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II. Proteínas: definição, funções e estrutura

3.1.4 O Dogma Central revisado

Fundado no início dos anos 30 pelo físico John Desmond Bernal, o laboratório de cristalografia do Instituto Cavendish (Cambridge, Inglaterra) reunia um grupo de cientistas interessados em trabalhar com a estrutura cristalográfica de moléculas. Contavam com apoio do diretor do Instituto, Sir Lawrence Bragg, prêmio Nobel de física com apenas 25 anos e cientista pioneiro na admissão da importância das técnicas de cristalografia. A partir de 1947, o laboratório tornou-se uma unidade dedicada ao estudo da estrutura molecular dos sistemas biológicos [Bonato e Bonato,2001].

Por isso, em 1949, o laboratório recebeu um novo integrante: o físico Francis Crick, para desenvolver seu trabalho de doutorado sobre a estrutura da hemoglobina. No entanto, o interesse de Crick estava totalmente voltado para a molécula de DNA. Com a chegada do biológo James Watson em 1951, uma parceria foi logo estabelecida, pois ambos partilhavam a mesma inquietação de que seria a molécula de DNA, e não a de proteína, que determinaria as especificidades genéticas.

Outros cientistas mostravam-se também interessados em decifrar a estrutura do DNA, dentre eles Linus Pauling (California Institute of Technology), Rosalind Franklin e Maurice Wilkens (King's College em Londres). A partir das pesquisas desses cientistas, Watson e Crick juntaram todos os dados disponíveis em uma tentativa de desenvolver um modelo de estrutura de DNA: Franklin e Wilkens levaram fotomicrografias de difração radiográfica de DNA cristalino; sabia-se que o DNA era uma molécula longa e helicoidalmente enrolada, como determinou o trabalho de Linus Pauling; e havia também os dados de Chargaff, de apresentação do DNA como o material genético de células eucariontes [UFRJ, 2002].

Então, em 1953, Watson e Crick propuseram que a molécula de DNA era constituída de uma dupla hélice de cadeias polinucleotídicas antiparalelas interconectadas pela energia cooperativa de muitas pontes de hidrogênio que se estabeleciam entre bases complementares, púricas (A e G) e pirimidínicas (C e T), dos nucleotídeos. Nesse modelo, as bases projetavam-se para o interior da hélice a partir dos esqueletos externos de açúcar-fosfato. Na tentativa de encontrar aquele que se adequasse aos dados de difração de Raio X, à complementaridade de bases e à estrutura química de cada base, Watson e

Crick chegaram até mesmo a confeccionar modelos moleculares em arame [Bonato e Bonato,2001].

Dando continuidade a suas pesquisas, Francis Crick e colaboradores, em 1958, propõem o Dogma Central da Biologia Molecular, afirmando que a molécula de DNA seria o molde para se construir RNA e este, por sua vez, seria o molde para a síntese de proteínas. Mostrou-se ainda a particularidade de que a informação contida na proteína não poderia ser repassada para a construção de outra proteína nem para a construção de uma molécula de DNA ou RNA, ou seja, a informação genética deveria estar armazenada em DNA e fluir daí, num sentido único, para o nível de RNA e, por fim, para o nível de proteína. É bem verdade que os biológos não tinham esse dogma como infalível [Bonato e Bonato,2001].

Na década de 70, contudo, dois grupos distintos, o de Howard Temin e o de David Baltimore, mostraram que certos vírus a RNA eram capazes de, empregando o RNA como molde, fazer uma fita simples de DNA. Essa observação foi mal recebida pela comunidade científica, em especial por J. Watson. Entretanto, após sua confirmação por muitos autores em diferentes sistemas virais, ficou definitivamente demonstrado que o caminho inverso na informação gênica (entre RNA e DNA) de fato existia na natureza. O dogma passou então a ser grafado DNA ↔ RNA → Proteína, pois se admitiu a transcrição reversa [GENTROP, 2001].

Não se concebe a probabilidade de que a segunda parte do dogma (RNA → Proteína) seja quebrada na natureza. Conforme [GENTROP, 2001], a razão disto é simples: para cada base de DNA, há uma e somente uma base de RNA que pode a ela se emparelhar, e vice versa. Isto é chamado, pelos matemáticos, de uma função bi-unívoca. No entanto, para o caso das proteínas, o mesmo não acontece, pois, para cada um dos vinte aminoácidos, existem - algumas vezes - até seis diferentes códons. É possível, então, formar 64 diferentes códons de três bases por um arranjo de 4 bases tomadas três a três. Excluídos os códons que significam sinais como início e fim de síntese protéica, mesmo assim o conjunto dos códons tem muito mais elementos que o de aminoácidos. Por isso, a determinação dos aminoácidos pelos códons não é uma função, e sim uma relação, não admitindo, portanto, inversa. A Natureza, contudo, é extraordinariamente criativa e não será surpresa se for descoberto algum organismo que seja capaz de violar a

segunda parte do dogma, pois já se conhecem DNA e RNA que possuem atividade enzimáticaxv.

A seguir, o esquema e as etapas do processo de síntese de proteína (Figura 0-1), segundo [NCBI/Primer, 2002] e [Meidanis e Setubal, 1997] :

Replicação ou Duplicação

DNA

Transcrição Transcrição reversa

Proteína

Tradução

RNA

Figura 0-1 – O Dogma Central revisado da Biologia Molecular.

Baseado em http://gened.emc.maricopa.edu/bio/bio181/BIOBK/BioBookPROTSYn.html.

1. Replicação ou Duplicação : replicação da molécula de DNA na qual as suas

duas cadeias polinucleotídicas se separam e cada uma é utilizada como molde para a polimerização de uma nova cadeia, resultando numa molécula composta da cadeia original e da recém-sintetizada. Vide Figura 0-2.

2. Transcrição: objetiva-se a produzir uma molécula de RNA mensageiro

(mRNA). Ao longo de uma cadeia de DNA, são relacionados certos conjuntos de bases, que se arranjam de determinada maneira, com o processo de transcrição da informação contida no gene. Esses arranjos são sinais, da esquerda para a direita (sentido 5'-3'), downstream. Sabe-se, por exemplo, que o gene “começou” quando se encontra uma região promotora (promoter), que, no entendimento dos cientistas, fornece um sinal: “Logo adiante na seqüência vem um gene que deverá expressar sua proteína”. Ainda downstream, para marcar o fim do gene, há uma região terminadora (terminator) [FAPESP, 1999].

O processo de transcrição ocorre do seguinte modo: uma molécula chamada RNA polimerase liga-se ao início de cada gene (região codante) do DNA, por indicação da seqüência promotora (promoter). Este processo sempre constrói moléculas de mRNA na direção 5´ (upstream) para

xv

3´(downstream), embora a fita-modelo seja lida na direção 3´ para 5´. A seqüência de mRNA pode ser traduzida em uma das 6 possíveis ORF´s34, dependendo onde o processo começa. A polimerase inicia, então, uma reação na qual o DNA é utilizado como fita-modelo para a criação de uma fita complementar de RNA, chamada transcrição primária, pois contém éxons35 e também íntrons. Ao final dessa seqüência, extraordinariamente 250 ou mais adenosinas (A) são adicionadas, constituindo a chamada cauda poli-A. Em um próximo passo (splicing), os íntrons de células eucarióticas são eliminados pelo spliceossomo, restando apenas a junção de todos os éxons para formar o RNA maduro, uma seqüência de três nucleotídeos chamada códon. O mRNA resultante é, então transportado do núcleo da célula para o citoplasma (ou citosol). Vide Figura 0-2.

3. Transcrição reversa: processo no qual uma molécula de mRNA maduro é

reversivamente convertida em DNA, também chamado DNA complementar (cDNA) por não conter os íntrons. Após catalisado pela polimerase reversa, esse DNA volta ao núcleo da célula para ser integrado. Vide Figura 0-2.

4. Tradução: ocorre no ribossomo e objetiva-se a sintetizar proteína (vide

Figura 0-2 abaixo). Um ou vários ribossomos ligam-se ao mRNA no códon inicial AUG (start codon). O processo depende da presença das moléculas de RNA transportador (tRNA), que fazem o mapeamento de códon para aminoácido. Cada tRNA possui, numa extremidade, uma conformação com alta afinidade para um códon específico e, na outra, uma conformação que se liga com facilidade ao aminoácido correspondente, sendo apenas transportado um aminoácido por vez. À medida que o mRNA passa pelo interior do ribossomo, o tRNA correspondente liga-se a esse, trazendo o aminoácido correspondente. Uma enzima apropriada junta-se ao processo para se encarregar da adição de cada aminoácido resultante à cadeia protéica, libertando-o do tRNA. Assim, resíduo por resíduo, a proteína vai sendo construída até que seja encontrado um códon de parada UAA, UGA ou UAG (stop codon) para finalizar a síntese da proteína não enovelada. A proteína, então, enovela-se em formações locais como hélices e fitas-β constituindo ligações de longo comprimento. Modificações pós-traducionais

para ajuste da função ainda podem ocorrer antes que cada nova proteína seja transportada para alguma parte da célula em que ela se faça necessária. Alguns exemplos dessas modificações são a ligação de vários grupos químicos a diferentes partes na proteína, incluindo açúcares, fosfatos, acetila, metila etc. Vide Figura 0-2 a seguir:

Figura 0-2 – A Síntese de Proteína.

Do lado esquerdo, uma visão da célula e todas organelas envolvidas na síntese de proteína. Do lado direito, uma visão esquemática do que ocorre no gene, uma subseqüência do DNA.

Fontes: http://gened.emc.maricopa.edu/bio/bio181/BIOBK/BioBookPROTSYn.html (lado esquerdo) e http://www.nhgri.nih.gov/DIR/VIP/Glossary/Illustration/gene2.html (lado direito).