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O encerramento de um ciclo: das homenagens ao silenciamento

2 POR UMA TRAJETÓRIA DE ALTENESCH: ENTRE NARRATIVAS,

2.3 ALTENESCH EM ARACAJU: UMA NARRATIVA AMPLIADA

2.3.6 O encerramento de um ciclo: das homenagens ao silenciamento

De acordo com o relatório de 1941 do diretor do Serviço Social de Menores do Estado de Sergipe, como indicado anteriormente, Altenesch deixou as terras sergipanas em setembro de 1939, em busca de tratamento para sua saúde e na madrugada do dia 19 para 20 de junho de 1940 veio a óbito216. O seu falecimento foi comunicado por meio de telegrama, como transcrito a seguir:

Faleceu hoje, em Teresópolis, onde se encontrava em tratamento, o conhecido arquiteto Von Altenesch, a quem Aracajú deve a radical

transformação (grifo nosso) por que passou a sua arquitetura. A

Propósito do lutuoso fato recebeu o dr. Manuel Barbosa de Sousa, Chefe de Polícia do Estado, o seguinte telegrama: ―Teresópolis, 20 — Comunico vossa excelência falecimento hoje nesta cidade cidadão Hermann Otto Wilhelm Von Altenesch e que segundo conhecimento desta Delegacia, o mesmo mantinha transações com o Govêrno dêsse Estado nessa Capital. — Tenente Nicanor da Rosa Estelita. Delegado Militar, em comissão.217

Percebe-se, em todos os textos que noticiam a morte do alemão e o homenageiam, o destaque do seu papel de ―transformador‖ da cidade. Neste teor foi escrita a nota sobre o seu falecimento no jornal Correio de Aracaju, onde se lê: ―a quem Aracaju deve grande parte de sua transformação arquitetônica, no bom gôsto das edificações de vivendas particulares que o extinto trouxe para o nosso meio‖218

. Esta transformação, como se observa nos discursos analisados, remete ao caráter

216

CARDOSO, 1941.

217

FALECEU o arquiteto Von Altenesch. Diário Oficial do Estado de Sergipe, Aracaju, 21 jun. 1940, ano XXII, n. 7906.

218

de renovação e modernização de Aracaju inerente ao trabalho de Altenesch, como indicado em texto de homenagem no jornal Folha da Manhã: ―[...] para Aracaju ele foi o profissional idoneo que reformou os moldes passadistas da arquitetura da cidade, povoando as suas ruas de uma centena de casas realmente novas [...]219. O papel renovador e modernizador da obra de Altenesch é reforçado também em texto feito pelo Departamento de Propaganda e Divulgação do Estado de Sergipe (D.P.D.E) em que pesa a referência ao contraste entre a suposta monotonia de uma arquitetura antiga e superada e o frescor da novidade de seus bungalows:

[...] Quando êle chegou a cidade de Inácio Barbosa ainda rescendia a coisa passada, e o estilo indefinido ainda relembrava a passagem dos arquitetos reinois. Foi como o toque da varinha mágica dos velhos contos a chegada dêsse alemão admirável. As ―vilas‖ passadistas e monótonas, redutos da mentalidade bunguêsa do fim do século, fôram enxotadas da paisagem urbana e os ―bangalôs‖ alegres e sorridentes, como colegiais estouvados, foram invadindo a cidade. Um prurido de renovação estético-arquitetônica alvoroçou Aracajú, que começou de fazer a sua ―toilete‖ encantadora pelos últimos figurinos de Nova York. Aracaju se converteu num centro de atração turística do nordeste pelo milagre do talento de Altenesch.

Foi o renovador da cidade (grifo nosso) [...] Como êle é, realmente,

rei do engenho podemos lhe aplicar a fórmula clássica, que os romanos empregavam para saudar Augusto: ―Encontrou uma cidade de tijolo e deixou uma de mármore‖ [...]220

É interessante observar que este paradigma da renovação, explicitado nos discursos pelo contraste entre os aspectos da renovação que se estabeleceu com a atuação de Altenesch e da ―monotonia passadista‖ da cidade, ao que parece, é indicativo muito mais de uma demanda aracajuana, do que uma determinação proveniente do construtor alemão. Esta hipótese é delineada quando se lê no papel timbrado de seu escritório a indicação de que ele projetava tanto ―architectura classica‖ quanto ―moderna‖221. Compreender com exatidão o que se entendia como

clássico, demandaria um aprofundamento nos discursos da época, mas é possível que seja uma referencia à arquitetura historicista, de inspiração europeia, às manifestações do ecletismo, que se configuram enquanto possibilidades plásticas à arquitetura dos anos 1930.

219

ALTENESCH, loc. cit. Cf. Anexo F.

220

SERGIPE. Departamento de Propaganda do Estado de Sergipe. Von Altenesch. Diário Oficial do Estado de Sergipe, Aracaju, 22 jun. 1940, ano XXII, n. 7907, p. 6. Cf. Anexo G.

221

Ao se observar o discurso sobre a presença de Altenesch em Aracaju e sua atuação, entende-se que Aracaju optou pela versão ―moderna‖ da arquitetura de Altenesch. Uma modernidade que pareceu se manifestar de múltiplas formas e que foi o mote da divulgação de seu escritório222: seja na novidade da tipologia do

bungalow, da qual se fez especialista, nas ―obras industriaes de cimento armado‖, e

em suas ―construções modernas em geral‖.

Referências à personalidade de Altenesch também compõem homenagens: ―foi ainda um homem de intimidade, constituindo, então, o seu trato um real prazer. Inteligente, culto, sensível, não poucos o conheceram sob esse aspéto [sic], auferindo de suas relações um inapreciável benefício para as exigências do espírito‖223

. Este perfil cordial do alemão é confirmado por Porto, que em suas palavras afirma que:

[...] foi muito correto o comportamento de Altenesch, o que fazemos baseados em múltiplos contatos profissionais e pessoais. Era altamente cordato, podia aborrecer-se, mas nunca o vimos irritado. Não exibia nenhum traço de arrogância, o que o fazia singular entre seus patrícios aqui residentes, que nos olhavam de cima para baixo, numa soberba que crescia com o aumento do poder hitlerista [...]224

Possivelmente, se deve também a este seu perfil de personalidade a sua permeabilidade na sociedade sergipana, particularmente nas altas instâncias do poder público. Esteve em Aracaju por seis anos aproximados — considerando-se que tenha chegado em 1933, e que ficou até final de 1939 — e, assim, em menos de uma década foi capaz de vincular seu nome e sua obra não só a muitas ações modernizadoras dos governos municipais e estaduais, mas a uma ideia de atualização da visualidade da cidade de forma mais ampla, tornando-se, portanto, a referência primeira na cidade no que se refere às técnicas e estéticas arquitetônicas modernas da época.

Dessa forma, a amizade que se estabeleceu entre Altenesch e Godofredo Diniz, perfeito de Aracaju à época, resultou na oficialização e consolidação da vinculo do alemão à renovação da Aracaju dos anos 1930. Isso se deu com o Decreto-Lei nº 39 de 19 de agosto de 1940, assinado pelo prefeito, que, ao

222

H. O. ARENDT Von Altenesch: Engenheiro Civil, loc. cit.; H. A. ARENDT Von Altenesch: Engenheiro Civil, loc. cit.

223

ALTENESCH, loc. cit.

224

reconhecer o valor da presença criativa e construtora do alemão para a cidade, muda o nome da Rua Vila Nova para Altenesch225 por considerar, entre outros motivos referentes ao seu papel modernizador, ―que foi ele, na consagração unânime da opinião popular o renovador da Cidade de Aracaju‖226

. Logo, a rua em que havia residido, como visto anteriormente, e em que haviam sido construídas as residências que foram as responsáveis por elevar o seu nome a um amplo conhecimento e reconhecimento público, passou a ter o seu nome. A placa com o novo nome da rua foi inaugurada dois dias após a promulgação daquele Decreto227.

Este decreto durou por dois anos apenas. Com os ataques de submarinos alemães a navios brasileiros na costa sergipana nas noites de 15 e 16 de agosto de 1942, o sentimento xenófobo contra os alemães tomou conta das ruas de Aracaju. Por isso, o prefeito à época, José Garcez Vieira, se viu obrigado a retirar, por manifestação popular, o nome de Altenesch da antiga Rua Vila Nova. O economista e memorialista Murillo Melins, em entrevista concedida para este trabalho, que guarda memórias deste acontecimento, explicou como aconteceu esta mudança no nome da rua:

[...] nós estudávamos aqui no Atheneu e ficamos revoltados com aquilo... Todo alemão a gente julgava que era nazista, aí nós fomos na Rua Altenesch e quebramos as placas, umas placas de ágata que eram indicativas do nome. Quebramos e na outra semana o prefeito recolocou as placas. E nós fomos lá e quebramos e pichamos ―Altenesch é nazista‖. Aí o prefeito depois tirou o nome de Altenesch e botou Duque de Caxias [...]228

No dia 21 de agosto de 1942, exatos dois anos após a inauguração da placa da Rua Altenesch, foi promulgado pelo prefeito Decreto-Lei nº 22, que suprimiu o nome de Altenesch e atribuiu à antiga Rua Vila Nova o seu novo (e atual) nome Duque de Caxias229. Desta forma, o nome do alemão sumiu das ruas da cidade, mas sua obra persistiu, ainda que tenha, gradativamente, se rareado ao longo das décadas com as contínuas demolições e descaracterizações.

225 PORTO, 2003, p. 21; SANTOS, 2002, p. 65. 226 ARACAJU, 1941, p. 14. 227

SERGIPE. Departamento de Propaganda e Divulgação. Noticiário Oficial. Boletim Mensal, Aracaju, n. 2, jul. a out. 1940, p. 3.

228

Trecho de entrevista concedida por Murillo Melins para esta pesquisa em 26 de julho de 2017.

229