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O efeito-leitor dando coerência à produção das postagens

CAPÍTULO IV – A autoria como gesto de resistência dos índios na rede: a

4.1. Tempo e espaço na textualização on-line: da dispersão e fluidez dos sentidos, o

4.1.4. O efeito-leitor dando coerência à produção das postagens

Para Amaral et al. (2009, p 33), o blog é uma personalização de seu autor que é expressa a partir de suas escolhas de publicação. Isso pode ser compreendido que, em um blog, o autor produz o seu texto sob o efeito de controlar o que diz e como diz, mas isso é um efeito de identificação imaginária do sujeito com posição de autoria. É pelo imaginário de interlocutor X que o sujeito autor produz o seu texto com coerência e fecho. Assim, no blog, a produção dos posts tem, no efeito-leitor, um componente importante do processo de construção da unidade. Mas essa relação, por ser uma prática de linguagem, não é direta, ela é simbólica, mediada pelo imaginário e pela ideologia. Para Orlandi (1999a, p. 76), a representação do sujeito em autor,

[...] tem seu pólo correspondente que é o leitor. De tal modo isso é assim que cobra-se do leitor um modo de leitura especificado pois

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ele está, como o autor, afetado pela sua inserção no social e na história. O leitor tem sua identidade configurada enquanto tal pelo lugar social em que se define ‘sua’ leitura, pela qual, aliás ele é considerado responsável.

Assim, na constituição do autor na rede, o efeito-leitor on-line funciona dando coerência ao que é formulado. O post a ser analisado é um texto publicado no blog Gasodá Suruí, no dia 18 de novembro de 2010. Nessa postagem, sequência SD12, reproduzida abaixo, o blogueiro escreve sobre um conhecimento tradicional de seu povo, a pintura corporal, sob o efeito de um leitor on-line, o internauta que procura informações.

SD12 - quinta-feira, 18 de novembro de 2010

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Uma das características que mais marcam a cultura indígena é a pintura corporal que pode ser vista como tão necessária e importante esteticamente como a roupa usada pelo “homem branco”. Da mesma forma não e diferente para os Paiter (também conhecido como os Surui de Rondônia). Os Paiter habitam a Terra Indígenas Sete de Setembro. Uma área equivalente a 248.000 hectares. Localizado no entre os municípios de Cacoal no estado de Rondônia e Rondôlandia no Mato Grosso. A pintura corporal para os Paiter tem sentidos diversos, não somente na vaidade, ou na busca pela estética perfeita, mas pelos valores que são considerados e transmitidos através desta arte. Feita de jenipapo, urucum, tem como objetivo diferir os povos, determinar a função de cada um dentro da aldeia e até mostrar o estado civil. A pintura corporal Paiter varia de acordo com o gênero. Pois assim desta forma tem a pintura da mulher, homem, moça e jovem indígena Paiter. O processo de preparação da tinta consiste em ralar a fruta com semente e depois colocar ralo na folha de palmeira para ser assado e depois espremido para sair o caldo preto e grosso. Nos dias comuns a pintura pode ser bastante simples, porém nas festas, nos combates deve ser bem fortes e com bastante enfeites com arte Paiter. Geralmente na sociedade Paiter a pintura corporal o homem pinta o corpo da sua esposa e dos filhos. Enquanto a mulher pode pintar o corpo do marido. Cada etnia tem sua própria marca e se alguma outra utilizar a mesma, uma luta entre as aldeias pode ocorrer. Esta é uma arte muito especial porque não está associada a nenhum fim utilitário, mas apenas a pura busca da beleza dos Paiter.

Autor: Gasodá Surui

Postado por Gasodá Surui130

No post, sequência SD12, a fotografia é parte fundamental da produção dos efeitos de sentidos, tendo em vista que quem aparece pintado é o próprio autor do blog. No texto são apresentadas as particularidades da pintura dos Suruí, tendo como leitor um internauta que não é um índio Suruí. O blogueiro fala da pintura corporal, mas ao se referir ao povo Suruí, apresenta uma informação sobre localização geográfica do povo, demonstrando que o leitor imaginário é um seguidor que, embora desconheça a realidade indígena no país, se interessa por outras informações relacionadas aos povos indígenas.

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Nesse caso, o blogueiro é interpelado por sentidos da rede como espaço de divulgação cultural, que tem um público específico, os seguidores. A pintura é mostrada de maneira ilustrativa, tendo em vista que não faz parte de uma situação específica de uso na comunidade e o sujeito pousa para a foto, sendo esse gesto que direciona para sentidos de exposição. E sendo a rede um espaço de divulgação, o texto sobre pintura corporal aparece com essa finalidade. E, nesse caso, a divulgação funciona como parte integrante do processo de interlocução com os seguidores.

O conhecimento postado é reconhecidamente coletivo do povo Surui Paiter, mas o texto, enquanto unidade, que circula na rede é de Gasodá Surui. O sujeito enquanto parte do coletivo, povo Suruí, é autor de um texto sobre a pintura corporal desse povo que circula na rede. O sujeito se coloca imaginariamente na origem do sentido se individualizando no processo da escrita. O sujeito é um índio que tem um conhecimento cultural específico e domina outros conhecimentos relacionados à cultura letrada e aos novos espaços da escrita proporcionados pelo avanço da tecnologia. E esse é outro movimento de sentido que compõe o processo de afirmação.

Com o trecho “Esta é uma arte muito especial porque não está associada a nenhum fim utilitário, mas apenas a pura busca da beleza dos Paiter”, o texto é fechado, terminado. O fato da pintura não ser ligada a fins utilitários produz um efeito de valorização da cultura. E esse sentido de valorização funciona no movimento inverso aos discursos que tratam os índios como “selvagens”.

A assinatura poderia ser suprimida, já que o blog funciona como um mecanismo que marca a origem da postagem, mas o sujeito assina a produção do texto, se colocando na origem dos sentidos produzidos pelo post. Com a assinatura, o sujeito singulariza a sua produção e se constitui autor daquele post específico que circula em seu blog. Ao publicar sua foto, pintado, de forma tradicional, o sujeito se coloca na condição de indígena autor na rede, mas detentor dos conhecimentos tradicionais.

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4.2. A legitimação do dizer indígena na rede: processo discursivo de afirmação