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O “desenvolvimentismo social” e a sistematização das unidades de conservação

PERÍODO CATEGORIA INSTRUMENTO DE CRIAÇÃO

3.4. O “desenvolvimentismo social” e a sistematização das unidades de conservação

A partir do início do século XXI, com arrefecimento das ideias neoliberais no país, apresenta-se um novo período marcado pela retomada do

planejamento nacional (STEINBERGER, 2006) sob novas bases48. Nesse

sentido é possível identificar alguns fatos importantes para a dimensão territorial e ambiental respectivamente. Para a dimensão territorial, destaca-se a retomada de tal dimensão no discurso, com ênfase no regional e a retomada da ideia de interiorização, a partir de estratégias como a integração do mercado com a promoção do consumo de massa. Já no que se refere à dimensão ambiental, destaca-se a implementação do SNUC.

A referida nova orientação do planejamento como um todo, e também para a sua dimensão territorial, pode ser lida no discurso dos PPAs elaborados a partir do governo Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) – cujo modelo de planejamento seria seguido e aprofundado pela sua sucessora na presidência da República, Dilma Roussef. O primeiro PPA do governo Lula da Silva, elaborado para 2004-2007, inaugurando a orientação que marca o novo período, segundo Lessa, Couto e Farias (2009), teve como estratégica básica a promoção do mercado interno a partir do consumo de massa, traçando seus objetivos para as áreas social, econômica e institucional, para lograr o que denomina de “crescimento ambientalmente sustentável” e “redutor das disparidades regionais”, dinamizado pelo mercado de consumo de massa (LESSA; COUTO; FARIAS, 2009, p. 98), o que esboça, no nível do discurso, a ligação da dimensão territorial e ambiental no planejamento.

48Sob novas bases porque se trata de uma orientação distinta da dos períodos anteriores, seja

por que agora o contexto é formalmente democrático (em contraposição, por exemplo, ao regime autoritário do segundo período aqui identificado), seja porque o ideário neoliberal perde sua hegemonia (ao contrário do que era verificado no terceiro período) ou, pelo menos, apresenta-se de maneira distinta.

Já o PPA seguinte (2008-2011) começa a ser gestado a partir do

Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)49, destacando investimentos

em infraestrutura, como a ferrovia Norte-Sul, o complexo hidrelétrico do rio Madeira, a usina termelétrica nuclear Angra 3, o que sinaliza um esforço de amarração das agendas já formuladas no âmbito de tal programa. Lessa, Couto e Farias (2009), destacam ainda os programas sociais, no seio da mesma estratégia anteriormente formulada de crescimento do mercado a partir do consumo de massa. Outro ponto relevante é uma retomada do discurso de interiorização do desenvolvimento, revisitando a já antiga expressão da “marcha para o Oeste” brasileiro, agora pensado como ponto de apoio para a integração regional sul-americana. Nessa senda, outro aspecto de destaque na elaboração desse PPA é a consideração da “dimensão territorial”, ao menos no que se refere ao discurso oficial.

A dimensão territorial do desenvolvimento ganha espaço dentro da nova estratégia. A valorização das realidades sub-regionais e seu papel na construção de uma agenda de desenvolvimento do país ecoa no discurso oficial. A incorporação da dimensão territorial à estratégia promoveria, entre outros, um apoio à integração sul- americana e à inserção competitiva autônoma no mundo globalizado (MPOG apud LESSA; COUTO; FARIAS, 2009, p. 103).

No que se refere à incorporação da dimensão territorial no planejamento contemporâneo, Aldomar Rückert (2010) destaca iniciativas como a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), o Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira (PDFF), a discussão da Política

Nacional de Ordenamento Territorial (PNOT)50, o Programa Nacional dos

Territórios Rurais Sustentáveis e uma proposta de regionalização na elaboração do referido PPA 2008-2011 (RÜCKERT, 2010, p. 20).

Esse mesmo espírito, calcado em iniciativas que se adjetivam territoriais ecoou também na elaboração do PPA 2012-2015, que, segundo Brandão (2011), traça seus objetivos com o discurso da redução das desigualdades regionais e entre o urbano e o rural, a sustentabilidade ambiental e a geração de emprego e distribuição de renda, apresentando-se como “uma visão

49Embora não entremos nesse mérito, cabe a refletir se o PAC não guardaria um pouco do

espírito de “dotação de infraestruturas para a expansão dos mercados” do período anterior.

estratégica, participativa e territorializada para o planejamento governamental” (BRANDÃO, 2011, p. 23).

Resta investigar, no entanto, até que ponto as ações efetivas a partir desse plano são coerentes com o referido discurso apresentado, considerando o grande desafio para um planejamento que acorde com as demandas reveladas na dinâmica territorial atualmente. Notadamente, a incorporação da dimensão territorial no planejamento esbarra, segundo Brandão (2011), na lógica orçamentária que é hegemônica no âmbito das instituições. Nesse sentido, é emblemático o papel do Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão, que se apresenta muito mais ligado ao orçamento em si, a ser repartido com base no lobby por recursos das distintas pastas dos ministérios, culminando na elaboração das políticas públicas desarticuladas. Para o autor, “A lógica orçamentária e os interesses setorialistas e conservadores não deixam avançar ações estruturantes” (BRANDÃO, 2011, p. 25) e, destarte, um planejamento territorialmente coerente.

De todo modo, a despeito do peso da lógica orçamentária, é louvável a presença da discussão acerca da dimensão territorial nos distintos planos, políticas e programas para a escala nacional e as demais, o que pode indicar traços de uma retomada do planejamento territorial e as bases para efetiva inserção da dimensão territorial na agenda pública. Para tanto, são tributários os comandos constitucionais para a elaboração do PPA (BRASIL, Constituição Federal de 1988, Art. 165, 1º), a consideração da redução das disparidades regionais (Art. 3º, III) e a competência da União de elaborar planos de ordenamento territorial (Art. 21, IX). Segundo Rückert (2010)

O atual desafio posto ao Estado, aos governos e à sociedade civil é a implementação dos princípios estabelecidos pela Constituição Federal de 1988, que consagrou o planejamento da atividade econômica e a redução dos desequilíbrios regionais. O processo de redemocratização, a descentralização de poder para estados e municípios, as práticas de poder com enfoque territorial reemergem como práticas em múltiplas escalas de poder e gestão. Tal processo coincide com o início do trasbordamento das discussões sobre a recuperação do conceito de território que assim, chega, progressivamente, às práticas de políticas territoriais em escalas supra-nacional, nacional, meso regional e regional local. (RÜCKERT, 2010, p. 21).

Sem negligenciar as debilidades das iniciativas contemporâneas no que tange à coerência com seu objeto, a partir da constatação de um movimento

ascendente desde o início deste século da “inegável retomada da formulação de políticas públicas sob o comando do Estado Nacional Brasileiro” (STEINBERGER, 2006, p. 30), visão que é ratificada por Rückert (2010), que vê “uma tendência de recuperação de parte do papel dirigente do Estado Desenvolvimentista” (RÜCKERT, 2010, p. 28). Trata-se, segundo Steinberger (2013), de

um modelo híbrido, denominado de ‘desenvolvimentismo social’, pós- neoliberal ou liberal periférico, no qual convivem medidas predominantemente voltadas para o mercado interno e para saldar dívidas sociais históricas com medidas do receituário neoliberal, como as privatizações. No bojo desse modelo, o Estado Nacional reassume proeminência por meio de uma atuação marcada pelo aparelhamento de seus quadros e pela retomada da produção de políticas públicas nacionais. (STEINBERGER, 2013, p. 62).

Trata-se, portanto, de uma retomada do planejamento e de uma revalorização da sua dimensão territorial neste novo período, agora sob uma nova orientação, calcada no referido modelo do “desenvolvimentismo social”, que, todavia, como é possível denotar da discussão acima, ainda não tem seus traços claramente definidos, pois se trata de um modelo que está em efetivação.

Esse contexto de um modelo que se está afirmando no presente período, também poderia ser identificado para a dimensão ambiental do planejamento e, destacamos aqui, para as áreas protegidas.

Se o SNUC foi aprovado no final do terceiro período (discutido anteriormente), os efeitos da sua implementação estão sendo percebidos neste quarto e atual período, pois agora se processa a implementação desse instrumento de política pública.

Um dos avanços mais expressivos a partir do SNUC é que acentuou-se a instituição de unidades de conservação no país, tanto em número quanto em área, coroando uma tendência que já vinha se esboçando desde os períodos anteriores (gráfico 1).

Quadro 3 – Número e extensão de unidades de conservação federais antes e após o SNUC

Elaboração do autor.

Dados: Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC)/MMA (janeiro de 2010)

Gráfico 1 – Número e área de unidades de conservação federais criadas por período51

Elaboração do autor.

Dados: CNUC/MMA (janeiro de 2010) apud Medeiros, Irving e Garay (2010).

De todo modo, apesar dos avanços para as dimensões ambiental e territorial, é válido asseverar que o atual sentido dessas duas dimensões em termos de planejamento, parece guardar ainda algumas debilidades, destacando-se a falta de uma articulação efetiva nas duas agendas. A retomada do planejamento territorial sob orientação do “desenvolvimentismo social”, a despeito das pressões dos distintos grupos envolvidos do movimento ambientalista e demais setores envolvidos, parece reproduzir ações desarticuladas com a política ambiental lograda, que encara diversos avanços, mas tem dificuldades no sentido de ações transversais, permanecendo em certa medida com um caráter de política reativa. Nesse sentido, se as dimensões territorial e ambiental se esboçam atualmente em distintas iniciativas de planejamento, embora careçam ser incorporados de modo efetivo, urge uma compatibilização entre essas duas dimensões em termos de planejamento, o que passa por uma visão ampla e complementar de território e ambiente.

51Como discutimos ao longo desse capítulo, os referido períodos não se dividem pó década.

Desse modo, o esboço dos períodos neste gráfico sofreu uma aproximação. Pela falta de dados sistematizados ou a viabilidade de sistematizar os dados primários, utilizamos os presentes dados secundários para esboçar a evolução das UCs ao longo dos anos.

Afinal, como discutimos no capítulo 1, territorial e ambiental são duas dimensões indissociáveis da dinâmica espacial; além disso, são duas dimensões que se complementam em termos de planejamento, como discutimos no capítulo 2. Carece, pois, efetivá-las como tal. Talvez seja esse um dos grandes desafios para o ordenamento territorial, que nesse sentido também tem uma dimensão ambiental, e para distintos instrumentos que podem se apresentar para tanto, como o SNUC – cujo mérito é discutido no próximo capítulo.

4. A PROTEÇÃO AMBIENTAL COMO NORMA TERRITORIAL NA