• Nenhum resultado encontrado

A leitura realizada anteriormente a respeito das diferentes maneiras de enxergar as relações democráticas e o mercado permite-nos entender melhor os efeitos do modelo vigorante de participação no campo educacional e os ditames, as orientações macro de uma ordem amplamente incorporada, ou seja, institucionalizadas nas políticas educacionais em que o viés democrático é axiomaticamente explorado.

A agenda internacional para a educação trabalha com limitada margem de concessões democráticas já que o BM “sabe” o que é bom e o que não é para os países que estão sob sua orientação, pois tem o mercado como referencial e isso, é claro, incorre em algumas limitações naturais. O discurso liberal metamorfoseou os preceitos de democracia substantiva em democracia procedimental ao alterar o papel da participação nos vários contextos, político, social e o educacional, empurrando-a para espaços mais restritos com a finalidade de balizar decisões em favor do mercado.

Para Gentili (1998, p. 66), a finalidade de fomentar os mecanismos de mercado na esfera educacional,

bem como a promover diferentes formas de descentralização e transferência institucional, as quais tendem a responsabilizar as comunidades pelo financiamento dos serviços educacionais. Pactua-se, dessa maneira a privatização direta, descoberta ou encoberta, da educação como (aparentemente) o único mecanismo que possibilitará uma administração eficiente e produtiva dos recursos destinados às instituições escolares. O

pacto constitui o espaço para legitimar tais decisões (grifos do autor).

O que o autor chama de pacto pode ser também entendido como senso comum a partir do momento em que os diferentes mecanismos de flexibilização e desregulamentação trazem embutidos objetivos, tanto para o enfraquecimento das relações laborais no setor educacional, quanto para o envolvimento maior da comunidade na captação de recursos, fomento da participação por meio de ações voluntárias e aceitação silenciosa dessas políticas cooptatórias sem nenhuma interferência mais efetiva.

O legado hayekiano de democracia e participação na qual a ordem espontânea do mercado não pode ser contrariada é responsável pela inversão de valores frente à própria sociedade no momento em que, todo aquele que vai contra o senso estabelecido torna-se persona non grata ou agente coorporativo. Assim, de acordo com Gentili, consensualizar nesses termos é acatar o que já está determinado.

Os atores sociais são convidados para um jogo fraudulento. Um bom exemplo disso é a consulta acerca da reforma especificamente pedagógica. De fato, quando a comunidade educacional é convocada a participar, espera- se que concorde de forma cega com parâmetros e conteúdos básicos de um milagroso currículo nacional, previamente definido por comissões de especialistas locais ou estrangeiros. Ela é convidada a se submeter docilmente às provas de avaliação, cujo objetivo é quantificar a qualidade e o rendimento do sistema e seus agentes, hierarquizando instituições e pessoas (GENTILI, 1998, p. 66-67, grifos do autor).

No desenho apresentado pelo autor, a participação da comunidade escolar só tem sentido quando esta tem significado de legitimar os sistemas de prêmios e castigos destinados a “injetar competitividade na rede educacional” (p. 67). Para certificar o recebimento de insumos – livros, computadores, kits para laboratórios – mesmo que, em alguns casos, na escola destinada para esses insumos não exista laboratório de informática ou espaço para a sua instalação, ausência de biblioteca e outros entraves no qual tais insumos não conseguem levar a modernização imposta à frente.

A participação da comunidade escolar nos moldes descritos tem seu espaço bastante reduzido tangente ao poder decisório. O jargão democrático é usado de maneira a validar uma participação artificializada.

Participa-se desde que as regras sejam aceitas passivamente; caso contrário, se desestabiliza a democracia. Naturalmente, em tais condições, a participação não é outra coisa senão um ardil, um ato hipócrita de simulação, destinado a legitimar decisões tomadas por outros (ou outras) e que nunca entram na pauta da discussão (Ibid., p. 67, grifo do autor).

Para Gentili (1998), a sagacidade dos governos está no fato da omissão da sua agenda ser inalterável. Seus resultados esperados e pré-fixados. A omissão e o embaralhamento frente à sociedade do que é política de Estado ou política de governo, pois combinam interesse comum com interesse privado. Na agenda neoliberal, segundo o autor, artificializada, “transforma-se o conteúdo de um milagroso ‘consenso’, sobre cujas premissas e princípios elementares todos, supostamente, concordam” (p. 68, grifo do autor).

Depreende-se disso, que o senso comum neoliberal transforma decisões compulsórias em “interesse comum” como sendo expressão da maioria. Com efeito, aqueles que ousam contestar o que já está consensualizado são considerados antidemocráticos e trabalham para tumultuar o bom funcionamento do sistema40.

40Os sindicatos são considerados no modelo atual como sendo entidades coorporativas que impedem a modernização do sistema educacional e são constantemente alvos de críticas por parte do poder governamental,

Por isso Gentili (1998) considera um verdadeiro jogo de cartas marcadas, onde há relação fragrante de promiscuidade entre as principais lideranças nas administrações do tipo neoliberal. O “consenso”, sob forma de orientação, adentra também ao campo das políticas educacionais e empurra a participação para os cantos mais apertados no que diz respeito ao poder decisório dos membros dessa comunidade escolar.

Sem extrapolar os limites que o governo impõe à sua participação, aceita passivamente a reforma, ela é convidada a opinar; quando não, os ministérios da educação voltam a se assemelhar, sem muita maquiagem, àquilo que eram nas épocas recentes de supressão dos direitos democráticos (p. 69, grifo do autor).

De acordo com o autor, o consenso é falsificado e se constitui em ferramenta de manipulação, pois possui “natureza estruturalmente fraudulenta” (p. 69). A força dos postulados hayekianos de democracia mínima subverteu a ordem democrática ao fixar limitações à participação e a discipliná-la, principalmente, na esfera educacional onde a participação mais efetiva da comunidade escolar se resume em ocupar os espaços deixados pelo Estado concernente as suas responsabilidades sociais e econômicas.

A fraude democrática é uma prática recorrente no paradigma defendido pelo “Novo Liberalismo” concernente à verdadeira democracia. É fruto do pensamento dos defensores mais radicais do laissez-faire no mercado e, principalmente, devido a Hayek, seu melhor representante. A democracia representativa sucumbida nos moldes atuais “apenas são aceitos frágeis e caricaturais mecanismos de consulta e de deliberação quando seus resultados podem ser definidos antecipadamente” (GENTILI, 1998, p. 68).

assim como de setores da sociedade que comungam com o pensamento liberal mais extremo ou estão a serviço das minorias que se sentem prejudicadas com a atuação desses sindicatos e a bandeira por eles levantada. Exemplo disso, em matéria publicada em 09/04/2011 pela Revista Veja, o economista Gustavo Ioschpe escreve artigo intitulado, Hora de peitar o sindicato, segue pequeno trecho: “A sociedade brasileira parece não reconhecer que os sindicatos de professores pensam no bem-estar de seus membros, e não no da sociedade em geral. Incorporamos a ideia de que o que é bom para o professor é, necessariamente, bom para o aluno. E isso não é verdade. Cada vez mais a pesquisa demonstra que aquilo que é bom para o aluno na verdade faz com que o professor tenha de trabalhar mais: passar mais dever de casa, mais testes, ocupar de forma mais criativa o tempo de sala de aula, aprofundar-se no assunto que leciona. E aquilo que é bom para o professor – aulas mais curtas, maior salário, mais férias, maior estabilidade no emprego, maior liberdade para montar seu plano de aulas e para faltar ao trabalho quando for necessário – é irrelevante ou até maléfico para o aprendizado dos alunos”. Disponível em: < http://veja.abril.com.br/noticia/educacao/hora-de-peitar-os-sindicatos >. Acesso em: 10 de abril de 2011.