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1.2 O crime no jornal: entre credibilidade e sensacionalismo

1.2.4 O discurso da emergência e a relegitimação do sistema penal

A despeito de todas as descobertas teóricas sobre as suas funções reais e o descompasso disso com suas promessas, convive-se na atualidade com a busca por uma relegitimação do sistema penal. E, além da legitimação quotidiana do

308 BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas. op. cit.

309 HALL, Stuart et. al. op. cit. p. 356. Tradução do original em inglês: “It is not merely coincidental that

the language used to justify action against any potential group of trouble-makers deploys, as one of its critical boundary markers, the imagery of criminality and illegality […]”.

310 BARATTA, Alessandro. La política criminal y el derecho penal de la constitución... op. cit. p. 31.

Tradução livre do original em espanhol: “Los crímenes ‘tradicionales’ se inscriben al interior del estereotipo de la criminalidad del ‘sentido común’, y dominan las campañas alarmistas sobre ellos. La opinión pública y los medios de comunicación de masas, representan generalmente estos delitos adoptando un esquema de repartición de los roles de la víctima y del agresor que corresponde normalmente, en gran medida, a la relación entre grupos sociales privilegiados y ‘respetables’ de una parte, y grupos marginales y ‘peligrosos’ de la otra (extranjeros, jóvenes, tóxico-dependientes, pobres, sin familia, desempleados o sin calificación profesional)”.

sistema penal operada pelos discursos dos MCM, nota-se que a atualidade é fértil em exemplos onde os mesmos, mais do que operarem essa legitimação auxiliam na relegitimação.

Essa tendência encontra respaldo em outras características marcantes das notícias, o sensacionalismo e a espetacularização. Essas características permeiam todas as editorias dos jornais, porém, é no crime que atingem sua máxima significação.

É importante ter em conta que a notícia é uma mercadoria, quando se considera que são produtos de empresas como quaisquer outras. Dessa maneira, é necessário criar uma aparência de valor de uso no jornalismo, o que o leva “a sensacionalizar a vida política, econômica e social de determinada formação histórica”.311 De qualquer forma, pode-se afirmar que o conceito de notícia é orientado pelo singular, ou seja, pelo diferente, fora do comum. O problema é que o excesso de singularização, como ocorre nos chamados jornais sensacionalistas leva que o seu conteúdo seja conservador. “[...] Os jornais sensacionalistas geralmente produzem um discurso de reforço dos valores, como meio para excitar não apenas as sensações como também os preconceitos morais do público”.312

O sensacionalismo garante os lucros necessários à manutenção das empresas de comunicação. “O combate ao crime, como o próprio crime e particularmente o crime contra os corpos e a propriedade privada, dá um excelente e excitante espetáculo, eminentemente assistível”.313 Diante disso, o sensacionalismo é uma forma de transformar o acontecimento de tal forma que ele se torne mais atrativo ao consumidor.

[...] os comunicadores tentam ganhar expectação e diversão pintando a criminalidade como algo inaudito, enigmático, sinistro, extraordinário e misterioso. O acontecimento criminal é grotesco; suscita um agradável estremecimento de horror, faz possíveis a complacência e a altivez moralizantes do não criminal, que pode destacar-se do autor do fato punível.314

311 MARCONDES FILHO, Ciro. O capital da notícia: Jornalismo como produção de segunda

natureza. 2 ed. São Paulo: Ática, 1989. p.30.

312 GENRO FILHO, Adelmo. O segredo da pirâmide: Para uma teoria marxista da notícia. Porto

Alegre: Ortiz, 1997. p. 198.

313 BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,

1999. p. 126.

314 CERVINI, Raúl. Incidencia de las “mass media” en la expansion del control penal em

latinoamerica. Revista brasileira de ciências criminais, São Paulo, ano 2, n.5, p. 37-54, janeiro- março 1994. p. 46.

Ao mesmo tempo em que o crime é informação, também é entretenimento, o que pode ser exemplificado através de programas pseudojornalísticos como Linha Direta e Brasil Urgente. Nesse contexto, deve-se ressaltar que a espetacularização é uma das características que, em contraponto à busca pela credibilidade, acaba por tomar conta das notícias sobre crimes.

A espetacularização da realidade pela mídia foi exposta e criticada por Debord, em 1967, em um texto polêmico sobre a sociedade francesa de sua época. Expõe que a vida das sociedades onde as condições de produção modernas se sobrepõem é uma acumulação de espetáculos, no sentido de que tudo passou a ser vivido a partir de representações, não mais diretamente.315 Explica ele que “a realidade surge no espetáculo, e o espetáculo é real. Essa alienação recíproca é a essência e a base da sociedade existente”.316 A despeito da radicalidade de suas afirmações, a idéia de que a imagem se sobrepõe à realidade tem respaldos em outras teorias.

Um exemplo claro disso é a forma como se dá a política na atualidade. Constata-se que a dimensão do espetáculo em volta da questão da segurança pública busca ocultar o fato de que o sistema penal não cumpre e nem tem o objetivo de cumprir com a sua função declarada. O sistema penal exerce, na verdade, uma função simbólica diante da opinião pública e “o déficit da tutela real dos bens jurídicos é compensado pela criação, junto ao público, de uma ilusão se segurança e de um sentimento de confiança no ordenamento e nas instituições que tem uma base real cada vez mais fragilizada”.317

Assim, confirmando a lógica do espetáculo, pode-se afirmar que a crise da função instrumental da justiça penal demonstra que não é ela que serve para resolver conflitos,

[...] são determinados problemas e conflitos que ao atingirem um certo grau de interesse e de alarme social no público se convertem num pretexto para uma ação política destinada a obter não tanto funções instrumentais específicas, mas sim uma outra função de caráter geral: a obtenção do consenso buscado pelos políticos na chamada “opinião pública”.318

Os conflitos que legitimam a adoção de posturas repressoras são justamente

315 DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. 316 ibid. p.15.

317 BARATTA, Alessandro. Funções instrumentais e simbólicas do direito penal... op. cit. p. 22. 318 ibid. p. 23.

propagados pelo sensacionalismo da mídia. Os sentimentos de medo e insegurança também são dessa forma reproduzidos. Apesar de o sentimento de insegurança possivelmente vir a se originar em situações estruturais, como é o caso do desemprego, da instabilidade que caracterizam o período atual, o medo não se dirige diretamente contra ele, sendo canalizado contra o crime. A luta contra essa insegurança é canalizada na adoção de medidas contra uma criminalidade construída socialmente como a pior ameaça à sociedade.

Cohen explica que a natureza da informação recebida sobre os comportamentos obtidos como desviantes são uma crucial dimensão para entender a reação a ela. Sendo essas informações transmitidas pelos meios de comunicação de massa e, portanto, em segunda mão, sabe-se que a informação já foi processada, e, para isso, poderia ter tido definições alternativas, dependendo da forma de coleta e apresentação. Além disso, as escolhas realizadas para o processamento da informação são condicionadas por constrangimentos comerciais e políticos. Essas escolhas refletem também o fato de que a mídia por muito tempo operou-se como agente de indignação moral, e a partir da transmissão das notícias pode gerar inquietações, ansiedade, indignação ou pânico.319 Essa sensação de pânico pode levar ao sentimento de que os valores precisam ser protegidos, gerando assim as pré-condições para a criação de novas regras ou definição de problemas sociais.320

A partir dessas informações processadas também se modifica a forma de controle social, sendo que “a galeria de tipos folclóricos – heróis e santos, tanto bons como bobos, vilões e demônios – é publicizada não exatamente na tradição oral e no contato face a face, mas para audiências muito extensas e com recursos dramáticos muito grandes”.321 Assim, dizer que as informações são expostas em segunda mão para a sociedade significa que isso ocorre de forma que “a ação ou atores interessados sejam descritos de forma altamente estereotipada”.322

Esse estereótipo se refere à construção social da delinqüência e do delinqüente, concluindo-se que os dois grandes princípios tipicamente seguidos nas informações sobre delitos são o princípio da dicotomia entre bons e maus e o

319 COHEN, Stanley. Folk devils and moral panics. 3 ed. London and New York: Routledge, 2002. 320 ibid.

321 ibid. p. 8. 322 ibid.

princípio do suspense.323

Vemos, assim, passo a passo, como a construção social da notícia, mediatizada pelo poder econômico e político, vai gerando atitudes e valores, isto é, elementos de juízo, para que se crie um sentimento de insegurança que é absolutamente seletivo. Esse processo indica o que é que se deve temer, deixando na sombra situações e condutas abertamente danosas que, entretanto, não causam temor.324

Diante disso, apenas a parcela mais frágil da população é responsabilizada pelo problema da criminalidade, sendo o sentimento de insegurança voltado contra ela. Cria-se uma rejeição a essa parcela da população, o que origina discursos reacionários, “canalizando-se contra ela a agressividade coletiva, e não contra os detentores do poder”. 325

Para atender à aclamada demanda por segurança pública, o aumento da repressão penal toma o lugar dos investimentos sociais, implementando-se não somente medidas jurídicas autoritárias com a edição de leis, mas da modificação da atuação até mesmo da polícia nas abordagens que faz nos bairros pobres, e na própria execução penal. A delinqüência é entendida, portanto, como “um problema de ordem pública” e não como problema social.326

A produção do medo irreal frente à criminalidade e as atividades de índole política criminal, que provocam uma punitividade injustificada são os dois planos de efeitos relacionados por Hügel para o excesso de cobertura de fatos violentos pela mídia.327 Pelo fato de que o alarde de crimes violentos é muito grande, causa-se a impressão perante o público de que eles acontecem de forma tão corriqueira quanto os pequenos crimes de rua.

Para Zaffaroni, a atuação dos meios de comunicação de massa diante dos sistemas penais latino americanos justifica o trabalho de suas agências pelo simples fato de que eles são os seus aparelhos de propaganda. Assim, o poder “configurador, disciplinar, normalizador ou verticalizante” do sistema penal latino americano se justifica através de seu aparato de propaganda, especialmente quando

323 ANIYAR DE CASTRO, Lola. op. cit. 324 ibid. p. 216.

325 ibid. p. 217. 326 ibid. p. 234.

327 HÜGEL, Carlos. La patología de la comunicación o el discurso sobre criminalidad en los medios

masivos. In: FONT, Enrique A.; GANÓN, Gabriel E. H.; SAGARDUY, Ramiro (orgs). Criminología

se percebe o grande espaço destinado à violência na mídia.328 “Eles são as fábricas de realidade, que induzem os medos que legitimam e desencadeiam as campanhas de lei e ordem quando o poder das agências encontra-se ameaçado”.329 Desse ponto de vista, os meios de comunicação acabam assumindo importantes funções, como a fabricação seletiva dos estereótipos do criminoso, chegando a afirmar que “nossos sistemas reproduzem sua clientela por um processo de seleção e condicionamento criminalizante que se orienta por estereótipos proporcionados pelos meios de comunicação de massa”.330 Considera que os meios de comunicação de massa “são hoje elementos indispensáveis para o exercício de poder de todo o sistema penal”.331

No contexto brasileiro, a indução de medos também sempre ocorreu com o objetivo de adoção legitimada de estratégias de neutralização e disciplinamento do povo. A partir dessa observação insere-se a tese de Malaguti Batista, “de que a hegemonia conservadora na nossa formação social trabalha a difusão do medo como mecanismo indutor e justificante de políticas autoritárias de controle social”.332 A autora analisa situações em que na atualidade essa difusão do medo, com a contribuição decisiva dos meios de comunicação de massa, auxiliou na adoção de práticas que geraram muitas mortes e conflitos, como a ocupação militar das favelas cariocas na década de 1990. Diante disso, mostra que “o medo é a porta de entrada para políticas genocidas de controle social”.333

Em função da noticiabilidade dos crimes graves e da difusão de estereótipos do criminoso e da vítima, que não correspondem à realidade, tendo em vista que o crime está distribuído em todas as parcelas da população, o jornalismo também contribui com a difusão de medos contra as mesmas pessoas. Delimita-se dessa maneira o inimigo da sociedade, hoje representado perfeitamente no Brasil pelo pobre favelado.

Assim, “a implantação de um sistema penal que tem tradição genocida, seletiva e hierarquizadora”, encontra reforço na aliança entre a estrutura social

328 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Globalização e sistema penal na América Latina... op. cit. p. 63. 329 idem. Em busca das penas perdidas... op. cit. p. 129.

330 ibid. 133. 331 ibid. p. 127.

332 MALAGUTI BATISTA, Vera. O medo na cidade do Rio de Janeiro: Dois tempos de uma história.

2 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003. p. 23.

333 idem. Medo, genocídio e o lugar da ciência. Discursos sediciosos: crime, direito, sociedade, Rio

brasileira, onde ainda permanece a herança escravocrata, aliada aos fenômenos inerentes ao capitalismo tardio. O medo permite esse reforço, e o papel da mídia nesse sentido é essencial, garantindo, através de um necessário discurso moral sobre o crime, a perpetuação de “um sistema penal de extermínio”.334 No jornal residem os discursos a partir dos quais se exige a adoção de medidas, que, segundo Malaguti Batista, possuem muitas vezes a característica de discursos higiênicos. No Rio de Janeiro é comum a utilização de expressões como “operações de limpeza”, nos jornais, para designar atuações da polícia em incursões nas favelas, com o resultado de exterminar as pessoas que constituem a sujeira.335 Tendo em vista que se constrói a idéia de que a favela é o caos e a sujeira, a ordem e a limpeza só podem ser conseguidas através da eliminação. “O discurso que animaliza o mal recorre a duas figuras: extermínio ou limpeza, mas tanto uma quanto a outra têm o mesmo sentido, eliminação. Os discursos higiênicos conduzem ao extermínio”.336

Isso demonstra que a reprodução dos discursos de emergência no jornalismo pode contribuir com o genocídio quotidiano das nossas regiões marginais, demonstrando que resta pouco do ideal liberal e democrático que envolveu historicamente a imprensa. Através desse meio, os discursos mais conservadores e autoritários se reproduzem, legitimando a tortura e a morte, características de um Estado ditatorial.

Alguns programas de televisão que envolvem a questão do crime já foram objeto de análise por autores, e os resultados dessas pesquisas esclareceram a chave do papel da mídia no sistema penal.

Um exemplo disso é o estudo de Kleber Mendonça sobre o programa Linha Direta, ao verificar que a construção da verdade jornalística não diz mais respeito à objetividade. Diz respeito, isto sim, à

[...] capacidade de uma produção de sentido específica, construída a partir da imagem como vetor consensual que, ao produzir o efeito de realidade, constrói também a certeza da incompetência do poder público, o pânico social fruto da sensação de catástrofe iminente e o conseqüente desejo de vingança, que será canalizado para a efetivação da denúncia.337

334 idem. O medo na cidade do Rio de Janeiro... op. cit. p. 106. 335 ibid. p. 116-121.

336 ibid. p. 116.

337 MENDONÇA, Kleber. A punição pela audiência: um estudo do Linha Direta. Rio de Janeiro:

Com isso, o programa auxilia na construção de uma realidade, que leva, diretamente, à prisão de pessoas que certamente ficariam mais tempo foragidas. Passa a mídia a ser, portanto, mecanismo não apenas de controle social informal, mas na medida em que se insere como órgão receptor de denúncias, repassando-as à polícia, e acompanhando a prisão com as câmeras em punho, um mecanismo de controle social formal. Além dos direitos afrontados pelo programa pela própria exposição pública dos foragidos, por vezes sequer condenados (inviolabilidade da imagem, honra, as garantias da presunção de inocência, e mesmo do princípio da dignidade da pessoa humana), o programa ainda é investido de um “poder de polícia” que provocou e provoca fatos terríveis, como linchamentos e mortes quando do reconhecimento dos foragidos.338

Nesse sentido, Nilo Batista demonstra que no capitalismo tardio, não há mais como identificar a mídia apenas como agência de comunicação social do sistema penal, com uma função comunicativa. A mídia vem assumindo nesse contexto um papel de agência executiva do sistema penal, ao influenciar diretamente no curso das investigações policiais ou mesmo do processo.339

A questão é que a proposta de verdade exposta na mídia por vezes se contrapõe à verdade jurídica, e diante dela consegue prevalecer.340 A partir da análise do programa Linha Direta, somada a análises de Deleuze sobre a sociedade de controle, Mendonça elabora uma hipótese inspirada na análise foucaultiana do sistema punitivo das sociedades de soberania e disciplinar. Para ele, as novas relações de poder advindas na época das transmissões em tempo real, diferentemente da soberania e da disciplina, implicam a importância da imagem, e não do controle sobre o corpo ou sobre o tempo produtivo. 341

Diante dessa percepção, a sociedade atual parece começar a incluir uma nova modalidade de execução de penas, qual seja “a execução pública de uma imagem respeitável, condenação decretada a partir de verdades instauradas não somente pela Justiça, mas também por um veículo mediático com autoridade

338 ibid. p. 114.

339 BATISTA, Nilo. Mídia e sistema penal no capitalismo tardio. Discursos sediciosos: crime, direito

e sociedade, Rio de Janeiro, ano 7, n. 12, p. 271-288, 2º semestre de 2002.

340 ibid. p. 125. 341 ibid. p. 128.

reconhecida pela sociedade”.342

Sendo assim, os meios de comunicação de massa executam tarefas inerentes às atividades das agências do sistema penal. Produzem um inquérito por vezes com direito a gravações de imagens e voz, acusa, condena e ainda executa a pena. A começar pela difusão de discursos que legitimam atitudes arbitrárias por parte das agências executivas, dentro da idéia de que “bandido deve sofrer”, e de que os direitos fundamentais significam “tolerância à bandidagem”, 343 os meios de comunicação de massa possuem ainda a tarefa de executar a pena de execração pública do “criminoso”, que pode inclusive sequer ter sido acusado formalmente.

Desta forma retomou-se nos nossos dias a antiga função infamante de intervenção penal que caracterizou o direito penal pré-moderno, onde a pena era pública e o processo penal corria em segredo. Apenas que a berlinda e o colar de ferro hoje foram substituídos pela exibição pública do acusado nas primeiras páginas dos jornais ou na televisão, e isto não após a sua condenação mas após a sua incriminação, ainda quando o imputado é presumido inocente.344

As violações à pessoa realizadas pelos próprios meios de comunicação de massa podem ser vistas no abuso em relação à utilização da imagem dos acusados, bem como a divulgação de sua identidade e o mais grave: a afirmação de sua culpa antes que haja sentença transitada em julgado. A pena instituída pelos meios de comunicação é a execração pública do suspeito ou acusado, a violação de sua imagem, honra, estado de inocência, sua estigmatização, de forma irrecuperável.

Mesmo partindo da idéia de que os meios de comunicação são apenas uma das instâncias de controle social informal e que, inclusive, as informações divulgadas por meio deles passa por um complexo processo de transformação a partir das interações sociais, é possível afirmar que os mesmos ocupam um lugar central. A começar pelo seu papel no controle social informal, na legitimação do sistema, na sua relegitimação através das campanhas de lei e ordem, e terminando na sua atuação periódica como uma agência mesmo do controle social formal.

A partir dessa base teórica, o próximo capítulo buscará enfocar o estudo da construção social da criminalidade nos conflitos agrários. Além da delimitação do objeto, busca-se com essa análise ressaltar o fenômeno especificamente nesse

342 ibid. p. 129.

343 WACQÜANT, Loïc. As prisões da miséria... op. cit. p. 10.

344 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: Teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais,

âmbito, o que é também tarefa complexa, pois as relações sociais no campo têm arraigadas a história da concentração da terra do Brasil, e a luta contra essa concentração tem um efeito simbólico a ser analisado.

2 A CONSTRUÇÃO SOCIAL DOS CONFLITOS AGRÁRIOS NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

A partir dos pressupostos teóricos analisados no capítulo anterior, em especial a convicção de que a realidade é socialmente construída, é necessário discutir a forma como ocorre a construção social dos conflitos agrários, em especial da parte das agências de controle social, formal e informal. O objetivo é o de verificar de que maneira esses conflitos são delimitados, diante da percepção de que as relações sociais se caracterizam, desde o princípio, pela conflitualidade.345