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5 ALGUMAS QUESTÕES DA TEORIA GERAL DO DIREITO

5.3 O DIREITO PROCESSUAL NO CONTEXTO DA TEORIA DA

5.3.1 O direito processual como objeto cultural

O direito processual, para efeito desta pesquisa, será considerado a partir do processualismo científico, pois as bases sobre as quais se está trabalhando parte de uma teoria científica do direito, o que, na esfera do processo, ocorreu a partir da publicação na Alemanha da obra de Oscar Von Bülow em 1868. Destaca-se o trabalho de Alcalá- Zamora que, antes da publicação do livro de Von Bülow, já havia tratado do direito processual com fundamento teórico-científico. É adequado mencionar que com o surgimento de uma teoria do direito, desenvolvida a partir de uma epistemologia positivista, o processo, como parte da ciência do direito sofre seus influxos, havendo a sintetização da teoria do processo.

Esta análise demanda reflexões profundas porque o direito caminha historicamente ao lado da economia e da política através de vínculos sutis que, em determinados momentos, são exacerbados levando à revelação desses laços, e à percepção de que há um estado de subordinação do direito à economia e à política, na medida em que convalida as práticas ali adotadas.

Nesse sentido, os fatos que ocorreram entre a derrocada do feudalismo e a estruturação de uma sociedade industrial, no campo da

política, da economia e da filosofia, são determinantes para a elaboração da teoria do direito e por via de conseqüência da teoria do processo. É importante destacar a estruturação do Estado como ente público, representante dos interesses da nação e portador do direito enquanto norma de regulação das condutas humanas. Cronologicamente, isto ocorre no século XVIII, tendo sido importantíssimos os trabalhos de Rousseau188, Descartes e Montesquieu189. Ao pontuar filósofos e pensadores não há a intenção em desmerecer todos os estudiosos que contribuíram para a sistematização de uma corrente teórica, mas apenas delimitar as idéias.

A par da gravidade quanto a afirmação do estado de subordinação do direito deve ser esclarecido ainda que esta constatação não lhe reduz a importância como mecanismo de estruturação das organizações societais, mas permite sua localização como objeto cultural de pesquisa. Ganham, nesse sentido, em profundidade, os estudos a respeito da crítica quanto às finalidades que o direito tem cumprido ao longo de sua história.

Em conseqüência do cartesianismo que, posteriormente, alicerçou a metodologia de Descartes e que assegurou a estruturação do

188

Jean Jacques Rousseau. (Suíça, 1712/1778). 1762 – “O Contrato Social”. Teoria política do pacto social segundo o qual todos os homens são iguais perante às leis que são criadas de acordo com a vontade do povo expressa através do soberano escolhido pelo voto direito.

189

Charles Louis de Secondat – Barão de Montesquieu. (França, 1689/1755). 1748 - “O Espírito das Leis”, onde expôs a “Teoria da separação dos poderes”.

positivismo, foi incorporada entre os estudiosos do direito a idéia da existência de uma autonomia do direito processual desvinculada da teoria da ciência do direito. Este equívoco tem prejudicado o desenvolvimento do direito processual porque uma vez isolado está sendo desconsiderada sua referência como objeto cultural. Quer se referir ao fato de que, no campo do direito processual, têm crescido as correntes tecnicistas e, às vezes, até cientificistas em prejuízo da sua compreensão como integrante de uma ciência social aplicada, como atualmente tem se referido ao direito, cujo objeto central de estudos é o Homem em suas múltiplas maneiras de interatividade com o meio social e natural. O direito, assim, representa o elo regulador e garantidor dessas relações.

Identificada a perspectiva teórica de abordagem do direito como ciência através de uma pesquisa baseada em uma hermenêutica crítica tendo em vista a crise do paradigma dominante proposto pela Revolução Francesa com os axiomas positivistas da “liberdade, igualdade e fraternidade”, o estudo ora realizado procura verificar no direito público, através dos preceitos fundamentais (princípios, regras e postulados normativos) erigidos na Constituição brasileira de 1988, as referências teóricas para a análise do direito processual e, mais

precisamente, do processo de execução em um contexto adequado à ciência do direito.

É possível afirmar que os problemas relacionados à insatisfação que o processo está enfrentando quanto à morosidade na entrega da prestação jurisdicional e quanto ao questionamento a respeito da segurança jurídica estão ligados ao fato do equívoco anteriormente mencionado. Isto quer dizer que a linguagem do direito processual ainda está presa ao paradigma da epistemologia positivista, enquanto a ciência do direito está assimilando a linguagem de uma epistemologia crítica.

Sob uma ótica sistêmica em que a teoria da ciência do direito orienta as partes integrantes do sistema jurídico e, simultaneamente, comunica-se com o meio exterior através do conteúdo cultural da linguagem, os sistemas de interação do direito processual não conseguem produzir um nível satisfatório de comunicação intrinsecamente em qualquer dos seus sentidos, criando para a estrutura do sistema jurídico um déficit comunicacional.

A causa mais provável deste déficit deve ser pertinente à fragmentação nos estudos do direito processual como ramo autônomo da ciência do direito e, sobretudo, pelo fato de que ainda se estuda o direito processual como sistema fechado.

Não deve ser confundida a autonomia do direito processual em relação ao direito material e em relação à teoria da ciência do direito. Não se vislumbra a possibilidade da compreensão do direito processual fora da teoria do direito, embora, no sistema jurídico, possa ser reconhecida a autonomia do direito processual em relação ao direito material, entendidos como partes daquela organização.

Essas colocações podem ser evidenciadas através da observação de que as transformações nos meios de produção levaram às mudanças nas estruturas de poder político, o que, por sua vez, produziu condições sócio-culturais para o florescimento das filosofias iluministas as quais refletiram o quadro do positivismo filosófico e científico e do empirismo lógico. O direito assimila este quadro através da teoria pura kelseniana. Há naquele momento histórico uma consonância, pois, a teoria geral do direito produz no campo do processo a teoria “geral” do processo. É perceptível a univocidade lingüística do sistema jurídico, concebido como fechado. Nesse sentir as estruturas lingüísticas estavam adequadamente organizadas e, portanto, eram capazes de realizar os fins aos quais se destinavam. Pode ser afirmado que havia a satisfatória entrega da prestação jurisdicional, que é onde se localiza o fim último do direito positivo.

Com isso quer se referir ao fato de que a “justiça” era considerada elemento intrínseco ao sistema, como ingrediente integrante da norma jurídica.

As expectativas em relação ao cumprimento das promessas iluministas foram e, em certa medida, ainda estão sendo desencantadas. A substituição do conhecimento produzido pelo senso comum, pelo conhecimento científico não melhorou a vida humana sob uma perspectiva geral.

Não parece razoável acreditar que o progresso materialista com a invenção de métodos de tratamentos revolucionários para a saúde, a criação de máquinas e equipamentos impensáveis em um passado próximo, a superestruturação das instituições do Estado e tantas outras novidades da vida contemporânea tenham sido capazes de resolver os problemas da humanidade. Isto é justificado pelo fato de que a ciência iluminista e moderna não previu ou sequer evitou as conseqüências irremediáveis da postura positivista.

Na seara do direito, o holocausto para o mundo ocidental é revelador das possíveis conseqüências de uma ciência realizada com base em uma epistemologia positivista.

No século XX, novos eventos históricos levaram aos questionamentos sobre o papel da ciência e do direito. Destaca-se a

segunda guerra mundial, a revolução comunista soviética, a alteração gradual do modo de produção industrial para o modelo constituído a partir da tecnologia e da informação, onde o trabalho manual é substituído por máquinas e não há espaço para a absorção das pessoas no trabalho técnico e científico.

Sob todos os ângulos que se possa observar a vida contemporânea, é possível identificar um grau considerável de insatisfação humana quanto aos efeitos produzidos pela ação científica moderna. Isto não se deve pela ausência de resultados significativos quanto às conquistas que tenham melhorado setorialmente a qualidade da vida humana, mas em decorrência de que há um excesso de resíduos negativos produzidos por esta ciência que supervalorizou o objeto em relação aos sujeitos do conhecimento.

No direito, isto se reproduz na medida em que este não tem conseguido realizar a prestação jurisdicional de forma compatível com os valores da eficiência e rapidez que orientam a modernidade. Esta insatisfação pode ser assimilada como consectário de uma epistemologia que desprestigiou os aspectos culturais da linguagem em favor de sua forma estruturalmente lógica, quando seria razoável que antes se considerasse o direito sob o enfoque de suas relações para então tratar dos aspectos formalistas que lhes são pertinentes. A questão em relação a

isto pode ser situada no fato de que mesmo após a teoria da ciência do direito ter assimilado este problema e operar com uma epistemologia positiva culturalista e, mais recentemente, com uma epistemologia crítica, o direito processual permanece preso à linguagem de uma epistemologia positivista em fase de superação.

No campo do direito processual, foi criado um apego à idéia da autonomia, contudo, sem que se tivesse percebido que isto não poderia estabelecer uma desvinculação da teoria da ciência do direito, sob pena de se verificar um saldo residual deficitário nos procedimentos comunicacionais do direito processual em relação à realização efetiva e segura da jurisdição.

O direito processual deve ser compreendido como parte integrante do sistema jurídico que é norteado pela teoria da ciência do direito, portanto, devendo ser estudado como objeto cultural. Compreendê-lo depende de reconhecer os vínculos que mantém com o meio social, econômico e político, através da linguagem que utiliza.

A atual perspectiva do direito processual deve, ainda, observar os princípios Constitucionais da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal e do juiz natural, estabelecidos no artigo 5º; tendo como postulado fundamental a dignidade da pessoa humana, que está expresso no artigo 1º, III.

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