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O desenvolvimento do sofrimento psíquico no trabalhador

CAPÍTULO II: A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA O

2.1 O desenvolvimento do sofrimento psíquico no trabalhador

Verificamos que o modelo contemporâneo de organização do trabalho ainda possui algumas características do taylorismo, sendo um modelo de organização conhecido e aplicado na indústria e posteriormente em outras instituições.

A partir da Revolução Industrial houve a evolução das tecnologias que tinha como função propor conforto ao homem, mas percebe-se que o que aconteceu foi que o trabalho físico se tornou mais leve, porém psicologicamente se tornou um trabalho árduo, pesado e fonte de repetição e competição.

Como conseqüência a busca pela sobrevivência faz com que as empresas independentemente de seu tamanho já não garantam mais a sobrevivência do trabalhador no mercado de trabalho.

Começam ocorrer dessa forma transformações organizacionais entendidas como perigo para os trabalhadores, originando-se o sofrimento psíquico, bem como a revolução técnica é outro fator de ameaça. Portanto as vivências de sofrimento estão associadas à divisão e padronização de tarefas, pouca ou nenhuma utilização do potencial técnico e da criatividade, rigidez hierárquica, o que leva ao excesso de burocracia, centralização das

informações, não participação nas decisões, baixa perspectiva de crescimento profissional e o não reconhecimento.

Conforme nos traz Dejours (1999), o trabalho contém vários elementos que influenciam a formação da auto-imagem do trabalhador, o que gera sofrimento, assim como as situações de medo e tédio também levam ao sofrimento, refletido em sintomas como ansiedade e insatisfação, bem como as tarefas realizadas pelo trabalhador muitas vezes não se assemelham às suas aspirações, ocorrendo desestruturação das relações psicoafetivas com os colegas de trabalho, a despersonalização com relação ao produto, entre outros.

A partir do momento que a psicopatologia do trabalho passou a se chamar psicodinâmica do trabalho, o foco deixou de ser a saúde mental e passou a ser o sofrimento e o prazer no trabalho, na tentativa de compreender as estratégias de defesa individuais e coletivas para preservar o equilíbrio psíquico.

Portanto como fonte de sofrimento tem o próprio corpo que pode acabar decadente, sendo que o sofrimento originado das relações entre sujeitos é considerado um dos mais penosos segundo Freud (1930), mas conforme a psicanálise o perigo não pode ser considerado somente externo, pois com a descoberta do inconsciente a fronteira interna e externa se desfez, existindo situações que ameaçam o sujeito a partir do seu interior, ainda que o destino dado às manifestações do sofrimento pode levar a intensificação ou conservação, diminuição ou aumento da vontade de viver, portando marcas do inconsciente.

Conforme nos traz Dejours (1999), o sofrimento tem origem na mecanização, na robotização das tarefas, nas pressões, nas imposições da organização do trabalho, na adaptação à cultura organizacional, representada nas pressões do mercado de trabalho, nas relações com os clientes e com o público, criação de incompetências, pois o trabalhador se sente incapaz quando acontece retenção de informações, destruindo a cooperação.

Ainda diz o autor que o trabalhador precisa fazer o que não fazia antes, o que implica em reprovação, não passando pela questão moral ou social, correndo o risco de perder a identidade. O sofrimento pode desestabilizar a identidade e a personalidade, levando a problemas mentais, mas também é elemento para a normalidade, sendo considerado saudável o enfrentamento das imposições e pressões do trabalho, surgindo o prazer, pois o sofrimento é transformado.

Nos dirá Dejours (1980) que:

... Se o trabalho permite a diminuição da carga psíquica, ele é equilibrante, se ele se opõe a esta diminuição, é fatigante. A energia psíquica se acumula, transformando-se em fonte de tensão e de desprazer, a carga psíquica cresce até aparecerem a fadiga e depois a astenia, e na seqüência a patologia: é o trabalho fatigante. (DEJOURS, 1980)

O trabalho que não permite acomodação ao trabalhador é tido como insuportável, é trabalho fatigante, pois a carga psíquica de trabalho aumenta quando a liberdade de organização diminui. A tarefa prescrita e a atividade real desencadeiam um custo psíquico para o trabalhador, trazendo conseqüências para a organização do trabalho, pois o sujeito se coloca em estado de esforço permanente para conseguir dar conta da realidade, podendo não ter nada a ver com seus limites pessoais, o que gera sofrimento.

Portanto Mendes (1995) dirá que o sofrimento é caracterizado por sensações desagradáveis que provêm da não satisfação de necessidades. São de origem inconsciente e estão relacionados aos desejos mais profundos do sujeito, que podem se revelar em forma de projetos ou expectativas. Somos levados a compreender a idéia de Freud (1930) que é citado pela referida autora de que o sofrimento não tem origem na realidade exterior, mas nas relações que o sujeito estabelece com a realidade, ou seja, o trabalho do ponto de vista do mundo externo representa fonte de prazer ou sofrimento conforme as condições externas são oferecidas, podendo atender ou não a satisfação dos desejos inconscientes.

Dejours (1987) dirá que, quando o trabalhador está insatisfeito com o conteúdo significativo de uma tarefa, ele experimenta um sofrimento mental que pode levá-lo a desenvolver doenças somáticas. Dessa forma ele crê que o sofrimento define-se da seguinte forma:

... O sofrimento começa quando a relação homem-organização do trabalho está bloqueada; quando o trabalhador usou o máximo de suas faculdades intelectuais, psicoafetivas, de aprendizagem e de adaptação. Quando um trabalhador usou de tudo de que dispunha de saber e de poder na organização do trabalho e quando ele não pode mais mudar de tarefa; isto é, quando foram esgotados os meios de defesa contra a exigência física. (DEJOURS, 1987, p. 52)

Em contrapartida, o trabalho pode proporcionar bem-estar e satisfação que advêm da livre articulação do sujeito com o conteúdo da tarefa, ou seja, quando o trabalhador tem

liberdade de escolher a tarefa que irá executar e consequentemente poderá se expressar, o que é visto como um fator equilibrante, pelo fato de permitir a descarga de energia psíquica do trabalho, ou seja, quando o sujeito consegue colocar sua subjetividade na atividade que está realizando.

Portanto quanto maior a rigidez do modo de organização do trabalho maior o sofrimento, pois o trabalho não é legível ao individuo, sendo de difícil modificação. A rigidez diminui ou elimina a liberdade, bem como a autonomia.

Outro fator que está ligado ao sofrimento psíquico do trabalhador é a exposição do trabalhador à tensão que se origina da sobrecarga, que demanda mais atenção e rendimento do trabalhador para além de sua capacidade, ou do tempo disponível, podendo ser prejudicial, pois afeta a produtividade, a satisfação do trabalhador com a organização.

Portanto é possível compreender que o trabalhador precisa executar as atividades conforme a organização lhe oferecer condições de trabalho suficientes para aquela atividade e que ela resulte em êxito. Caso contrário, a organização passa a cobrar de forma provocativa o resultado não atingido, sendo que o trabalhador acaba acreditando nessa colocação e desenvolve uma relação de sofrimento consigo e com a organização.

O trabalhador que enfrenta o sofrimento psíquico busca maneiras de evitar o adoecimento físico e psíquico através de estratégias de enfrentamento do sofrimento que desenvolvem defesas psíquicas no sujeito, transformando o sofrimento em prazer. Mas caso se der o fracasso do enfrentamento do sofrimento e as estratégias não surtirem efeito, o trabalhador será acometido pelo adoecimento no trabalho, que lhe trará conseqüências, como, por exemplo, a possibilidade de afastamento do trabalho.

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