• Nenhum resultado encontrado

O direito à educação no constitucionalismo brasileiro de 1824 a 1967

CAPÍTULO 1 EDUCAÇÃO: UM DIREITO DO TRABALHADOR?

1.4 O DIREITO DO TRABALHADOR À EDUCAÇÃO NA DIMENSÃO DO

1.4.1 O direito à educação no constitucionalismo brasileiro de 1824 a 1967

A educação é tema contemplado no Direito Constitucional brasileiro desde a

primeira Constituição outorgada por D. Pedro I, em 1824, no período da monarquia.

143

140 BARBAGELATA, Héctor-Hugo. Los principios de Derecho del Trabajo de segunda generación.

IUSLabor, n.1, p.6-7, 2008. (tradução livre da autora).

141 Ibid., p.10-12.

142 Rúbia Zanonelli afirma que "desumanizar as relações sociais é desqualificar o respeito

fundamental pelo homem e o amor mútuo pelo próximo. Ao cultivarmos a essência dos direitos humanos, exalamos solidariedade, ética, doçura, delicadeza e amor às coisas aparentemente desprezíveis". (ALVARENGA, Rúbia Zanotelli. O direito do trabalho como dimensão dos direitos humanos. São Paulo: LTr, 2009. p.138 e 164).

143 Pretende-se fazer uma breve análise da evolução constitucional do direito à educação, sem a

Na Constituição de 1824, a educação foi elencada no rol de direitos civis e

políticos, garantindo-se a gratuidade da instrução primária a todos os cidadãos e o

ensino dos elementos das "Sciencias, Bellas Letras, e Artes" nos "Collégios, e

Universidades" (art. 179, incisos XXXII e XXXIII).

A Constituição republicana de 1891, absorvendo reflexos do liberalismo da

América do Norte, foi bastante tímida em relação ao direito à educação, demonstrando

que este não era o interesse primeiro do Estado.

144

Resumiu-se a prever a competência

privativa do Congresso Nacional para legislar sobre o ensino superior (art. 34, n.

o

30)

e concorrente para criação de instituições de ensino superior e secundário nos

Estados, bem como para prover a instrução secundária no Distrito Federal (art. 35,

n.

o

2.

o

e 3.

o

).

A Constituição de 1934 apresentou avanços de natureza social inspirados na

Constituição Mexicana (1917) e na Constituição alemã, de Weimar (1919).

145

No que

tange à educação, absorveu em parte a influência do movimento escolanovista.

146

Nesse contexto é que a Constituição de 1934 estabeleceu a educação como um

direito de todos, brasileiros e estrangeiros, devendo ser ministrada pela família e pelos

Poderes Públicos a fim de possibilitar "eficientes fatores da vida moral e econômica

da Nação” e desenvolver a “consciência da solidariedade humana”. (art. 149).

144 SIFUENTES, Mônica. O acesso ao ensino fundamental no Brasil: um direito ao desenvolvimento.

Rio de Janeiro: América Jurídica, 2001. p.25.

145 Fábio Konder Comparato afirma que a despeito dos avanços em matéria de direitos sociais

apresentados pelo documento, "foi, sem dúvida, pelo conjunto das disposições sobre a educação pública e o direito trabalhista que a Constituição de Weimar organizou as bases da democracia social" (COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2003. p.117).

146 FOLLY, Felipe Bley. Da educação inscrita com timbre constitucional: garantias formais e desafios

materiais do ensino escolar brasileiro. In: CLÈVE, Clèmerson Merlin et al. (Org.). Direito constitucional brasileiro: constituições econômicas e social. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. v.3. p.421-432. p.421-432.

O movimento escolanovista se opunha à escola tradicional, instalada para uma "concepção burguesa de mundo". Teve como marco o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932), documento assinado por diversos intelectuais da área, como Anísio Teixeira e Cecília Meirelles, no qual defendiam a escola única, pública, obrigatória, laica, gratuita, cuja função educacional deveria ser finalística e economicamente autônoma. A escola idealizada teria por objetivo o desenvolvimento da capacidade vital do ser humano, independentemente das suas condições econômicas, agregando as dimensões intelectuais e manuais do conhecimento, desde o ensino primário até a universidade. (MANIFESTO DOS PIONEIROS. O Manifesto dos Pioneiros da

A responsabilidade do Estado foi compartilhada entre União, Estados e

Municípios (art. 151), mas dependente de regulamentação por meio do plano nacional

de educação com diretrizes já fixadas pela Constituição: ensino primário integral

gratuito e obrigatório; ensino ulterior ao primário com tendência obrigatória a fim de

se tornar mais acessível; liberdade de ensino em todos os graus e ramos, nos

termos da legislação; ensino ministrado no idioma pátrio; limitação de matrículas à

capacidade didática do estabelecimento, com previsão de realização de seleção

com critérios objetivos para esse fim; reconhecimento das instituições de ensino

dependente da valorização do corpo docente com estabilidade e remuneração condigna

(art. 150).

Na década de 1930, o Brasil vivia um momento no qual a maior parte da

população ainda era analfabeta, prova disso é que o censo de 1940 apontou que

mais da metade da população não sabia ler e escrever

147

. Assim, tornou-se fundamental

à atução de outros atores sociais, de certo modo respaldada na própria constituição,

que continha dispositivo que atribuía às empresas o dever de proporcionar ensino

primário gratuito aos trabalhadores e familiares:

Art. 139 - Toda empresa industrial ou agrícola, fora dos centros escolares, e onde trabalharem mais de cinqüenta pessoas, perfazendo estas e os seus filhos, pelo menos, dez analfabetos, será obrigada a lhes proporcionar ensino primário gratuito.

A Carta de 1937, apesar de ter criado restrições aos direitos individuais e suas

garantias, pois inspirada no modelo fascista, continuou a prever que o ensino primário

era gratuito e obrigatório, apresentando um grau de inspiração social ao estabelecer

que essa gratuidade não excluía “o dever de solidariedade dos menos para com os

mais necessitados"(art. 130).

148

Destaque para a determinação de que as indústrias

e os sindicatos econômicos criassem escolas para capacitação dos trabalhadores e

seus filhos:

147 FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS (FGV). Educação e desenvolvimento: o debate nos anos

1950. Disponível em: <http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/JK/artigos/Educacao/Anos1950>. Acesso em: 14 nov. 2015.

148 SIFUENTES, Mônica. O acesso ao ensino fundamental no Brasil: um direito ao desenvolvimento.

Art. 129. É dever das indústrias e dos sindicatos econômicos criar, na esfera da sua especialidade, escolas de aprendizes, destinadas aos filhos de seus operários ou de seus associados. A lei regulará o cumprimento desse dever e os poderes que caberão ao Estado, sobre essas escolas, bem como os auxílios, facilidades e subsídios a lhes serem concedidos pelo Poder Público.

Embora fosse competência privativa da União a fixação das bases e diretrizes

para formação física, intelectual e moral da infância e juventude (art. 15, IX e 16,

XXIV), observa-se uma atuação subsidiária do Estado na promoção da educação

em níveis superiores ao do ensino primário, pois consignava o dever estatal de

assegurar o ensino em todos os graus na hipótese de faltarem recursos necessários

à educação em instituições particulares (art. 125). Também fica clara a segregação

da modalidade de educação, a depender da classe social, destinando-se o ensino

profissional às classes menos favorecidas (art. 129).

149

A Constituição de 1946 pôs fim ao período de autoritarismo.

150

Consignou a

universalidade da educação, que teria como espaço de concretização o lar e a escola,

sob inspiração dos princípios de liberdade e dos ideais de solidariedade humana

(art. 163). Reafirmou a gratuidade do ensino primário e o ulterior ao primário, diante

da insuficiência de recursos do educando, bem como o dever das empresas de

manter ensino primário gratuito para servidores e seus filhos, e ministrar aprendizagem

aos trabalhadores menores, nos seguintes termos:

III - as empresas industriais, comerciais e agrícolas, em que trabalhem mais de cem pessoas, são obrigadas a manter ensino primário gratuito para os seus servidores e os filhos destes;

IV - as empresas industrias e comerciais são obrigadas a ministrar, em cooperação, aprendizagem aos seus trabalhadores menores, pela forma que a lei estabelecer, respeitados os direitos dos professores;

A partir do golpe militar de 1964, a Constituição de 1946 recebeu diversas

emendas, ocasionando um grave retrocesso à ordem política e social.

A Carta constitucional de 1967, apesar de outorgada e com claro viés autoritário,

manteve diversos dispositivos da Constituição de 1946, como a universalidade do

149 BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao37.htm>. Acesso em: 06 mar. 2016.

150 SIFUENTES, Mônica. O acesso ao ensino fundamental no Brasil: um direito ao desenvolvimento.

direito à educação, além da obrigatoriedade e gratuidade do ensino. A gratuidade se

daria no caso de insuficiência de recursos e poderia ser suprida pela concessão de

bolsas de estudo.

151

A Constituição de 1967 previa, ainda, a obrigatoriedade de concessão de

ensino primário por empresas aos trabalhadores e seus filhos e de aprendizagem

aos trabalhadores menores; e o caráter supletivo do ensino federal em detrimento

dos sistemas instituídos pelos Estados e Distrito Federal (art. 168, 169 e 170).

A Emenda Constitucional n.

o

1 de 1969 não alterou de maneira significativa

as disposições sobre a educação. Destaca-se, contudo, que pela primeira vez foi

empregada a expressão "a educação é direito de todos e dever do Estado" (art 176,

caput).

152

Além disso, em substituição ao dever de manter ensino primário gratuito aos

trabalhadores, as empresas passariam a ter a faculdade de contribuir com o salário-

educação, nos termos da lei (art. 178).