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4.2 PDPI, canal participativo no EVCA

4.2.1 PDPI: elaboração de uma proposta coletiva

O Caderno de Orientações sobre o PDPI, “canal participativo” no EVCA, traz toda uma metodologia a ser seguida com orientações para leitura interativa; textos que explicitam os fundamentos teóricos e até um exemplo pronto de Plano de Ação (ver anexo II). Tudo para garantir que ao final da elaboração do documento o mesmo seja redigido de forma clara, consistente, simples e coerente com a política educacional proposta pelo estado de MG; é o que expressa a pauta de uma das reuniões de pólos sobre a apresentação do EVCA e certa preocupação com a dirigibilidade das ações.

Considerado como uma espécie de espaço destinado à participação no EVCA, o PDPI é um instrumento que procura “disciplinar” o trabalho dos envolvidos no processo de planejamento na esfera local a fim de evitar que os mesmos se “equivoquem” ou extrapolem os limites contidos na política educacional propugnada no estado. Decorrendo disso, certo engessamento das ações dos envolvidos no processo. Queremos denunciar a existência de

procedimentos e roteiros com objetivos contingentes para evitar excessos de demandas que porventura não estejam alinhadas com o pensamento da SEE.

Justificando estes argumentos, a SEE diz que as orientações estão relacionadas com a facilitação no trabalho realizado na esfera local.

Para efeito de conhecimento, a proposta para a elaboração do PDPI compreende inicialmente quatro fases assim estruturadas:

Fase 1: Desenvolvimento de marcos referenciais; Fase 2: Diagnóstico;

Fase 3: Definição e priorização de necessidades; Fase 4: Elaboração de um plano de ação.

A primeira fase é constituída por quatro marcos: o referencial; o situacional, o doutrinal e o operativo. O marco referencial compreende situar a escola no âmbito do mundo atual, enquanto o marco situacional encontra-se nas contradições e problemas desse mundo. Já o marco doutrinal é regido pelos princípios da ética e valores que privilegiam a vida e o bem estar de todos e, por fim, o marco operativo que atua “no âmbito da educação como prática social que busca as transformações no mundo e nos cidadãos”. Destacamos que a proposta de planejamento que contempla estes marcos tem como base as obras do pedagogo Danilo Gandin68com algumas adaptações69.

A segunda fase, a diagnóstica, visa a construção de uma visão crítica da própria escola pelos participantes do processo e a tomada de consciência por parte da escola, explicitada em suas possibilidades e limitações. A partir do momento em que as necessidades de intervenção são apontadas para a sua transformação, a programação inclui a definição de uma série de ações para a diminuição da distância entre o real (o que somos) e o ideal (o que desejamos ser), de forma a se chegar aos resultados estabelecidos como desejáveis. Com a identificação do problema, passa-se à elaboração de objetivos (entendidos como ações que a comunidade escolar se comprometeu a realizar), definição de prazos, responsáveis e demais instruções de execução.

A fase terceira, de definição e priorização das necessidades, visa identificar as necessidades da escola, os elementos que lhe permitem intervir na sua realidade de maneira a

68GANDIN (1991). (1994) e (1999).

69O modelo proposto por Gandin para o planejamento global das escolas se divide em três partes; marco referencial; diagnóstico; programação. Para os proponentes da SEE sobre o PDPI a ser desenvolvido nas escolas do EVCA, a adaptação visa dar maior ênfase ao momento de identificação de necessidades decorrentes do diagnóstico. Dessa maneira a estrutura do PDPI se constitui em quatro partes: marco referencial; diagnóstico; identificação de necessidades e definição de prioridades; programação ou plano de ação.

transformá-la na “direção desejada”. Problemas relacionados à prática pedagógica, por exemplo, a escola poderá apontar as necessidades específicas que abrangem: formação profissional, revisão curricular, de incremento à comunicação que deverão ser discutidas, consensualmente, para estabelecimento de uma ordem de priorização de maior ou menor influência na transformação desejada na escola, sempre considerando os “objetivos institucionais”.

E por fim, a quarta fase que compreende a elaboração de um plano de ação que permitirá à escola definir e planejar as ações e os projetos necessários ou específicos ao alcance de seus objetivos. O que deverá ser feito, o destinatário dessa ação, as condições de sua realização para obter os resultados esperados. As ações ou projetos específicos poderão incidir sobre aspectos de natureza administrativa e pedagógica, conforme as necessidades, podendo dar origem a um produto planejado que representa o trabalho realizado, mais adiante comentado.

A Figura 1, a seguir, representa o esquema completo para a elaboração do PDPI: Figura 1

Esquema de elaboração do PDPI

Fonte: Caderno de Orientações para elaboração do PDPI Acompanhamento e Avaliação Marco referencial Diagnóstico Necessidades Plano de ação Situacional Doutrinal Operativo Escola ideal Escola real Problemas Ensino-aprendizagem Gestão Relações interpessoais Objetivos Resultados Ações e Projeto s Produtos

Não podemos desconsiderar as vantagens da elaboração do PDPI na escola e o seu caráter participativo ao estimular e fomentar o envolvimento de todas as instâncias componentes da comunidade escolar (pais, professores, funcionários da escola, diretores e alunos), porém, nos manuais e cartilhas elaboradas pela SEE-MG, pretende-se buscar um modelo ideal previamente elaborado com passos a serem seguidos. O Caderno de Orientações traz no seu final um exemplo, já mencionado anteriormente, de Plano de Ação finalizado que tem o intuito de subsidiar cada escola a desenvolver seu Plano de Ação com base ou levando- se em conta a “mesma estrutura” a ser seguida.

A operacionalização do PDPI se dá em três esferas:

Esfera central: responsável pelas equipes envolvidas no processo de elaboração compostas por representantes da SEE;

Esfera regional: composta por representantes da Superintendência Regional de Ensino, cujo papel está em fazer a ponte entre a esfera central e local e, portanto, seus “integrantes deverão conhecer profundamente o Projeto”;

Esfera local: composta pela escola e comunidade escolar.

Nas orientações para “leituras interativas”, há, insistentemente, a preocupação de explicitar na esfera local as vantagens das práticas coletivas concernente ao universo escolar e o papel desempenhado pelos educadores no modelo proposto.

Se até agora trabalhamos de forma solitária e setorizada, nos relacionamos de forma verticalizada e fragmentada, vamos ter que aprender a atuar coletivamente, a nos relacionarmos solidária e cooperativamente, num clima de co-responsabilidade. Se enfatizarmos as nossas “especialidades” e as trabalharmos isoladamente, vamos ter que redimensioná-las como meios para alcançar os objetivos maiores da educação e deslocar a ênfase para o nosso papel de educadores (MINAS GERAIS, 2007, p. 26, grifo do

documento).

A SEE deixa claro que a participação efetiva da comunidade escolar “em todo processo de trabalho, desde a elaboração do plano à sua execução e avaliação” (Ibid., p. 46), é condição sine qua non para o sucesso dessa proposta. Conclama a comunidade a participar do planejamento que deve estar voltado para a “concretização de uma visão política” (Ibid., p. 47), diferentemente do tecnicismo presente no planejamento educacional nos anos de 1970,

segundo os argumentos apresentados em um dos textos70 de fundamentação contido no Caderno de Orientações do PDPI. Mais adiante acrescenta o seguinte:

Essa nova visão de planejamento, devido ao seu caráter ético, introduz outros conceitos no processo de planejar, como consciência e intencionalidade, participação e responsabilidade, em lugar daqueles próprios da visão anterior - racionalidade, produtividade, eficiência, eficácia (MINAS GERAIS, 2007, p. 48).

A alegação presente na ideia anterior nos dá a exata dimensão da encruzilhada na qual se encontra muitas de nossas políticas públicas contemporâneas. O apelo participativo responsável em detrimento daquele que primava, desenfreadamente, pela eficácia e a eficiência somente. A mea culpa do BM e de outros organismos externos, concernente aos erros cometidos no passado por não terem dado a devida atenção aos problemas sociais, parece aqui bem evidentes. Destacamos que o PDPI indica também essa mudança de postura quando insere a participação no seu discurso e abre as portas para a entrada de outros conceitos atrelados a este “tipo” de participação. Conceitos discutidos no terceiro capítulo deste trabalho como é o caso do capital social e seus elementos constitutivos. Surge a figura do ator social empoderado pela responsabilidade de modificar o seu entorno social agindo intencionalmente e com responsabilidades.

Parece haver um esforço dos proponentes do EVCA por meio do PDPI, em “legitimar” a participação vinculada à responsabilidade, conduzidos por etapas a serem percorridas, literatura direcionada para as respostas e perguntas sugeridas. Na tese de doutorado de Rezende (2007, p. 114), a respeito da política educacional desenvolvida para o Ensino Médio no estado de Minas Gerais no mesmo período, a autora destaca sobre o PDPI das Escolas- Referência, que a SEE-MG “traçou um roteiro de orientações a serem seguidos pelas escolas, com planejamento previsto para que as escolas se ‘guiassem’ conforme os ‘moldes’ propostos, monitorados e acompanhados pelas SRE’s, por meio de seus técnicos” (grifos do autor).

Por mais democrático e participativo, o PDPI, sofre críticas tangentes ao seu dirigismo e preocupação em chegar a um modelo de acordo com os moldes previstos pela SEE. Nesse

70São utilizados quatro textos de fundamentação teórica: o texto 1, tem como fonte a Fundação de Ensino de Contagem (FUNEC) – Equipe de Assessoria Pedagógica; o texto 2 e 3 é de competência de Marinez Murta; o texto 4, Cadernos da escola Cidadã – Equipe técnica do Instituto Paulo Freire (IPF).

Texto 1: Projeto educacional da escola: uma construção coletiva;

Texto 2: Planejamento, plano, projeto: desfazendo equívocos conceituais;

Texto 3: planejamento participativo na escola: uma metodologia para a elaboração do PDPI; Texto 4: papel do planejamento na construção do projeto político pedagógico da escola.

processo, a participação dá indicativos de estar sendo “vigiada” ou “educada” para um determinado fim.

Outro ponto que nos chamou a atenção é que o “mesmo modelo”, Caderno de Orientações para elaboração do PDPI, é aplicado em dois Projetos totalmente distintos situados em vértices opostos da política educacional. O EVCA, projeto voltado para escolas que se encontram em áreas periféricas e cercado por incontinências sociais, cujo foco é a melhoria das condições de educabilidade provenientes da violência a que são submetidos os jovens destas localidades e, consequentemente, o baixo desempenho escolar e o ER, projeto destinado à construção de uma escola pública de excelência para “todos” e para isso foram escolhidas as maiores, melhores e mais tradicionais escolas do estado para irradiar sua influência.

Por melhor que sejam as intenções na construção de um projeto pedagógico, é um tanto contraditório que os mesmos, com raízes e objetivos antagônicos possam compartilhar uma base metodológica, teórica e prática de elaboração seguindo um mesmo roteiro de perguntas e respostas esperadas.

Segundo Rezende (2007), Corrêa (2007) e Fundação João Pinheiro71 (2006), sobre o ponto nevrálgico dos Projetos EVCA e ER, o PDPI como mecanismo de participação é uma oportunidade única para a escola conhecer seus problemas, sua realidade e, sobretudo, propor soluções a partir da instância coletiva. No entanto, há na escola, certa carência de tais práticas ou organização de tempos e espaços para que se desenvolva. Há relatos72 de elaboração do PDPI sem a participação de toda a comunidade escolar, como também de que muitas ações propostas pela escola não saem do papel, não se efetivam.

Outro problema também detectado por Rezende (2007), além da falta de participação de alguns segmentos da comunidade escolar, foi a natureza do trabalho dos profissionais da escola envolvidos na elaboração do PDPI que não entendiam ser “voluntário” como presume o documento. A participação por parte dos profissionais da escola soava de forma um tanto quanto compulsória, conclui a autora.

71A Fundação João Pinheiro, órgão oficial de estatística de Minas Gerais, é uma instituição pública vinculada à Secretaria de Estado Planejamento e Gestão. Atua nas áreas de ensino e pesquisa em administração pública, avaliação de políticas públicas e na produção de indicadores estatísticos, econômicos, demográficos e sociais. A FJP presta serviços aos governos estaduais e federal, prefeituras, câmaras municipais, organismos nacionais e internacionais, universidades, empresas privadas e entidades representativas de diversos segmentos sociais. Disponível em:< http://www.fjp.gov.br/ >. Acesso em: 25 de maio de 2011.

Talvez este ponto seja justificável devido às pessoas se sentirem responsabilizadas sem que se oferecesse, por parte da ação governamental, nenhuma contrapartida. Visto que a maior participação na construção do PDPI ficou mesmo a cargo dos profissionais da escola, professores, supervisoras, merendeiras, auxiliares de secretaria, vice-diretores e diretores, e pouco envolvimento da comunidade externa como pais e alunos, este último com pouca participação (REZENDE, 2007).

O PDPI parece ser um documento elaborado no marco da escola e em torno dos seus objetivos específicos, o que exige dos seus agentes respostas rápidas e concretas “exequíveis dentro de um determinado período de tempo, nas condições existentes e com os recursos disponíveis” (MINAS GERAIS, 2007, 55). Parece haver um afã em resolver os problemas pedagógicos existentes na escola como se esses não tivessem vínculo com as determinações mais amplas limitando-se às práticas e aos resultados esperados.

Na definição dos resultados esperados, projeta-se um “produto” elaborado no plano de ação que vai desde um serviço prestado, uma tarefa concluída, um equipamento instalado, uma construção realizada, ou até, um curso de capacitação organizado ou uma pesquisa realizada. São exemplos nos quais confluem as instâncias administrativas e pedagógicas e visam a melhoria do desempenho, do aumento da eficiência e, principalmente, mudanças de atitudes e comportamentos.

Dada a especificidade do Projeto EVCA concernente a vulnerabilidade social e a carência de condições básicas de educabilidade no qual está centrado o seu foco, até que ponto o PDPI, nas condições acima elencadas, será capaz de instigar as mudanças de atitudes e comportamento na direção de um resultado esperado? Qual a contribuição dos seus agentes (atores ou autores) na elaboração de um “produto” final que esteja concatenado com os anseios de uma parcela da população que se encontram à margem dos problemas da escola?