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O Inconsciente enquanto Fonte de Impulsos Comportamentais

É vasta a literatura em que os autores postularam que a mente consciente não é a fonte de origem do nosso comportamento. Em vez disso, dizem que o seu papel é o de gatekeeper and sense maker depois do acto (Gazzaniga, 1985; James, 1890; Libet, 1986; Wegner, 2002). Segundo estes, o impulso é gerado inconscientemente e, então, o consciente experiencia-o e reivindica-o como seu. No entanto, mesmo essa visão é parcial e deixa muitas dúvidas quanto ao papel da parte consciente da mente, pouco tendo sido dito sobre de onde vêm tais impulsos e sobre como funciona exatamente essa divisão.

À primeira questão, parece haver uma resposta, dada por Bargh e Morsella (2008), dada a evidência acima: uma variedade de impulsos comportamentais gerados a qual- quer momento a partir das nossas motivações e preferências desenvolvidas, normas culturais e valores, experiências passadas em situações similares, e do que outras pes- soas estão a fazer no momento na mesma situação. Tais impulsos proporcionaram-nos motivações, preferências e tendências que operam inconscientemente, assim como mi- micry e outros efeitos priming desencadeados pela mera perceção do comportamento dos outros.

Mas, da minha perspetiva, mesmo esta evidência é vista pelo autor no sentido oposto: isso não serve apenas para que saibamos a resposta à primeira questão (de onde vêm tais impulsos), mas também à questão da função do consciente, que daí resulta, e portanto à segunda pergunta (como funciona exatamente essa divisão). Os poderes do consciente não nos foram providenciados, não são algo que está disponí- vel ao consciente. É ao contrário: o consciente é posterior e uma ferramenta provi- denciada pela evolução ao inconsciente, funcionando quando é necessário e como é necessário, fazendo o que o inconsciente não consegue: representar. Apesar de isso ser contrário à nossa sensação epistémica, o inconsciente não é uma ferramenta que está disponível ao consciente, mas o consciente uma ferramenta que está disponível ao inconsciente - a transformação dos mecanismos inconscientes em imagens. O que torna isso difícil de compreender e aceitar é o facto de nós, enquanto Eu, residirmos no consciente, no tal que experiencia tudo como seu.

2.4.1 Conito e Consciência

Dadas as múltiplas fontes de impulsos comportamentais inconscientes ocorrendo em paralelo, conitos entre si são inevitáveis, num mundo onde só se pode fazer uma coisa de cada vez (Bargh & Morsella, 2008, p. ?). Desta perspetiva, todos os conitos vistos como demonstrações de um conito padrão entre consciente e inconsciente, ou entre intuição e raciocínio, podem ser vistos como conitos inconscientes de ex- pressão consciente. Por outras palavras, como hipóteses que o inconsciente representa (conscientemente) com o objetivo de decidir, projetando-as e avaliando-as.

Como dito antes, ontogenicamente cedo as ações tendem a reetir as ações de uma mente não suprimida. Não há dúvidas de que uma criança falha em aguentar dor ou em suprimir comportamentos desejados em troca de uma recompensa futura. Durante o desenvolvimento, porém, a aprendizagem operante assume uma maior inuência no comportamento e as ações começam a reetir supressão de programas de ação, um evento neural e mental com propriedades interessantes que envolve frequentemente intenções conituosas, como querer comer e não comer, que têm um custo subjetivo aversivo (Lewin, 1935; Morsella, 2005).

Independentemente da adaptabilidade do plano do sujeito (e.g. atravessar um de- serto a correr para alcançar água) um conito ativado não pode ser desligado volunta- riamente (Morsella, 2005). Inclinações podem ser comportamentalmente suprimidas, mas não mentalmente suprimidas. Aqui, dizem Bargh e Morsella (2008), apesar de os agentes inconscientes terem o poder de inuenciar diretamente o comportamento, ainda inuenciam a natureza da consciência, visto que as inclinações continuam a ser expressadas conscientemente mesmo que não se expressem comportamentalmente. Eu, quanto a isto, tenho a dizer que mesmo os autores que mais viram da mente inconsciente, não viram o suciente: para além de não termos razões para achar que os agentes inconscientes deixam de inuenciar diretamente o comportamento, temos razões para acreditar no contrário - que toda a análise nos escapa. O que é visto como intencional e consciente e, portanto, deliberado, foge-nos ainda assim ao controlo consciente, e isso é fácil de demonstrar: tal como a criança falha em ini- bir comportamentos, o adulto falha em desinibir. E disto não há dúvidas: adultos embebedam-se para car desinibidos e, se fosse uma escolha consciente inibir, seria uma escolha consciente não inibir, mas não é. Ora, tal como não conseguimos resis- tir, mesmo que gostássemos, a uma tentação mais forte que a força de a inibir, não conseguimos resistir, mesmo que gostássemos, a não fazer algo que gostaríamos de ter

coragem de fazer. E basta isto para provar que na mente há apenas uma batalha de forças com Eu provido de uma ilusão de protagonismo e escolha, quando tudo o que conhece, o consciente, é um espaço onde tudo o que não está acessível se expressa quando tem que expressar. Há forças, não escolhas.

Deste modo, as imagens funcionam como reexos internalizados (Vygotsky, 1962) que podem ser cooptados para representar um papel essencial na simulação mental. A melhor maneira de conhecer as consequências de uma potencial é simulá-la - é ad- quirido o conhecimento dos outcomes sem o risco da performance da ação. Assim, há autores que armam que a função da memória explícita, consciente, é a de simular ações futuras (Schacter & Addis, 2007).

2.4.2 Guia Inconsciente do Comportamento Futuro

Tal simulação é inútil sem a capacidade de avaliar as representações simuladas, e tal capacidade é desaante e complexa porque exige que se tenham em consideração di- versos aspetos, como consequências físicas e sociais. A maior parte do conhecimento em relação ao que é favorável e desfavorável já está consubstanciado no sistema do agente que, antes do advento da supressão, controlava o sistema diretamente - sendo o consciente um espaço da representação do resultado da análise, ou seja, da ideia da ação que é, ao mesmo tempo, a interpretação do ambiente (como no exemplo do leão, dado em 1). Agora, com a supressão, o sistema responde à simulação como se respondesse a estímulos externos reais. Assim, processos inconscientes de resolu- ção de conitos fornecem informação relevante, tornando-a consciente e avaliando-a, possibilitando representações de planeamento do futuro.

Dadas motivações sucientemente fortes para o comprometimento com o curso de ação planeado, planos especícos como quando X acontecer, farei Y operam automaticamente quando a oportunidade surge, como provou uma investigação sobre intenção de implementação (e.g. Gollwitzer, 1999). Assim, processos inconscientes não só se adaptam à situação presente, mas guiam-nos e inuenciam-nos também nos caminhos futuros.

2.5 O Ensaio Mental da Acção enquanto Origem do