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O direito à educação na Constituição Federal de 1988

CAPÍTULO 1 EDUCAÇÃO: UM DIREITO DO TRABALHADOR?

1.4 O DIREITO DO TRABALHADOR À EDUCAÇÃO NA DIMENSÃO DO

1.4.2 O direito à educação na Constituição Federal de 1988

Os direitos fundamentais são oxigênio das Constituições democráticas.

Paulo Bonavides

Na dimensão constitucional contemporânea, o direito à educação é consolidado

como direito social fundamental.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 inaugurou uma

nova ordem jurídica como resposta a um longo período de restrição de direitos

fundamentais e repressão, constituindo o Estado Democrático de Direito e assumindo

como fundamentos a soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, o valor

social do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político (art. 1.

o

).

Estabeleceu que os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil

são: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento

151 SIFUENTES, Mônica. O acesso ao ensino fundamental no Brasil: um direito ao desenvolvimento.

Rio de Janeiro: América Jurídica, 2001. p.27. 152 Ibid., p.28.

nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais

e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,

idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3.

o

).

A Constituição de 1988 marca o início de uma nova fase que coincide com o

processo de democratização do País, no qual houve a incorporação de relevantes

instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos.

153

O grande diferencial do atual paradigma de Estado instituído pela Constituição

Federal de 1988, segundo Lara Parreira, "está na democracia". Isso porque, "o processo

democrático", muito além de constituir um "processo político formal de tomada de

decisões, [...] é um conceito com um conteúdo substancial fundado em direitos humanos":

O significado de democracia foi construído dependendo dos direitos humanos (os quais, a nível nacional, adquirem a forma de direitos fundamentais ao serem positivados na Constituição de cada país) e para garantir direitos

fundamentais aos indivíduos, ainda que o conceito de processo democrático

gere muita discordância. [...] A democracia como simples procedimento pode criar um ordenamento jurídico que leve a um autoritarismo das massas. Por

isso, a importância em se aliar a democracia à concretização dos direitos humanos, conferindo conteúdo humanístico às normas e políticas produzidas democraticamente. Para o próprio desenvolvimento da democracia como

um procedimento de formação de leis e políticas públicas, é essencial que haja o desenvolvimento dos direitos humanos. Assim, democracia e direitos humanos são interdependentes, uma vez que a democracia é o único

regime político compatível com os direitos humanos.154

É assim que, com o advento da Constituição democrática, o direito à

educação passa a ser mensurado como um valor de cidadania e de dignidade da

pessoa humana, condição para realização dos ideais da República.

155

A educação assume relevância para a concretização da igualdade material,

pois "os seres humanos só poderão ser verdadeiramente iguais quando a todos forem

153 PIOVESAN, Flavia. A Constituição brasileira de 1988 e os tratados internacionais de proteção dos

direitos humanos. EOS - Revista Jurídica da Faculdade de Direito, v.2, n.1, p.25, jan./jun. 2008. São exemplos de normas internacionais ratificadas pelo Brasil após o advento da Constituição de 1988: o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966); o Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador – 1999); a Convenção sobre os Direitos da Criança

(1989); a Convenção da OIT n.o 140, relativa à Licença Remunerada para Estudos (1974); e a

Convenção da OIT n.o 142, sobre Desenvolvimento de Recursos Humanos (1975).

154 BORGES, Lara Parreira de Faria. Espiando por trás da persiana: um olhar sobre a discriminação

traduzida em assédio moral organizacional contra mulheres. São Paulo: LTr, 2015. p.25-26. (grifos acrescidos).

155 SIFUENTES, Mônica. O acesso ao ensino fundamental no Brasil: um direito ao desenvolvimento.

concedidos os mesmos níveis de amplo acesso ao conhecimento ou de aptidão para

assimilar a informação e os fundamentos sobre as fontes de irradiação da vida".

156

A Constituição ainda considera que a educação é uma necessidade vital

básica do ser humano, estabelecendo que o salário mínimo deve ser suficiente para

provê-la, juntamente com outros direitos (art. 7.

o

, IV).

157

Para Paulo Bonavides os direitos sociais básicos são fundamentais para se

realizar a igualdade material nas sociedades, de modo a garantir um equilíbrio

na efetividade constitucional, pois "uma vez desatendidos, se tornam os grandes

desestabilizadores das Constituições".

158

Tais direitos se voltam para o desenvolvimento

e aperfeiçoamento da ordem social, inserindo-se na esfera de luta, controvérsia e

mobilidade, ao passo que alojados na Constituição "concorrem materialmente para

fazê-la dinâmica".

159

Desse modo, além de abrir-se à prevalência dos direitos humanos como

princípio orientador das relações internacionais, a Constituição de 1988 consagra o

valor da dignidade humana como princípio fundamental, que se alia aos demais direitos

fundamentais para conferir suporte axiológico a todo o sistema jurídico.

160

A educação é elevada à condição de direito fundamental, como direito de todos,

dever do Estado e da família, a ser promovida e incentivada com a colaboração da

sociedade, cuja finalidade é o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o

exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (art. 205).

161

156 LOPES, Mônica Sette. Apresentação. In: SIFUENTES, Mônica. O acesso ao ensino fundamental

no Brasil: um direito ao desenvolvimento. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2001. p.2. De acordo com Lara Parreira, "a igualdade material, que levará à plenitude de participação no processo democrático, demanda a garantia e a concretização de direitos fundamentais de forma inclusiva a todos os indivíduos para a configuração de um verdadeiro sentido de Estado Democrático de Direito. Ou seja, não é possível existir democracia sem a plenitude dos direitos humanos

fundamentais" (BORGES, Lara Parreira de Faria. Espiando por trás da persiana: um olhar sobre a

discriminação traduzida em assédio moral organizacional contra mulheres. São Paulo: LTr, 2015. p.28). (grifos acrescidos).

157 "Art. 7.o

IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas

necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde,

lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;" (grifos acrescidos).

158 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2006. p.379.

159 Ibid., p.380.

160 PIOVESAN, Flavia. A Constituição brasileira de 1988 e os tratados internacionais de proteção dos

direitos humanos. EOS - Revista Jurídica da Faculdade de Direito, v.2, n.1, p.25, jan./jun. 2008. Nesse sentido, DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2006.

161 José Afonso da Silva conclui que é a combinação do art. 6.o

com o art. 205 que propicia essa elevação da educação ao nível dos direitos fundamentais. (SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 19.ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p 315).

O artigo 206 da Constituição Federal estabelece os princípios que servirão de

base para o ensino: "igualdade de condições para acesso e permanência na escola";

"liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber";

"pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições

públicas e privadas de ensino"; "gratuidade do ensino público em estabelecimentos

oficiais"; "valorização dos profissionais da educação escolar"; "gestão democrática

do ensino público"; e "garantia de qualidade do ensino". Traça ainda as diretrizes da

regulação jurídica do trabalho dos profissionais da educação (art. 206, parágrafo único).

A Constituição Federal ainda outorga autonomia didático-científica, administrativa

e de gestão financeira e patrimonial das universidades, as quais devem obedecer ao

princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão (art. 207).

Quanto ao dever do Estado, a Constituição estabelece que será efetivado

mediante a garantia de educação básica obrigatória e gratuita, progressiva universalização

do ensino médio gratuito, extensão do atendimento educacional aos portadores de

necessidades especiais, educação infantil, acesso ao ensino superior segundo a

capacidade de cada um, oferta de ensino noturno conforme as condições do educando

e de material didático, transporte, alimentação e assistência à saúde, durante a

educação básica (art. 208).

O dever do Estado com a gratuidade da educação escolar pública se restringe

à educação básica, que compreende a educação infantil, o ensino fundamental e o

ensino médio. Trata-se de um direito público subjetivo, que se não prestado pode

ensejar a responsabilização da autoridade competente (art. 208, § 1.

o

e 2.

o

). Esse

tratamento dado pela Constituição elevou a educação fundamental à categoria de

serviço público essencial.

162

Na Constituição de 1988, o ensino privado é condicionado ao cumprimento

de normas gerais da educação nacional, autorização e avaliação de qualidade pelo

Poder Público (art. 209). A Constituição ainda fixa o tratamento administrativo e fiscal a

ser dispensado na atuação dos entes da federação (art. 211 a 213).

A obrigação das empresas de fornecerem educação escolar aos seus

empregados, prevista nas Constituições anteriores, já não mais é contemplada no

Texto Constitucional de 1988.

162 SIFUENTES, Mônica. O acesso ao ensino fundamental no Brasil: um direito ao desenvolvimento.

Entretanto, a integração do direito à educação ao rol dos direitos do trabalhador

está garantida pelo próprio Texto Constitucional. Isso porque o art. 7.

o

da Constituição

Federal estabelece que são direitos do trabalhador, além dos expressamente arrolados

naquele dispositivo, os que "visem à melhoria da sua condição social".

Ademais, o direito à educação, como direito fundamental que é, diante do

plano estabelecido pelo Constituinte, não se constitui em um mero programa, mas

direito com eficácia imediata (art. 5.

o

, § 1.

o

da CRFB) oponível ao Estado e aos

particulares, devendo ser progressivamente efetivado por todos.

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