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CAPITULO 1 Loucura e Psiquiatria: condições históricas

1.4 O desenrolar da trama psiquiátrica no cenário brasileiro

Para se falar em psiquiatria em terras brasileiras torna-se necessário fazer menção a Medicina Social, uma vez que esses dois processos tiveram início amalgamados aqui no Brasil.

De acordo com Roberto Machado o nascimento da psiquiatria brasileira estaria relacionado às novas imposições da medicina através do controle estabelecido sobre a sociedade: “é no seio da medicina social que se constitui a psiquiatria” (MACHADO, 1978 p: 470).

Sobre esta discussão voltada à medicina social e sua relação com o espaço urbano o autor Peixoto (2010) afirma que:

Os propósitos da medicina social, e junto a ela o alienismo, encontram-se relacionados a uma estratégia civilizatória, à ordenação do espaço urbano, posta em marcha no Rio de Janeiro a partir da chegada da família real ao Brasil, e levada a cabo por uma nascente elite de hábitos europeizados, cujos interesses ligavam-se ao espaço público. O crescimento acelerado da cidade em um país eminentemente rural trazia problemas como a fermentação de uma população sem ocupação (PEIXOTO, 2010 p: 41).

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Destarte, o nascimento da medicina social mudaria o cotidiano das pessoas que de alguma forma incomodavam os hábitos de uma elite desejosa de manter seu status. Para tanto, esta elite voltou seus interesses ao espaço público, segregando grupos sociais da população e os recolocando em outros lugares. Com o discurso de sanar os problemas sociais urbanos.

Baseada nas leituras de Roberto Machado, Mirella Candido (2011), a qual realizou uma pesquisa no CAPS infantil em Campina Grande-PB, menciona o surgimento do manicômio como espaço comparado aos hospitais. Em termos de procedimentos interno no tratamento da doença mental eram quase os mesmos. Ao adotar como princípio de tratamento o isolamento, a ordem e o controle do tempo, as pessoas passaram a ser vigiadas sistematicamente para não entrarem em ociosidade.

Nestes espaços era possível estabelecer tais medidas com o aparato médico. Assim, “se o asilo é efetivamente a peça central do dispositivo da primeira medicina mental, ele o é como o lugar subordinador onde pode se desenrolar melhor a estratégia de intervenção psiquiátrica” (CASTEL, 1978 p: 116).

Além de ser uma medida revestida por um discurso de tratamento, seria uma forma de ‘proteção’ à sociedade de um ser que seria compreendido enquanto ameaçador. Este perigo, atribuído à pessoa com doença mental, deu sustentabilidade ao processo de exclusão social de alguns grupos.

Sobre as discussões relacionadas ao medo Pereira (2004), diz que o risco da periculosidade associado à doença mental, muitas vezes possibilitava o direito a assistência, no que se refere a loucura. A medicalização do asilo não trouxe novas modificações. Teria apenas reforçado medidas já existentes. A internação teria sido a base de construção das estratégias da ciência psiquiátrica. Sobre esta ciência vale salientar um momento específico que marcou a sua trajetória no Brasil: a construção do primeiro Hospício no País.

Conforme Costa (2007), em 1841 foi assinado pelo imperador D. Pedro II o decreto para a construção do primeiro Hospício no Brasil. No ano de 1852 foi inaugurado no Rio de Janeiro o Hospício Pedro II. A princípio sua administração foi confiada aos religiosos da Santa Casa de Misericórdia que, ao longo do século XIX, e nas primeiras décadas do seguinte, realizavam a assistência hospitalar.

As Santas Casas eram fundadas e mantidas pelas Irmandades da Misericórdia e viviam de donativos. Foi também mantenedora dos hospitais de quarentenas, os quais

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foram extintos no século XX, que recolhiam os leprosos. Administraram e mantiveram várias instituições de caridade tais como: Hospital Geral e o Hospício de Pedro II. A partir deste século os alienados foram considerados doentes mentais e passaram a ser acolhidos em hospitais construídos especificamente para estas pessoas.

Foi enviado para a Europa um médico da cidade do Rio de Janeiro para visitar os manicômios e estudar os métodos do médico francês Philippe Pinel (1745-1826). Desta forma, tem-se início a psiquiatria no Brasil com o Hospício Pedro II. Seus métodos terapêuticos eram baseados na experiência deste médico. Com o advento da República, o Hospício é desmembrado da Santa Casa de Misericórdia. Seu nome foi mudado para Hospital Nacional dos Alienados.

Alguns estudos, tais como os de Roberto Machado, demonstraram que os médicos psiquiatras compreendiam que seriam eles as pessoas capazes de estabelecer ação e gerência a tais estabelecimentos. “É atribuído a eles o direito de ser autoridade suprema na hierarquia asilar, na medida em que a função de tudo ver e tudo saber é nela mesma constitutiva do hospício como entidade terapêutica” (MACHADO, 1978 p: 448).

Após a instauração da República no Brasil, o hospício passou a ser chamado Hospital Nacional. Separado da administração da Santa Casa, ficou sobre a tutela do Estado. Foi observada a degradação da assistência à psiquiátrica. “O Hospital Nacional é simplesmente uma casa para detenção de loucos, onde não há tratamento conveniente, nem disciplina, nem qualquer fiscalização” (COSTA, 2007 p: 40).

Sobre este período a autora Pietra Diwan (2007) diz que antes das discussões sobre a psiquiatria outras já estavam sendo esmiuçadas nos ideais republicanos juntamente com os discursos de medicalização de uma sociedade vista como ‘doente’ e por isso deveria ser curada.

No Brasil, a busca por um corpo biologicamente saudável também fez parte dos preceitos de uma época em que as ideias eugênicas se estendiam pelo país. “O ideal de uma República embasada na igualdade e na democracia criou a necessidade de formalizar e gerar novos campos de saber, para a produção de corpos constituintes homogêneos” (DIWAN, 2007 p: 96).

Na Cidade Maravilhosa, palco de debates das ideias eugenistas, as discussões sobre a melhoria do povo brasileiro estavam sob o controle dos médicos psiquiatras. Além dessas discussões para a regeneração da sociedade brasileira, outros fatores estavam acontecendo: as Leis de assistência psiquiátrica, a criação de vários estabelecimentos para os ‘alienados’, a oficialização desta ciência enquanto

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especialidade médica autônoma, dentre outros que marcaram a trajetória da psiquiatria no Brasil na primeira metade do século XX. Nestes moldes originou-se a Liga Brasileira de Higiene Mental (LBHM).

Sobre o desenvolvimento da psiquiatria Jurandir Costa (2007) aponta a primeira metade do século XX como sendo um momento de atraso na história da psiquiatria da cidade do Rio de Janeiro. Este atraso repercutiria em todo o país porque ainda atendia ao discurso da psiquiatria francesa e baseava-se em práticas religiosas. As que permearam a psiquiatria nesta primeira metade do século em questão, nas procedências de tratamento nos manicômios começam a ser questionadas na década de 1970 na luta antimanicomial.

Aparentemente preocupados com a prevenção, o alvo não seria mais as pessoas doentes e sim as saudáveis. “A LBHM fez de sua tarefa fundamental a correção dos hábitos sociais das pessoas e o saneamento moral do país” (COSTA, 2007 p: 41).

Sobre a Liga e sua relação com a higiene social, bem como os discursos sobre a moral, complementando as discussões de Costa Oliveira (2011) diz que:

Sob a influência da psiquiatria alemã, a Liga defendia a eugenia enquanto Higiene social e destacava a necessidade de se criar instituições capazes de aceitar e aplicar uma nova moral para os doentes mentais e para a sociedade combatendo os maus hábitos. Bem como defendendo o saneamento moral do país através de uma política de prevenção e policialesca de intervenção nos costumes não só dos loucos, mas da sociedade, que viria assim ser pura e saudável (OLIVEIRA, 2011 p: 44).

Nesta concepção a sociedade deveria passar por um processo de higienização, separando os de bons costumes e os com hábitos reprovados.

Ampliando esta discussão Costa (2007) diz que os objetivos iniciais da instituição hospitalar voltaram-se à assistência aos doentes mentais. Mas, os psiquiatras elaboraram outros projetos cujas metas seriam a prevenção, a eugenia e a educação desenvolvidas por estes profissionais no interior dos estabelecimentos psiquiátricos, deixando quase negligenciados os planos principiantes.

Esta discussão aparecerá no próximo capítulo. Antes optei por apresentar passagens do cotidiano de pessoas que estiveram do lado interno dos ‘monumentos’ erguidos para ‘guardar’ as pessoas consideradas loucas.

A opção por este próximo tópico se deu para que os leitores possam perceber como as pessoas desta narrativa se reportavam sobre as experiências de internamento.

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Saliento que as personagens viveram em épocas diferentes e as interpretações sobre as mesmas tem relação com o momento vivenciado.

1.5 - Três registros sobre o hospício no Brasil: Rocha Pombo, Lima Barreto e