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O discurso mestiço na tessitura da publicidade

Condições de aplicação dos recursos sintáticos

A- Utiliza-se da linguagem coloquial, obtida a partir do

5.2 A mestiçagem como fator criativo

5.2.2 O discurso mestiço na tessitura da publicidade

Nas manifestações culturais da sociedade, os reflexos desta retícula são apresentados através da tessitura. Uma vez mais se recorre a um processo técnico para elucidar um procedimento cultural. A tessitura é a criação de um tecido através de uma trama de fios. Trançados os fios, nas cores e desenhos designados pelo projetista, têm-se as marcas indeléveis

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destes elementos constituintes no tecido obtido. Estes são seus elementos caracterizadores, e se por um lado, tornam impossível transformar este tecido do ponto de vista do desenho, da trama e da cor (a não ser através de tingimento posterior, mas este é um processo adicional), por outro são os elementos que lhe conferem personalidade e individualidade. Assim se dá com os produtos culturais de uma sociedade que, criados a partir de retícula cultural, trazem indelevelmente marcados em sua tessitura alguns elementos caracterizadores.

A publicidade brasileira, impregnada em sua tessitura de tais elementos, revela um comportamento criativo decorrente dele. Do resultado desta aproximação não se pode dizer que é gerada uma “identidade” brasileira porque se há identidade, há o idêntico e em processos contínuos de evolução não há elementos idênticos e sim elementos fruto da evolução daquele último a partir de infinitos outros elementos (característica central da hibridação). Tal raciocínio não permite dizer, também, que há então um elemento de origem, pois não há como determinar tais elementos. O início do processo é, com grande margem de segurança, impossível de ser identificado.220

Existem, isto sim, elementos constituintes dos processos de linguagem que neste momento, mais que justamente, já podem ser tratados unicamente por processos culturais, e analisados à luz da hibridação.

Alguns elementos gráfico-visuais, presentes nos processos criativos da publicidade, são caracterizadores dos procedimentos que influenciam seus resultados. A estes elementos denominaremos ícones, pois têm o poder de representar o objeto de forma direta, exatamente como cabe à comunicação publicitária, incumbida de criar mensagens facilitadoras da transmissão de conteúdos.

Não se trata da inexistência elementos indiciais ou simbólicos nos anúncios, mas é adequado adotar a sabedoria popular, que chama de ícone de uma cultura uma música, uma obra de arte, um elemento arquitetônico de uma cidade ou um elemento que seja representativo daquele contexto.

Os elementos culturais vistos e empregados diariamente na publicidade vêm tornando-se universais, e esta é uma tendência da publicidade mundial, que quer universalizar as marcas e por

220 Estes conceitos foram desenvolvidos em aula pelo prof. Amalio Pinheiro e há uma concordância em relação às suas palavras para evitar

possíveis enganos terminológicos. Por mais difícil que possa parecer desfazer-se da idéia de identidade cultural nacional, é preciso pensar que, acreditar em processos híbridos e dinâmicos automaticamente exclui processos identitários.

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isso precisa universalizar os apelos publicitários. Isto não se aplica apenas nos casos em que a origem é vital para o negócio, como a cachaça brasileira ou o uísque escocês.

Campanhas como a das Sandálias Havaianas, com objetivo de posicionar o produto a partir do conceito de que “é chique ser brasileiro”, abusam de florestas, araras, vitórias-régias, entre outros ícones.

É oportuno lembrar que a publicidade brasileira dos anos 30-50 tinha inspiração européia, mais especificamente francesa e inglesa, o que transparecia nos trajes femininos, nomes dos produtos, no maior valor dos produtos importados e no fato de valorizarem a cultura européia.

O mesmo ocorreu, entre as décadas de 50-60, com relação à cultura norte-americana, quando valioso era usar termos em inglês, consumir produtos americanos, vestir-se como os modernos americanos etc.

Nos últimos 10 ou 15 anos assistimos ao nascimento de campanhas com o objetivo de posicionar produtos como tipicamente brasileiros, com o objetivo de agregar valor aos mesmos e posicioná-los como “é chique ser brasileiro”.

A Campanha “Real Beleza” da Natura, por exemplo, teve seus primeiros anúncios criados e veiculados em 1992 e tinha o objetivo de mostrar mulheres como elas são, ou seja, cheinhas, de pele não tão clara, de cabelo não loiro ou liso, de corpos não perfeitos. Os anúncios, na pessoa da empresa, vangloriam-se inclusive se ter adotado o nome “anti-rugas” em lugar de “antiidade”, assumindo a idéia de que a real beleza é assumir a idade que se tem, cuidando-se mas não disfarçando-a. Na esteira deste posicionamento, são encontradas mulheres morenas, de cabelo cacheado, que não mais aparecem trajadas com fantasia de baiana ou Carmem Miranda, sem abacaxis ou bananas no cenário. Essas mulheres assumem, por seus produtos, a postura de que pele, formas e cabelos característicos de povos mestiços tem uma beleza que alguns produtos, sabia e oportunamente, são hábeis em resgatar.

Os profissionais de comunicação hoje se empenham em deixar definitivamente para trás o uso simplificado do olho colonizador dos elementos culturais, o que era feito com a intenção de dar continuidade à crença de que mestiçagem é sinônimo de sub-cultura.

O glamour observado nos anúncios dos anos 30-50 pelos vestidos, pelas lingeries, pelos perfumes, pelos produtos de toucador e pelo emprego de termos franceses ou mesmo pelo glamour da vida moderna americana sempre presente na mídia impressa e na televisão, deram lugar ao glamour dos ícones brasileiros.

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A construção de imagem de marca é um processo lento e de demorada sedimentação, porém a aceitação destas campanhas vem mostrando que o oportuno caminho tem trazido resultados e tem futuro.

Esta postura tem, é preciso lembrar, relação direta com os elementos constituintes da linguagem publicitária já mencionada. A publicidade é um híbrido de linguagem visual e verbal na mídia impressa e de elementos interativos e audiovisuais na mídia eletrônica e outras. Ela também facilita, pela sua própria natureza,a interação com o veículo no qual se insere e tem ainda como fator marcante na produção textual o emprego da coloquialidade, advinda da oralidade, considerada fator de proximidade com o público.

Estas características fazem da publicidade forte candidata a adotar posturas culturalmente oportunas, que são bem acolhidas em sua tessitura híbrida. A retícula mestiça característica das culturas híbridas oferece o conforto do gosto caseiro, o que vem agregando valor às manifestações culturais. Não se trata de afirmar que este valor não existia, mas que vem tornando-se, lentamente, uma tendência reconhecê-lo entre as camadas da população que assistem pela TV a festas populares e que hoje entendem que esta é mais uma maneira de acrescentar elementos mediadores que enriquecem tais manifestações.

5.2.3 Evidências na publicidade formal: erotização, humor, consciência cultural,