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O empoderamento/fortalecimento das mulheres negras de Lagoinha

Em Lagoinha, logo ao amanhecer, por volta das cinco horas da manhã é possível ouvir o barulho de panelas, pessoas conversando no quintal e chamando os bichos para a refeição matutina, relatou Antonieta de Barros. Nas idas, logo pela manhã bem cedo à pesquisadora percebeu ser um lugar calmo, pouco movimentado. A casa que sempre me hospedou funcionava como um ponto central da comunidade, ao lado da associação da comunitária. Por ser a casa da presidente da comunidade, Carolina Maria de Jesus, é ponto dos moradores passarem, conversarem, tomar um café (que, aliás, nunca falta na garrafa em cima da mesa rodeada de xícara), resolver questões da comunidade, ou simplesmente pra passar o tempo. Quando a pesquisadora chegava, por volta das seis da manhã, sempre tinha alguém a espera. Conversava e ria de tudo sobre. Lá pelas sete horas da manhã a movimentação ficava menor, pois todas estavam a caminho dos seus afazeres.

O trabalho das mulheres inicia ainda pela madrugada, por volta das cinco horas da manhã quando acordam e dão início aos trabalhos da casa, como fazer o café, encher água nos potes e baldes, dar comida para os animais (bodes e galinhas), cuidar de idosos, lava louça e roupa e depois se encaminharem para a roça, onde trabalharam sozinhas ou acompanham os maridos que vão adiantando o “serviço”. Aquelas que não têm marido fazem as atividades cotidianas citados anteriormente sozinhas.

Como observamos, o dia a dia na comunidade é marcado pelo trabalho que se configura nas relações sociais como o elo que liga e fortalece o vínculo entre os membros do grupo doméstico e das unidades familiares entre si, entre as gerações e entre os sexos (ACEVEDO e CASTRO, 2004; WOORTMANN E. 1995). Foi a partir do trabalho que percebi as marcações de gênero e entre as gerações que coabitam em Lagoinha.

A respeito das imbricações entre gênero e geração Scott (2010, p. 16) afirma que “são termos relacionados que implicam em hierarquias e reciprocidades horizontais que são constituídas como relação de poder entre pessoas de sexos e idades diferentes”. As discussões de gênero e o papel da mulher na sociedade contemporânea e de contrapartida a categoria de empoderamento são temas que vem criado espaços para novas abordagens e perspectivas de debates nas ciências sociais. Esses debates vêm correspondendo há um viés de inúmeras análises que abordam e trabalham com heranças arraigadas e construídas sob as bases das práticas patriarcais, principalmente dentro da família, ao poder dominante do homem e a manutenção dos seus privilégios de gênero.

Nesse contexto, as mulheres de Lagoinha apresentam – se como sujeitos ativos e com seu protagonismo e dinamismo no processo social que vem sendo apresentado no decorrer desse estudo. Elas vêm utilizando-se de diversas estratégias no contexto familiar, inserção no mercado de trabalho, nas articulações políticas da comunidade, objetivando um processo de vida que visa sanar os problemas de ordem financeiros e melhoria de vida. As estratégias observadas são desenvolvidas no universo em que a transgressão ao modo de dominação masculina é justificada socialmente, “por necessidade”, isto é, para proteger e cuidar das demandas exclusivamente dos filhos ou da família, como também do desenvolvimento de questões individuais.

Lisboa (2008) demonstra que o termo empoderamento chama atenção para a palavra “poder”. A autora disse que para o feminismo, o empoderamento é considerado como uma fonte de emancipação, uma forma de resistência. Leva-se em consideração um “poder” que afirma, reconhece e valoriza as mulheres; é uma precondição que estabelece uma igualdade entre os homens e as mulheres; representa um meio de confronto contra as relações patriarcais.

A teoria do feminismo negro vem ressignificar essa síntese que o poder é desenvolvido no processo de empoderamento. Joice Berth (2018) aponta que diferente do que puseram muitos teóricos o conceito do empoderamento é na verdade um instrumento de emancipação política e social, e não se põe a “viciar” ou criar relações paternalistas, assistencialistas ou de dependência entre cada indivíduo tampouco traçar regras homogêneas de como cada um pode contribuir e atuar para a luta dentro dos grupos minoritários.

Empoderamento não é um conceito novo e nem inédito. Tem raízes históricas e muitas e muitos já se debruçaram sobre ele para catalisar grandes transformações sociais em momentos importantes da história. Trata-se mais de uma redescoberta do que de uma criação, já que há possíveis focos de aplicabilidade antes mesmo denominação ser cunhada. Entretanto, apesar de ser um conceito debatido há algum tempo, ainda há muita confusão, quanto ao significado e aplicação.

Para Djamila Ribeiro o termo empoderamento muitas vezes é mal interpretado. O mesmo é entendido como algo individual ou a tomada de poder para se perpetuar as opressões. Para o feminismo negro, empoderamento possui um significado coletivo, trata-se de empoderar a si e aos outros e colocar as mulheres negras como sujeitos ativos e coletivos. Como diz bell hooks, é necessário criar estratégias de empoderamento no cotidiano, em nossas experiências habituais no sentido de reivindicar nosso direito a humanidade.

Quando uma mulher empodera a si tem condições de empoderar às outras. Cada mulher na comunidade de Lagoinha, em seu espaço de atuação pode criar formas de empoderar às outras mulheres. As empregadoras podem criar um ambiente de trabalho onde existe o respeito e que pode atender a demanda dessas mulheres, principalmente daquela que são mães, louceiras, agricultoras, dona de casa, professora, certificando como, por exemplo, se não há desigualdade salarial e assédio, como também estarem atentas aos xingamentos machistas muitas vezes naturalizados como brincadeiras ou chacotas.

Estávamos na sala da casa de Carolina, e ao chegar Dona Teresa de Benguela e sua irmã Antonieta, e ao longo da conversa, questionei as mesmas sobre “ser uma mulher negra”. Logo, Teresa de Beguela disse: “Sou mulher negra e com muito orgulho”, ao finalizando a fala batendo “no peito” orgulhosa, e quando ela se reafirma enquanto mulher negra, além de empoderar-se, o que a torna mais potentes politicamente. Esse lugar de fala dela é de fundamental importância para expressa na singularidade e o direito de existir dela e todas as outras mulheres da comunidade.

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DO BARRO À LUTA: O TRABALHO E O

COTIDIANO DAS MULHERES DE LAGOINHA