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CAPÍTULO 4 A BIOÉTICA NO MUNDO CONTEMPORÂNEO

4.4 O ENSINO DA BIOÉTICA

Em geral, tende a ser interdisciplinar a abordagem à Bioética, tendência que se inaugurou em 1971 nos Estados Unidos, com a criação do Instituto Kennedy, espalhou-se pelo mundo centros, institutos e departamentos acadêmicos direcionados para a área de Bioética e do Biodireito. Desses centros participam médicos, enfermeiros, dentistas, juristas, filósofos, historiadores, cientistas sociais, antropólogos e profissionais da área das artes (DANTAS; SOUZA, 2008).

De qualquer forma, a disciplina que trata da Ética e da Bioética, além de professores especialistas em Bioética – bioeticistas – deve contar com profissionais de Filosofia, Antropologia e Sociologia para integrar a formação de médicos e enfermeiros, dado que prescindem de outros conhecimentos além daqueles técnicos, ou de base biológica. Não se quer significar aqui que não sejam eles relevantes, senão que saber usá-los implica o conhecimento e o desenvolvimento de atitudes de excelência moral, sobremaneira porque esses profissionais se inter- relacionam e cuidam de pessoas atravessando momentos de fragilidade, de vulnerabilidade.

O bioeticista, estudioso e especialista em Bioética, não pretende ensinar filosofia. Ensiná-la á o filósofo, que, dentre outros recursos selecionará textos adequados à formação humana do médico e do enfermeiro, assim como deve ocorrer em relação ao sociólogo, antropólogo. Por sua vez, cabe ao bioeticista conhecer algumas correntes filosóficas para entender o ser humano e suas relações, propor métodos e desenvolvimento das potencialidades dos estudantes para a eticidade e, nesse sentido elaborar situações e promover discussões problematizadoras que tragam à realidade vivida pelo médico e enfermeiro a possibilidade de refletir nas vicissitudes humanas.

Em estudo realizado por Siqueira, Sakai e Eiseli (2002), recomenda-se que o docente da área de Ética deva ter vivência profissional, conhecimento cumulativo de cultura humanística, de filosofia moral, das normas regulamentadoras da profissão e história da Medicina. No desempenho da disciplina deve haver a presença de um docente de elevada qualificação.

A Bioética entende que valores, de fato, influem nas decisões. Ao mesmo tempo em que somos influenciados por valores adquiridos e consolidados, existirá a possibilidade de contínuo questionamento dos valores estabelecidos, o que implica maior ajuste das regras às situações novas. A Bioética propõe, então, que haja oportunidade para desenvolvimento de reflexão crítica contínua das situações e que se tomem decisões por meio de discussões em equipe, preferivelmente a composta de ordem multiprofissional e multidisciplinar, para que as opiniões se complementem, orientadas a que se abra um leque de possibilidades, em que se analisem benefícios, riscos e consequências das escolhas efetivadas e porque as decisões sejam mais adequadas.

Em muitos países surgiram pesquisas, centros e comitês de Bioética, formados por especialistas de diversas áreas. Hoje, vários hospitais no mundo todo fazem constar de seu corpo clínico profissionais especialistas em Ética, contratados para cumprir o propósito de amparar seus clínicos em momentos em que urge uma tomada de decisão em face de casos de tratamento complexo.

No Brasil criaram-se a Sociedade Brasileira de Bioética e alguns centros de estudo e pesquisa. No entanto, tanto a disseminação quanto a valorização da Bioética, pelo menos de forma mais perceptível, andam em passos lentos, mesmo porque esta discussão anda na contramão de tudo o que está no ápice da sociedade moderna: os interesses econômicos, a competitividade, o lucro, valores de mercado, o capital, enfim. A Ética ocupa o mais alto grau de valor de uma sociedade: a própria vida, as relações humanas, os sentimentos, a natureza e condição humana, o que deveria ser de interesse de todos. Sintetiza bem a intenção da bioética no mundo contemporâneo a proposta inicial de Potter: a preservação da vida, a sustentabilidade do planeta Terra. Eis o que deveria prevalecer na orientação da conduta humana.

Entre as características principais da Bioética, consta que ela deva ser livre em seus propósitos. Por conseguinte, faz-se inadmissível uma doutrina que venha se contrapor ou questionar seu valor como ambas – ciência e disciplina –, porque discutem tudo quanto respeita à vida. Com efeito, toda e qualquer pessoa deveria dela se informar, conhece-la, discutir suas matérias, não apenas colegiados de médicos e de juízes. Está-se a exigir um posicionamento fundado em reflexão plural, resultante de discussão intersubjetiva, para que, diante da complexidade da vida humana contemporânea, se possa decidir responsavelmente em relação à própria

vida na Terra e a todas as relações que nela estão insertas.

Nesse panorama, a Bioética passa a atuar, solicitando “o despertar de uma nova consciência de ser, de um apurado sentido do humano, que se interroga pelo ‘que devo fazer?’ face ao ‘que posso fazer?’”3 (NEVES, 1996, p. 8), em virtude da condição de o homem avançar progressivamente nas descobertas científicas e tecnológicas, o que lhe aumenta as possibilidades de intervenção no curso da vida. Ademais, devem-se considerar as novas situações, absolutamente inéditas, que desafiam a hierarquia de valores estabelecidos, tanto para os médicos – que sabem do que são capazes – quanto para os filósofos, que conhecem os princípios morais da sociedade ocidental.

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Foi a verdadeira "revolução biológica" desencadeada pela descoberta do DNA, por Crick e Watson, em 1953, que criou as condições para o vertiginoso movimento de inovação tecnológica que se lhe seguiu e que foi pautado por grandes sucessos em áreas diversas como: transplantes, reprodução, genética, ressuscitação, etc. Simultaneamente, em nível sócio-político, revigora-se o poderoso movimento dos direitos humanos, sobretudo durante as décadas de 60 e 70, com a contestação da guerra do Vietnã e o conseqüente desafio da "autoridade" instituída, e também com a luta pela igualdade de direitos entre brancos e pretos, entre homens e mulheres. Na confluência destes fatores encontramos a crise da noção de progresso como essencialmente positiva e a intensificação do questionar da ciência. É o despertar de uma nova consciência de se ser, de um apurado sentido do humano, que se interroga pelo "que devo fazer?" face ao "que posso fazer?".

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