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3.Sentenças régias: classificação

G) O UTROS JULGADORES

2.6. Réplica e Tréplica

2.7.1. Prova documental

Dispunham as O.A. que “a Escriptura foi achada per conhecimento da verdade; e per a Escriptura, havemos certidoem e fee dos Feitos que per Nós nom vimos; e della e per ella he tirado emtendimento verdadeiro das cousas que passam e passaram antiguamente e per ella outrosy he escusado grandes emcarreguos e custas a qualquer que alguũ feito hade provar”417. Acresce que, como vimos, as O.A. determinavam que em determinados feitos, quem invocasse certo contrato teria de exibir a respectiva escritura pública.

A prova documental assume, portanto, o papel principal nos meios de prova, por força da valorização da sua força probatória. Tal relevância advém da fé pública que é conferida aos documentos públicos, fazendo prova dos factos que o documento atesta. A relevância dada à prova documental veio contestar o domínio que a prova testemunhal havia tido nos séculos anteriores.

Assim, ao apresentarem os seus artigos perante o juiz, as partes juntavam a prova documental que atestava os factos neles invocados (o réu ofereceu muitos artigos contrários (…) e apresentou as doações das terras418; oferecendo os réus com os ditos

410 O.A., III, 60. 411 S99. 412 S68. 413 S33. 414 S63 415 S17. 416 S105. 417 O.A., III, 64, § 4. 418 S87.

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capítulos e acordos uns artigos de contrariedade419; com o qual [libelo] apresentaram as escrituras de arrendamento de quem em ele fazia menção420) ou era o juiz que condicionava a admissão dos artigos das partes à apresentação de prova (e assim lhe foi por nós mandado que oferecesse a doação que tinha para haver os direito reais e assim oferecesse o foral sendo certo que não oferecendo as ditas coisas seria lançado de contrariedade com que viera em o dito feito421; com os quais artigos o procurador do réu veio e antes de sobre elo coisa alguma pronunciarmos mandámos que o procurador oferecesse certas escrituras de que fazia menção e fundava sua contrariedade para o que lhe assinamos termo certo422; acordámos que antes de pronunciarmos sobre a dita contrariedade o réu oferecesse o foral da Vila e a carta de mercê que tinha423; sobre os quais [artigos contrários] antes de nenhuma outra coisa determinarmos por quanto se havia por informação que as ditas partes retinham algumas escrituras que aos ditos artigos faziam para se saber a verdade mandámos que as partes oferecessem ao dito feito todas e quaisquer escrituras que tivessem (…) as quais escrituras vistas por nós em Relação foram aos réus recebidos os artigos contrários424; e mandámos ao procurador que trouxesse as cartas por ele alegadas em sua acção425).

Entre os documentos que eram apresentados em tribunal, podemos constituir as seguintes categorias:

i) documentos régios: entre os documentos régios apresentados nas demandas,

constam doações426, alvarás427, forais428, composições429 e cartas régias diversas de vários monarcas (D. Dinis430, D. Afonso IV431, D. Fernando432, D. João I433, D. Duarte434, D. Leonor435, D. Afonso V436).

419 S73. 420 S106. 421 S83. 422 S82. 423 S100. 424 S42. 425 S22. 426 S90. 427 S13. 428 S21, S41, S85, S92, S99. 429

S93 (uma composição feita por D. Dinis). 430 S15. 431 S15. 432 S42. 433 S02, S86. 434 S22, S63, S2. 435 S68. 436 S02, S28, S29, S86.

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ii) documentos papais: no respeitante a documentos papais, há registo de letras

apostólicas do Papa Nicolau V437 e de um indulto papal438.

iii) documentos de natureza político-administrativa: nesta categoria

integramos capítulos de Cortes439, verbas de um livro da Câmara440, um acordo dos oficiais da Câmara441, artigos das Ordenações442, um livro do regimento do Corregedor da Corte443, um regimento do Corregedor da comarca444, registo das arrecadações antigas dos Contos de Lisboa445, livro de registos do Rei D. Fernando446 e uma carta testemunhável de um Corregedor de Comarca447.

iv) documentos judiciais: entre os documentos apresentados como prova

encontram-se sentenças diversas448, inquirições de testemunhas “de tempo antigo”449, autos de sentença450, um feito e inventário451 ou um processo judicial anterior (processo de feito)452.

vi) documentos notariais: nesta categoria são referidos, em termos concretos,

um contrato de casamento453, um testamento454 ou uma composição455, bem como, de forma genérica, escrituras ou instrumentos públicos diversos456.

437 S09, S18. 438 S09. 439 S67, S73, S87. 440 S39. 441 S73. 442 S34. 443 S85, S94. 444 S65. 445 S08. 446 S40. 447 S15. 448 S14, S15, S28, S29, S36, S40, S75, S74, S87, S94. 449 S87. 450 S40, S45. 451 S19. 452 S12. 453 S17. 454 S04. 455 S18. 456 S20, S26.

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O registo, na carta de sentença, da prova documental apresentada pode limitar-se a uma simples referência ao documento apresentado ou pode, de forma mais completa, fazer uma descrição do documento ou até mesmo o seu traslado457.

Vejamos alguns casos em que a prova documental é apresentada de forma mais pormenorizada:

- um instrumento público “em o qual se continha o traslado”de outro que jazia na arca do concelho, feito por Estevão Pires, notário e tabelião em Serpa a 3 de Abril de 1336 da era de César (1298) 458;

- certos traslados de cartas e escrituras tiradas da Torre do Tombo, a saber, uma carta do rei D. Dinis, feita em Montemor-o-Novo, selada com selo de chumbo e escrita por João Domingues a 4 de Janeiro de 1357 (1319); uma carta de sentença de Cortes Gerais do Rei Dom Afonso, filho do Rei D. Dinis, vistas e desembargadas por João Eanes Melão e Domingos Pais e outros Ouvidores de seus feitos, dada em Lisboa a 28 de Agosto de 1379 (1341) e escrita por Fernão Martins; uma carta do Rei D. Fernando dada em Elvas a 12 de Agosto de 1420 (1382); uma carta do Rei D. João I de 23 de Abril de 1431; outra carta do Rei D. Duarte dada em Évora a 25 de Abril de 1431459;

- um instrumento em pública forma de uma doação do Rei D. Fernando de 5 de Março de 1411 (1373)460;

- um livro escrito em pergaminho do regimento feito por Gil Eanes, Corregedor que foi da Corte de D. João I, “o qual livro de regimento constava ser feito” em Coimbra a 13 de Março da era de César de 1433 (1395)461;

- uma carta de transacção do Rei D. Duarte, datada de 15 de Abril de 1435462; - uma carta do Infante D. Pedro que se mostrava ser feita a 12 de Dezembro de 1436 e uma carta do Rei D. Afonso V de 26 de Dezembro de 1450463;

- um capítulo de cortes dado por D. Afonso V a 12 de Dezembro de 1460464; - uma sentença de D. Afonso V de 5 de Janeiro de 1461465;

457 Na carta de sentença S87 estão os traslados de verbas de inquirição de testemunhas, de uma sentença de D. Afonso V de 1461 ou de uma sentença de D. João de 1489.

458 S20. 459 S42. 460 S64. 461 S85. 462 S63. 463 S13. 464 S73. 465 S87.

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- três alvarás do Rei D. Afonso V, a saber, um “que parecia ser feito” por Henrique de Figueiredo a 23 de Setembro de 1477 em Penafiel; o segundo alvará feito por Martim Lopes a 16 de Abril de 1476 em Toro e o terceiro alvará pelo dito Henrique de Figueiredo a 26 de Agosto de 1476 em Lisboa466;

- uma sentença de D. João II, passada pelo juiz dos seus feitos na Vidigueira a 29 de Abril de 1489467.

Os documentos apresentados podiam ser originais (e o próprio original dos ditos autos [de certa sentença] nos foram enviados468; mandámos que o dito autor trouxesse a apresentação nossa e confirmação que tinha do Bispo da dita Igreja (…) o qual trouxe dois nossos alvarás escritos em papel e um estormento469; dando em ajuda dele [libelo] o dito contrato e confirmação nossa470; apresentando com ele o procurador do autor suas doações e títulos que tinha da vila de Colares471) ou traslados (traslado de um foral472; de cartas “conteúdas em um caderno de papel”473; de um instrumento público “que jazia na arca do concelho”474; da verba de um livro da Câmara475; duas verbas “tiradas do tombo e foral que tem” da terra de Santa Maria476). Frequentes são os traslados de documentos que se encontravam guardados na Torre do Tombo (certos traslados de cartas e escrituras “que foram por nossos oficiais e per nossa autoridade tiradas da Torre do Tombo477; certas verbas de inquirição de testemunhas de tempo antigo tiradas da Torre do Tombo478; “uma nossa carta de pergaminho selada de nosso selo” contendo certas verbas e tombos que saíram da Torre do Tombo479; dois tombos “que da nossa Torre do Tombo saíram” assinados por Gomes Eanes “nosso cronista e guarda da dita Torre e selado de nosso selo”480).

466 S44. 467 S87. 468 S45. 469 S13. 470 S17. 471 S90. 472 S21, S41. 473 S24. 474 S20. 475 S39. 476 S87. 477 S42. 478 S87. 479 S36. 480 S35.

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O juiz pode também ordenar determinadas diligências probatórias (e visto por nós antes de em ela darmos outro algum livramento mandámos que…481) para que seja apresentada prova documental no feito em causa. Vejamos alguns exemplos:

- O julgador manda ao Contador-Mor que escreva aos contadores “que estão em os Contos de Lisboa”, os quais, em cumprimento do mandado do Juiz, procuraram as arrecadações antigas que pertenciam ao feito e escreveram por sua carta o que nas ditas arrecadações acharam482;

- O julgador manda ao Contador do Príncipe D. João que fosse à Câmara da cidade de Coimbra e requeresse aos seus oficiais que lhe mostrassem o livro onde se encontrava o foral antigo da cidade e fizesse trasladar certa verba, enviando o traslado por sua carta483;

- O julgador manda aos Juízes da cidade do Porto que fizessem vir perante si o réu e o fizessem trazer certo regimento, fazendo seu traslado e enviando-o à Corte e que mandassem também vir perante si certo escrivão que tinha os autos da sentença passada e lhe mandasse que o original delas fosse enviado à Corte484.

Havendo dúvidas sobre a veracidade da prova documental, o tribunal tomava as diligências necessárias para saber a verdade. Assim se fez quando a Infanta D. Beatriz, opoente em certo feito, como tutora legítima de seu filho o Duque D. Diogo, Regedor da Ordem de Cristo, ofereceu certas escrituras, entre as quais uma do Rei D. Fernando, que fora tirada na Torre do Tombo. Para se saber a verdade e examinar a carta, foi mandado a Afonso de Óbidos, que tinha cargo da dita Torre, que mostrasse o livro dos registos do dito Rei e o levasse “à nossa relação a mostrar aos nossos desembargadores”. Afonso de Óbidos apresentou-se com os escrivães da Torre e o referido livro, no fim do qual (no cabo do livro) estava redigida a carta de doação “não por letra” do escrivão que o fizera. Foi perguntado a todos se sabiam como fora posto o dito registo no fim do livro e todos responderam que não sabiam. Fernão de Elvas, o escrivão que trasladara o livro, respondeu que não fizera aquele registo nem o achara nos livros velhos por onde o trasladara. Rui Lopes, também escrivão da Torre, respondeu que não sabia como o dito registo ali fora posto nem conhecia a letra, reconhecendo, contudo, que fora ele quem escrevera a carta apresentada pela Infanta, 481 S41. 482 S08. 483 S41. 484 S45.

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que parecia ser trasladada do dito registo, mas que, na verdade, fizera a carta por um traslado escrito em papel que lhe dera Gomes Eanes de Zurara, sendo guarda da dita Torre. O registo foi comparado com uma carta feita por Gomes Eanes, clérigo, criado de Zurara, e vistas as letras, foi achado que eram a mesma. As perguntas e exame que se fizeram foram escritas no dito feito e, “sendo já a verdade do dito feito sabida”, a Infanta desistiu da sua oposição e não quis prosseguir a contenda. O tribunal considerou que a carta fora posta falsamente no fim do livro, depois de acabado e encadernado485.