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2. Os corpos pedagógicos entre leis, narrativas e ressignificações

2.1 O enquadramento legal dos corpos pedagógicos

Como já discutimos no primeiro capítulo, os corpos pedagógicos de Dona Boquinha e de seus alunos estavam submetidos às políticas educacionais da ditadura militar (1964-1985). Sobre esse contexto, Dermeval Saviani (2008) nos recorda de que os interesses envolvidos na tomada do poder pelos militares foram, sobretudo, de grandes empresários e industriais à época. Quando a essa categoria não interessava mais a bandeira da industrialização do país, o primeiro momento de uma meta atingida e estabilizada ao longo dos anos “JK” (1955-1960), a classe média, os operários e as forças de esquerda ainda aguardavam a segunda etapa do processo: as reformas de base, dentre elas, a educacional. O acirramento da luta de classes nesse cenário foi inevitável:

Nesse contexto, a sociedade se polarizou entre aqueles que, à esquerda, buscavam ajustar o modelo econômico à ideologia política e os que, à direita, procuravam adequar a ideologia política ao modelo econômico. No primeiro caso, tratava-se de nacionalizar a economia; no segundo, o que estava em causa era a desnacionalização da ideologia. (SAVIANI, 2008, p. 293)

Nos anos imediatamente anteriores à imposição daquele regime, este cenário engrossaria a criação de institutos destinados a resguardarem os interesses da burguesia nacional: de 1959 a 1963, o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) e, de 1962 a 1971, o Instituto de Estudos Políticos e Sociais (IPES). O último, particularmente, foi financiado por empresários brasileiros e estrangeiros, já incluindo militares entre seus dirigentes, em 1962. Agiam por meio de guerra psicológica e da divulgação de slogans sobre o que chamavam combate ao comunismo.

Sob tal alcunha foram tachadas as reivindicações populares e, especialmente no que concerne à educação, a estratégia do IPES fora a de organizar, já em dezembro de 1964, um simpósio sobre a reforma da educação a ser implantada no regime. O documento para orientar as discussões sobre esse evento, bem como as de outro que ainda seria realizado em 1968, o fórum “A educação que nos convém”, traçava as linhas gerais do que de fato se consolidou naquela reforma:

(...) ênfase nos elementos dispostos pela “teoria do capital humano”; na educação como formação de recursos humanos para o desenvolvimento econômico dentro dos parâmetros da ordem capitalista; na função de sondagem de aptidões e iniciação para o trabalho atribuída ao primeiro grau de ensino; no papel do ensino médio de formar, mediante habilitações profissionais, a mão-de-obra técnica requerida pelo mercado de trabalho; na diversificação do ensino superior, introduzindo-se cursos de curta duração, voltados para o atendimento da demanda de profissionais qualificados; no destaque conferido à utilização dos

meios de comunicação de massa e novas tecnologias como recursos pedagógicos; na valorização do planejamento como caminho para racionalização dos investimentos e aumento de sua produtividade; na proposta de criação de um amplo programa de alfabetização centrado nas ações das comunidades locais. Eis aí a concepção pedagógica articulada pelo IPES que veio a ser incorporada nas reformas educativas instituídas pela lei da reforma universitária, pela lei relativa ao ensino de 1º e 2º graus e pela criação do MOBRAL. (SAVIANI, 2008, p. 296-297)

O que aqui nos ocupa como retrocesso no campo das línguas estrangeiras se encontra na referida legislação relativa ao então ensino de 1º e 2º graus: a lei 5.692, de 1971. A despeito da precária infraestrutura das escolas para tanto, a visão tecnicista se associou à obrigatoriedade do ensino profissionalizante no segundo grau, projeto que, além de logo ver-se fadado ao fracasso (GOMES, 2017), foi responsável, por esmagar o currículo nas séries finais da educação básica. Como a decisão sobre a presença das línguas na escola passa a ser prerrogativa do Conselho Federal de Educação, prevaleceu a oferta de apenas um idioma, a saber, o inglês (LEFFA, 1999).

Os acordos MEC-Usaid e a hegemonia dos Estados Unidos no cenário posterior à Segunda Guerra Mundial (1939-1945) já foram apontados, no capítulo anterior, como razões para essa escolha unânime nas escolas. Importa ainda ampliar aqui tal discussão, por meio do olhar sobre os efeitos da reforma educacional da ditadura militar ao longo dos anos, fazendo prevalecer, conforme também nos aponta Saviani (2008), uma concepção produtivista da educação que se impõe

(...) na forma dos princípios da racionalidade, eficiência e produtividade, com os corolários do “máximo resultado com o mínimo dispêndio” e “não duplicação de meios para fins idênticos” (...). Esse legado do regime militar consubstanciou- se na institucionalização da visão produtivista de educação. Esta resistiu às críticas de que foi alvo nos anos de 1980 e mantém-se como hegemônica, tendo orientado a elaboração da nova LDB, promulgada em 1996, e o Plano Nacional de Educação, aprovado em 2001. (...) (SAVIANI, 2008, p. 297; 298)

Tal visão educacional produtivista não fomentou, por exemplo, qualquer projeto nacional de consolidação de políticas linguísticas, entendidas aqui, conforme nos aponta Kanavillil Rajagopalan (2014, p. 73), como “(...) uma série de atividades relativas à política, ao planejamento, à planificação, à proteção, à manutenção, ao cultivo e, como não podia deixar de ser de outra forma, ao ensino de língua (s) (...)”. Trazemos à tona, portanto, a negligência histórica legada às discussões e ações empreendidas em nosso campo, no que se refere, particularmente, à dimensão política, cuja relevância, ainda

segundo aquele autor, “(...) está ficando cada vez mais evidente em matéria de ensino de línguas, quer materna, quer estrangeira (RAJAGOPALAN, 2014, p. 73)

Ao longo dos vinte anos que se sucederam à promulgação da LDB 9394 (BRASIL, 1996), houve tímidos avanços nesse sentido e, ainda que esse marco indicasse a liberdade para a escolha do idioma a ser ofertado nas escolas de acordo com as diferentes realidades do Brasil (BRASIL, 1996), faltava-nos um longo caminho para ampliarmos experiências de formação docente e de plurilinguismo nos currículos da educação básica.

Aquela limitação legal ainda da ditadura reverberou sobre nosso legado educacional, e o fomento incipiente de políticas educacionais nesse domínio, dentre tantos outros aspectos historicamente negligenciados na educação do país, estão inseridos em contexto de permanentes ciclos de reformas educacionais que pouco levaram em conta o fato de ser o Brasil um território plurilíngue, primeiro pelas línguas autóctones e, depois, pelas alóctones herdadas de fluxos migratórios, como nos aponta Gilvan Müller de Oliveira (2009):

Para compreendermos a questão é preciso trazer alguns dados: no Brasil de hoje são falados por volta de 215 idiomas. As nações indígenas do país falam cerca de 180 línguas (chamadas de autóctones), e as comunidades de descendentes de imigrantes outras 30 línguas (chamadas de línguas alóctones). Some-se a estas ainda as línguas de sinais, com destaque para LIBRAS, língua brasileira de sinais, e para línguas afro-brasileiras ainda usadas nos quase mil quilombos oficialmente reconhecidos no Brasil. Somos, portanto, um país de muitas línguas, plurilíngue. (OLIVEIRA, 2009, p. 20)

Ainda segundo o pesquisador, esses dados representariam ínfima parte das cerca de 1078 línguas que aqui eram faladas em 1500. Desse número, teriam sido dizimados, até o ano 2000, aproximadamente 85% desses idiomas, em decorrência de projetos políticos cíclicos de substituição pelo português (OLIVEIRA, 2009, p. 20). Já de início, nossa colonização por Portugal, além de violentar as terras, os corpos, a liberdade e a história de povos indígenas e africanos, provocou o que aquele pesquisador chamou de glotocídio (assassinato de línguas):

O Estado Português e, depois da independência, o Estado Brasileiro, tiveram por política, durante quase toda a história, impor o português como a única língua legítima, considerando-a “companheira do Império” (Fernão de Oliveira, na primeira gramática da língua portuguesa, em 1536). A política linguística do estado sempre foi a de reduzir o número de línguas, num processo de glotocídio (assassinato de línguas) através de deslocamento linguístico, isto é, de sua substituição pela língua portuguesa. A história linguística do Brasil poderia ser contada pela sequência de políticas linguísticas homogeneizadoras e repressivas

e pelos resultados que alcançaram: somente na primeira metade do século XX, segundo Darcy Ribeiro, 67 línguas indígenas desapareceram no Brasil - mais de uma por ano, portanto (...). (OLIVEIRA, 2009, p. 20)

Ao contrário do conceito aqui já apontado para políticas linguísticas, verificamos, por meio dessas ações homogeneizadoras permanentemente impostas em nossa história marcada por violência, preconceito, desrespeito e exclusão social do povo negro e das comunidades indígenas, a tentativa de apagamento de seus legados linguísticos, literários, históricos e artísticos.

Vislumbraram-se possibilidades de ruptura nesse processo de mais de 500 anos de silenciamento, inicialmente, por meio da promulgação da lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que incluía, justamente no currículo oficial escolar, a temática “História e Cultura Afro-Brasileira” (BRASIL, 2003). Em 10 de março de 2008, seria promulgada a lei 11.645, que tornaria também obrigatório o estudo da história e da cultura afro- brasileira e indígena, no ensino fundamental e médio das redes públicas e privadas de educação brasileiras (BRASIL, 2008). Passam a constar da LDB 9394 (BRASIL, 1996) as orientações sobre a inserção desses conteúdos nas escolas, sobretudo a partir das áreas de educação artística, literatura e história brasileiras (BRASIL, 1996).

Dentre tantas reflexões que poderiam ocorrer em sala de aula por meio dessas conquistas, deveria figurar a importância do plurilinguismo indígena e africano para a constituição da nossa identidade cultural e linguística. Sem me aprofundar sobre pesquisas no campo, aponto que essa via pode tornar-se possível se, de fato, as redes de ensino estiverem empenhadas na implementação da lei 11.645/2008. Trata-se de um percurso que exige esforços para a formação de professores, para o fomento do mercado editorial e, sobretudo, para a realização de projetos com os alunos e as alunas das escolas. Ao desenvolver tais ações, gestores e professores devem organizar também o trabalho permanente de memória sobre as experiências e saberes constituídos a esse respeito nas diferentes realidades escolares do país. É a narrativa de outro cenário para o campo educacional que se escreve com o registro das experiências vivenciadas nas escolas e nas universidades brasileiras desde a promulgação daquele dispositivo legal.

Ao que aqui me proponho neste momento, além de destacar a importância do legado dos povos indígenas e africanos para as reflexões acerca do plurilinguismo e da educação intercultural no Brasil, seria oportuno ainda observar os silenciamentos linguísticos entre os grupos de imigrantes aqui instalados desde a segunda metade do século XIX. Nesse sentido, Gilvan Müller de Oliveira também já apontara a repressão

decorrente das políticas de “nacionalização do ensino” implantadas durante o Estado Novo (1937-1945) que criaram o denominado “crime idiomático”, por meio do qual eram perseguidos imigrantes italianos e alemães, nas regiões coloniais dos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul:

Foi nesses dois estados, nos quais a estrutura minifundiária e a colonização homogênea de certas regiões garantiram condições adequadas para a reprodução do alemão e do italiano, especialmente, que a repressão linguística, através do conceito jurídico de “crime idiomático”, inventado pelo Estado Novo, atingiu sua maior dimensão. Durante o Estado Novo, mas sobretudo entre 1941 e 1945, o governo ocupou as escolas comunitárias e as desapropriou, fechou gráficas de jornais em alemão e italiano, perseguiu, prendeu e torturou pessoas simplesmente por falarem suas línguas maternas em público ou mesmo privadamente, dentro de suas casas, instaurando uma atmosfera de terror e vergonha que inviabilizou em grande parte a reprodução dessas línguas (...). Essas línguas perderam sua forma escrita e seu lugar nas cidades, passando seus falantes a usá-las apenas oralmente e cada vez mais na zona rural, em âmbitos comunicacionais cada vez mais restritos. (OLIVEIRA, 2009, p. 22)

Pesquisadores do Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Políticas Linguísticas (IPOL) têm empreendido esforços para manter a memória desses grupos que resistiram e mantiveram, no ambiente familiar, a oralidade de sua língua materna (ou uma variedade dela)41. Trata-se de uma língua gregária, conforme apontaria mais tarde Jean-

Louis Calvet (2013): um elo entre pessoas que se instalam em espaços delimitados, nos quais reconhecem em seus conterrâneos parte de sua identidade desterritorializada no processo de imigração.

Ainda no século XXI, quando recebemos imigrantes bolivianos, sírios, palestinos, haitianos e venezuelanos, vemos que a estratégia de sobrevivência desses grupos é a reunião em comunidades específicas. Do ponto de vista da constituição de políticas educacionais (e linguísticas), as escolas inseridas em territórios onde se instalam esses imigrantes têm a potência de trazer à tona projetos que contemplem as demandas e as contribuições desses grupos, por meio da participação e das experiências vivenciadas entre famílias brasileiras e de outras nacionalidades no espaço escolar. As redes de ensino devem estar atentas à importância de identificar a necessidade de fomentar tal trabalho, e

41 O IPOL é apresentado em seu endereço eletrônico como “(...) uma instituição sem fins lucrativos, de caráter cultural e

educacional, fundada em 1999, com sede em Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, que representa os interesses da sociedade civil (...)”. Sua equipe, constituída por profissionais das áreas de Antropologia, Ecologia, Educação, História, Letras, Linguística, Sociologia, “(...) realiza atividades nas áreas de línguas indígenas, línguas de imigração, língua de fronteira, entre outras, em parceria com diversas instituições nos âmbitos nacional, estadual e municipal, de norte a sul do Brasil, além de parcerias com países da América do Sul”. Disponível em: <http://ipol.org.br/sobre-o-ipol/> Acesso em: 30 mai. 2019

o campo de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras deve ser inevitavelmente provocado a refletir sobre seu papel na mediação das ações implementadas nessas realidades plurilíngues.

Longe ainda de ampliar o debate sobre tais necessidades (e potencialidades), nossa área, como notamos no passeio realizado, aos saltos, pelos ciclos da educação brasileira dos últimos cinquenta anos, não se beneficiou de muitas paradas para a contemplação das rupturas que foram possíveis no cenário educacional. Como apontou Saviani (2008), o vínculo com uma concepção produtivista em nossos sistemas de ensino ainda prevalece na LDB 9493/1996, o que representou, para nosso campo, a continuidade da prevalência do inglês nos currículos ao longo desses anos.

Como já apontamos, a partir desse marco legal, a língua estrangeira seria um componente obrigatório da parte diversificada do currículo, escolhida pela comunidade escolar, de acordo com as possibilidades e escolhas locais. Desse modo, passa a ser oferecida, desde a antiga 5ª série do Ensino Fundamental (6º ano, em nossos dias), ao menos uma língua estrangeira moderna. No Ensino Médio, um idioma deveria ser obrigatório e um segundo, em caráter optativo, também poderia ser oferecido, segundo a realidade da instituição.

Tal orientação será reiterada nos Parâmetros Nacionais Curriculares (2000), precisamente no tópico reservado às Línguas Estrangeiras Modernas. No documento, é passada em revista a presença desse componente curricular nas escolas ao longo do século XX, cuja importância teria sido sempre relegada ao segundo plano. Isso teria ocorrido, sobretudo, em razão da carência de professores com formação linguística e pedagógica, cuja oferta se limitou ao inglês, sobretudo nas instituições de ensino superior privadas, pela ausência de outros idiomas na escola.

O texto indica a necessidade de atenção a tal fenômeno que teria se instalado nas escolas públicas, principalmente, e ao qual intitula “monopólio linguístico”. Reconhecendo a importância daquele idioma no mundo moderno, é apontada a necessidade de oferta de outras possibilidades ao aluno, dentre as quais já figuraria o espanhol, sem que isso significasse a substituição de um monopólio por outro. Por fim, merece destaque a apresentação dos fatores a serem considerados quando da inserção das línguas estrangeiras no currículo do Ensino Médio, tendo em vista, particularmente, a abertura para a escolha de uma segunda opção vinculada aos interesses da comunidade:

Muitos são os fatores que devem ser levados em consideração no momento de escolher a (s) Língua (s) Estrangeira (s) que a escola ofertará aos estudantes,

como podem ser as características sociais, culturais e históricas da região onde se dará esse estudo. Não se deve pensar numa espécie de unificação do ensino, mas, sim, no atendimento às diversidades, aos interesses locais e às necessidades do mercado de trabalho no qual se insere ou virá a inserir-se o aluno (...). Como a lei prevê a possibilidade da inclusão de uma segunda Língua Estrangeira Moderna em caráter optativo, parece vincular tal oferta também aos interesses da comunidade. (BRASIL, 2000, p. 27)

Na prática, sabemos que, apenas em 2005, será possível apreciar o som e o ritmo de outras culturas tão próximas ao Brasil, por meio da promulgação de outro dispositivo legal: a lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005, que dispõe sobre a obrigatoriedade do ensino de língua espanhola no Ensino Médio, bem como sobre a oferta facultativa dessa língua no Ensino Fundamental II. O histórico dessa conquista trazia em seu bojo uma antiga motivação econômica: a assinatura, em 26 de março 1991, do acordo entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, denominado Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). Tal fato já havia impulsionado, segundo Marcus Vinicius da Silva (2018), a primeira fase da expansão do ensino de língua espanhola no Brasil, bem como a consequente a oferta de cursos de licenciatura em Letras – Espanhol para a formação de professores que pudessem assumir essa nova demanda.

A promulgação da lei 11.161/2005 corresponde a um segundo momento para a ampliação do escopo dessa presença do espanhol na Educação Básica, fato que ocorreu graças ao engajamento dos professores e pesquisadores desse campo, não só na etapa que antecedeu à implementação do dispositivo legal, mas também durante e após o período previsto de 5 (cinco) anos para a incorporação do componente curricular pelos sistemas de ensino:

(...) durante muito tempo a Lei nº 11.161/2005 foi desrespeitada por vários Estados e Municípios os quais foram alvo de constantes denúncias ao Ministério Público Estadual e Federal quanto ao cumprimento efetivo da lei do espanhol. Cabe mencionar, ainda, que as Associações de Professores de Espanhol do Brasil e as Universidades com formação de professores de espanhol tiveram papel central nas denúncias e nos movimentos de luta para o efetivo cumprimento da lei federal. (SILVA, 2018)

As pesquisadoras Elzimar Goettenaure Costa, Fernanda Castelano Rodrigues e Luciana Maria Almeida de Freitas (2009) já tinham problematizado o momento de implantação da Lei do Espanhol, primeiramente, por meio do destaque às motivações que poderiam estar em jogo quando da sua assinatura. A despeito da alegada importância do dispositivo legal para promover a integração entre os países vizinhos, alertam-nos sobre

a euforia dos jornais brasileiros e espanhóis à época que publicaram, entre as suas páginas, a suposta vitória da diplomacia espanhola e latino-americana nesse cenário.

Tal informação é relevante para a compreensão da polêmica gerada, em 2009, por meio de uma Carta de intenções, firmada entre o Ministério da Educação e o Instituto Cervantes. O documento abriria caminhos para que, no processo de incorporação do idioma nos currículos escolares, este órgão representante da Embaixada Espanhola no Brasil se ocupasse da formação de professores, da elaboração de materiais didáticos, da divulgação de novas tecnologias para o ensino de espanhol, bem como do reconhecimento do Diploma de Español como Lengua Extranjera (DELE). As universidades que já fomentavam ações e pesquisas no campo mobilizaram seus pares e discutiram, não apenas o evidente desrespeito às suas competências nessas questões, mas também os interesses subjacentes àquela Carta, cujo tom consideravam paternalista para com a Espanha:

O tom paternalista do documento contribui para armar um cenário de menosprezo pela capacidade do próprio MEC de reger seus interesses, pelas instituições brasileiras responsáveis pela formação de professores e pela confecção de materiais didáticos (virtuais ou não) produzidos no Brasil. Ademais, o documento atribui ao Instituto Cervantes a capacidade e a função de aproximar o Brasil "da cultura que é comum a todos os países hispano-falantes", o que é questionável, pois essa instituição é subordinada ao governo da Espanha e, certamente, não foi autorizada pelos demais países hispânicos a representá-los internacionalmente ou a difundir suas culturas no Brasil ou em quaisquer outros países do mundo. Há uma grande e rica diversidade cultural que não pode ser reduzida a uma perspectiva unilateral. Note-se, nesse sentido, que nessa Carta não há nenhuma referência a ações concretas que possam promover a integração regional ou ao Mercosul, questões que motivaram, como já afirmamos, pelo menos na justificativa, a aprovação da Lei 11.161. (COSTA; RODRIGUES; FREITAS, 2009)

Além de ignorar, conforme prevê a LDB 9394 (BRASIL, 1996), a prerrogativa das universidades sobre a formação de professores por meio de cursos de licenciatura plena, a Carta coloca em questão, por exemplo, a prevalência de um exame de