• Nenhum resultado encontrado

O Ensaio Mental da Acção enquanto Origem do Pensamento

Concordantemente com isto, é possível explicar qualquer ciclo de pensamento, de ati- vidade mental, a partir do seguinte raciocínio: uma simulação é inconscientemente selecionada, ativada e mentalmente ensaiada, conscientemente ensaiada - com ação evidente suprimida. As imagens conscientes que assim se originam são transmitidas globalmente (à maneira de Baars, 1988), cando assim disponíveis como entrada ao conjunto total de sistemas intuitivos. Estes, por sua vez, desenham daí inferências, ativam memórias relevantes (para análise similar) e emitem reações emocionais. Du- rante a tomada de decisões, as consequências somáticas são monitorizadas (à maneira de Damásio, 1994) e as motivações são ajustadas de acordo com isso. Deste modo, o consciente é um espaço de representações que são, por denição, expressões incons- cientes para ação ou análise, o que pode produzir, quando necessário, uma sequência de imagens conscientes relacionadas sucientemente grande para dar a ilusão de um raciocínio puramente consciente - o que se mostra desnecessário enquanto modelo quando é dada uma explicação não só mais simples, mas baseada também em evidên- cia robusta da presença de cada um dos componentes em animais (em 4).

O surgimento de tal capacidade possibilita a previsão das consequências sensoriais esperadas de certas ações possíveis, assim como a facilitação da correção da ação em tempo real (Wolpert & Flanagan, 2001; Wolpert & Ghahramani, 2000; Wolpert et al., 2003). Quando necessário, tais modelos emitem imagens motoras conscientes, assim como imagens de outros tipos, podendo também fazê-lo quando acções são ensaiadas mentalmente com ação manifesta suprimida (Jeannerod, 2006), o que resulta em sequências de imagens motoras, visuais, auditivas ou de qualquer género que servem como componentes conscientes do pensamento reexivo.

Também é amplamente aceite que a difusão global está abaixo do nível das experiências e imagens conscientes (Baars, 2002; Baars et al., 2003; Dehaene & Nac- cache, 2001; Dehaene et al., 2003). Nessa difusão, tais representações percentuais ou imagéticas são tornadas acessíveis como entrada ao conjunto de sistemas cognitivos inconscientes de análise para que estes formem e evoquem memórias, relevantes para a tomada de decisões, assim como para a geração de respostas emocionais e motiva- cionais, existindo evidência de que o córtex motor é ativado na criação e na trans- formação de imagens visuais (Kosslyn, 1994; Ganis et al., 2000; Lamm et al., 2001;

Richter et al., 2000; ?), assim como de que, durante episódios de diálogo interior, estão ativadas, não só as áreas relacionadas com a compreensão da linguagem, mas também da sua produção, assim como áreas associativas do córtex motor (Paulescu et al., 1993; Shergill et al., 2002), o que constitui evidência de que a ativação mental do ensaio motor é usada como guia de sequências de imagens conscientes encontradas no pensamento reexivo.

Para além disso, António Damásio e os colegas juntaram uma grande quantidade de evidência sobre o papel crucial que a monitorização de reações emocionais na transmissão global de imagens tem na tomada de decisões humana (Damásio, 1994, 2003).

Visto isto, à exceção do conteúdo das representações conscientes e do envolvi- mento da linguagem, não há razões para crer que qualquer dos componentes seja unicamente humano, havendo mesmo motivos para crer que macacos empreendem, ocasionalmente, uma tomada de decisões reexiva, envolvendo o ensaio mental da ação, experienciando aquilo a que se chama introspeção. A suportar tal indução, para além da observação presente, temos informações de que é exemplo o facto de o Homo Ergaster já usar, há 1.4 milhões de anos, materiais variáveis e imprevisíveis para fabricar machados e espadas simétricos (Gowlett, 1984; Pelegrin, 1993; Mithen, 1996; Schlanger, 1996; Wynn, 2000), o que exige o planeamento de vários movimen- tos e pancadas, ou seja, da visualização mental prévia do trabalho nal, do golpe pretendido e dos seus efeitos assim antecipados.

Capítulo 3

Um ou Dois Sistemas?

Apesar de acreditar que o que foi dito até ao momento, juntamente com o capítulo que se segue (4), mostra como funciona verdadeiramente o pensamento consciente e, portanto, a verdadeira divisão entre os tipos de pensamento que daí podem resultar, e de achar que a hipótese dos dois sistemas não só não marca uma divisão real, como não existem razões sucientes para acreditar nela em primeira instância, o que foi dito não chega para refutar a existência de dois sistemas - apenas para tornar a sua existência teórica irrelevante e desnecessária. Assim, mesmo considerando que a hipótese devia cair simplesmente por não ter razões para se manter, vou questionar a sua existência através de exercícios de pensamento e da análise de alguns dados, empíricos e experimentais.

3.1 Crenças Conscientes/Racionais e Crenças Incons-

cientes/Irracionais - qual a diferença?

Numa pesquisa por categorias de crenças, entrei num site de Psicologia e Terapia Cognitiva1 que denia como Crenças Centrais - crenças negativas incorporadas como

verdades absolutas que geram sofrimento psicológico na idade adulta - o desamparo, o desamor e o desvalor. E isto não é importante para o caso, mas, servindo o site apenas como exemplo de algo idêntico ao que encontraríamos em qualquer lugar; vejamos as descrições:

Crença de Desamparo - a pessoa tem a certeza (irracional/inconsciente) de que é incompetente e será sempre um fracassado;

Crença de Desamor - a pessoa tem a certeza (irracional/inconsciente) de que será rejeitada;

Crença de Desvalor - a pessoa acredita ser inaceitável, sem valor al- gum.

Quero sublinhar a única coisa que importa aqui: o que está entre parênteses e só na terceira denição não aparece - embora se possa julgar implícito. Quem escreveu irracional/inconsciente, o que quis dizer? Sem o explicitar - sem falar das crenças que se opõem a estas - fez a divisão intuitivamente aceite e universalmente partilhada entre crenças irracionais/inconscientes e crenças racionais/conscientes. Por outras palavras, a ideia aceite de que existem crenças nascidas da intuição e crenças nascidas do raciocínio, de que existem crenças de origem inconsciente e crenças de origem consciente.

Mais à frente, são dados exemplos de Pensamentos automáticos de cada uma das crenças. Alguns dos Pensamentos Automáticos da Crença de Desamparo são:

Sou inadequeado/ sou ineciente/ sou incompetente/ não me consigo proteger, entre outros.

Então, vejamos: a crença foi denida como irracional e inconsciente, e os pen- samentos por ela despoletados como automáticos. Parece-me que ninguém porá em causa nem que as crenças são de raiz inconsciente e irracional, nem que os pensa- mentos que se lhe seguem, respondendo a uma regra, são automáticos.

A questão está no resto, que supostamente contrasta com isto. Mas temos, para já, que aceitar duas coisas: em primeiro lugar, os pensamentos automáticos são conscientes - existentes ao nível da linguagem, acessíveis. Em segundo, que, se são conscientes, e se aceitarmos a existência de dois sistemas, são manipulados por aquele a que chamamos Sistema 2, ou raciocínio lógico. Portanto, são racionais. Portanto, temos que uma crença de origem inconsciente e irracional resulta em pensamentos enviesados, mesmo que automáticos, ao nível consciente e racional.

Assim, pressupondo a existência desse sistema chamado raciocínio, a pessoa não deixa de ser racional, serve antes o seu raciocínio, guiado pela intuição - metaforica- mente falando, visto que nego a divisão -, para fundamentar a crença inconsciente. Por outras palavras, esse pensamento automático, ou seja, gerado automaticamente, aparece no consciente, reagindo-lhe o agente de certa forma. Toda a crença derivada (i.e. sou incompetente) será fundamentada, como se a sua razão fosse advogada das suas paixões. Não defenderemos, julgo eu, que se dissermos à pessoa não és

nada incompetente, tentando expor razões pelas quais a pessoa é competente, ela não terá nada a dizer em defesa da sua posição! E, se não defendemos tal coisa, se conseguimos ver com certa nitidez a forma como o seu cérebro doente funciona, e se, até hoje, sempre se viu a doença como uma forma de compreender a sanidade, respondamos à pergunta: terá o cérebro são uma forma de funcionamento distinta do cérebro paranoico? Só o poderá defender quem nunca teve momentos em que não queria acreditar numa coisa, ou pensar numa coisa, e não conseguia evitá-lo. Ou, será, por outro lado, o cérebro doente uma forma exagerada dos mesmos processos que compõem o cérebro saudável?

No fundo, é unânime que a pessoa tem uma crença inconsciente - o que signica, nada mais nada menos, que tem uma crença consciente disponibilizada pelo inconsci- ente, de origem inconsciente. Aceitando que alguém é racional, essa pessoa não será menos racional do que ninguém. Não o podemos negar. Mas o que o que acontecerá na sua sequência de representações conscientes a que chamamos raciocínio é o apare- cimento de imagens e sensações relacionadas, surgidas inconscientemente e a que esse mesmo inconsciente reage.

E é consciente, como qualquer um de nós, porque está ciente do que pensa e sente, mas é só isso a sua consciência, sem ter qualquer poder de decidir que pensamento se seguirá a outro - e por isso podemos armar que tais pensamentos são automáticos.

Olhando de fora, não custa vericar que essas crenças funcionam assim, e penso que ninguém o negará. Então temos que nos perguntar: o que é que indica que o cérebro e a mente saudáveis não funcionam da mesma forma e segundo os mesmos princípios, respondendo qualquer pensamento ao mesmo processo?

O que é visto como voz da razão - o que diz o contrário da primeira intuição (i.e. Eu consigo!) - não será antes uma segunda intuição, uma segunda ideia, possivel- mente ligada a um estado emocional diferente, mas disponibilizada conscientemente a partir dos mesmos exatos princípios?

3.2 As Crenças Contraditórias Simultâneas e a Fa-