecimento da tramitação processual da instituição. As cartas de sentença, enquanto “espelho daquilo que se chamou o direito vivo”1020, apontaram caminhos e deixaram pistas nos planos diplomático, burocrático e judicial. Fomos até onde a documentação nos levou, tentando não ceder às tentações de disciplinas vizinhas: não nos detivemos em questões jurídicas dogmáticas ou doutrinais e também não explorámos as pequenas histórias que se escondem nestes documentos.

No confronto entre o produzido e o legislado na tramitação processual, confirmámos que, em termos gerais, existe uma coincidência entre essas duas manifestações, sinal de práticas anteriores e já consolidadas, mas sinal, também, de que eram aplicadas no tribunal da Corte (seriam também praticadas nos outros tribunais?). Já no campo dos oficiais e do funcionamento do tribunal, identificámos práticas que se anteciparam à legislação.

Enquanto produção documental de uma instituição, as cartas de sentença revelaram que a Casa da Suplicação não se limitava a ser um tribunal de recurso de sentenças penais, ao contrário do que tem vindo a ser sucessivamente repetido para resumir as competências deste tribunal. Para além do núcleo do crime, o tribunal exercia a sua competência nos núcleos cíveis da Corte e dos feitos do Rei, em primeira e segunda instância.

Procurámos trazer também alguma luz à tramitação burocrática do tribunal, sobre a qual pouco havia sido estudado. Apesar de a validação ser feita na Chancelaria régia, a par das restantes cartas, o percurso de redução a escrito das cartas de sentença diferencia-se das restantes, fundamentando o aparecimento posterior de uma chancelaria própria.

1019 H

OMEM, 1990, op. cit., p. 171. 1020 A

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Evidentemente, houve muito que a documentação não nos disse e são muitas as dúvidas que ainda persistem. Por isso, o caminho que percorremos trouxe-nos ao ponto de partida, mas com novos conhecimentos que permitirão repetir esta viagem por outros trilhos, da Casa do Cível aos tribunais concelhios, das audiências senhoriais às episcopais. O paradigma identificado poderá servir de base para novos estudos, de forma a saber se o modelo do tribunal da Corte era aplicado pelos restantes tribunais. Fizemos, portanto, uma viagem inicial e deixamos um estudo aberto, que poderá ser completado e aperfeiçoado através de cada nova carta de sentença encontrada.

Enfim, colocámos frente-a-frente as duas armas principais da Diplomática: a actio e a conscriptio. Trilhámos os percursos da decisão e do documento escrito, dando corpo à tramitação processual e burocrática. Demonstrámos, portanto, que a carta régia de sentença possui características que justificam o seu estudo autónomo e, consequentemente, que a diplomática judicial merece uma atenção redobrada por parte de diplomatistas, jurishistoriadores e historiadores.

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