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4 A EDUCAÇÃO NO PERÍODO DEPARTAMENTAL DO ACRE TERRITÓRIO

4.2 O ENSINO PRIMÁRIO NO DEPARTAMENTO DO ALTO PURÚS

O Departamento do Alto Purús teve sua sede instalada em Sena Madureira,31 em 1904. A administração desse Departamento foi confiada ao General do Exército Siqueira de Menezes. O governo Federal considerou instalar a capital do Território Federal do Acre em Sena Madureira, por ser geograficamente central e instalou em 1908, nessa cidade as seguintes instituições: o primeiro Tribunal de Apelação, com jurisdição sobre todo o Território; uma seção da Justiça Federal; uma administração de Correio; Delegacia do Tesouro Nacional; Delegacia da Agricultura; e as sedes das Comissões de Obras Federais e Defesa da Borracha. Mesmo após a unificação administrativa do Território, Sena Madureira ainda contava com a Estação Central dos Telégrafos e a sede da Inspetoria Agrícola, criada para o Território.

No Alto Purús se organizaram movimentos autonomistas, que conseguiram depor o prefeito do Departamento o Coronel Tristão de Araripe e instalar uma Junta Governativa Revolucionária, entre 07 de maio e 08 de junho de 1912, a qual proclamou a região independente. O governo federal depôs esse governo revolucionário, restitui sua autoridade sobre aquela região e reorganizou administrativamente o Território em cinco municípios: Cruzeiro do Sul, no Alto Juruá; Tarauacá, no Alto Tarauacá; Rio Branco e Xapuri, no Alto Acre; Sena Madureira, no Alto Purús. Essa reorganização administrativa do Território do Acre, que criou novos municípios, se realizou como uma reação aos movimentos autonomistas e para garantir uma presença mais ostensiva do governo federal e manter o Acre na condição de Território subordinado a união.

Nesse contexto, a situação da oferta da instrução pública no Departamento do Alto Purús, contava com poucas escolas, havia duas escolas instaladas no centro da cidade de Sena Madureira, uma masculina e outra feminina, e mais uma sala de aula de prendas e de trabalhos manuais e em sua periferia duas escolas mistas (GINELLI, 1982). Giovanna Ginelli (1982, p, 42) relata que ―nem todas essas escolas possuíam prédios próprios, mas eram instaladas em prédios particulares, pouco espaçosos e sem

31 Nome concedido ao muncípio acreano, sede do Departamento do Alto Purús, em homenagem ao Coronel do

as mais elementares condições de hygiene‖. Em face dessas condições, o prefeito pretendia votar verbas para a construção de prédios escolares, mobílias e a fundação de novas escolas, uma pelo menos na sede de cada termo judiciário (GINELLI, 1982).

O Regulamento da Instrução Pública do Purús de 1914, na gestão do Prefeito Samuel Barreira, estabelecia a oferta de ensino primário público e gratuito, e em conformidade com o programa de ensino primário, aos alunos de ambos os sexos residentes no Departamento do Purús. Esse regulamento também definia que o ensino seria ministrado em grupos escolares e escolas isoladas e onde mais fosse necessária a sua criação, e ainda, escolas noturnas destinadas, sobretudo, as classes proletárias. Estabelecia também a organização do ensino e a graduação do ensino em disciplinas.

Conforme o relatório datado de 18 de janeiro de 1912, expedido por Godofredo Maciel, prefeito de Sena Madureira, nessa cidade, foi instalado o primeiro grupo escolar do Acre, que atendia somente meninas. O prefeito nomeou para o cargo de Inspetor Escolar Arthur Cyrilo Freire, que reorganizou a instrução primária em Sena Madureira, conservou as escolas existentes e criou o grupo escolar para meninas, ao qual foi anexada a escola de prendas e trabalhos manuais, sob a direção de uma professora, e também criou mais duas escolas mistas. Na cidade de Sena Madureira declinou-se de homenagear as personalidades ilustres, ou datas históricas nos nomes das escolas, elas eram nomeadas seguindo-se a ordem de fundação e os lugares onde funcionavam (GINELLI, 1982).

No processo de expansão da escola primária, em Sena Madureira durante o período Departamental, optou-se por criar escolas mistas preterindo-se a separação dos alunos por sexo. Na gestão do prefeito departamental Samuel Barreira em 1913, as condições de higiene para a organização e o funcionamento das escolas públicas e particulares, no Departamento do Alto Purús, estavam disciplinadas pelo Regulamento da Diretoria de Hygiene daquele Departamento. Esse regulamento determinou as características e as condições higiênicas a serem cumpridas para a instalação e o funcionamento das edificações destinadas às escolas, visando à salubridade do ambiente, a saúde dos alunos e professores, adequadas condições para o ensino e o aprendizado: as edificações deveriam ser elevadas do nível do solo pelo menos um metro e assoalhada com madeira, tendo os porões rigorosamente asseados; a iluminação preferencialmente unilateral esquerda; o arejamento e a ventilação com comunicação direta com o ar através de janelas não avarandadas, com 1,20 metros de altura e em número suficiente; duas sentinas afastadas das casas e separadas para meninos e meninas nas escolas mistas; salas de aula com espaço mínimo de 1, 20 m2 por aluno;

mobiliário adequado a higiene, ao tamanho dos alunos e apropriado à postura para a escrita, os alunos não poderiam ficar com pernas penduradas e sem o apoio para os pés; a matrícula e a frequência dos alunos condicionadas a vacinação contra a varíola e não afetados por moléstias contagiosas; interrupção da frequência as aulas dos alunos afetados por moléstias transmissíveis até o restabelecimento da saúde; tempo máximo de estudos fixado em 3 horas diárias para os cursos elementares e 4 horas para os superiores; e competia aos professores evitar as atitudes viciosas, exigir aos alunos a postura reta na realização das tarefas de escrita e leitura.

Contudo, apesar da vigência do Regulamento da Diretoria de Hygiene do Alto Purús, que disciplinava as características das escolas e as condições para a realização do ensino no Departamento do Alto Purús, parte das escolas conduziam seus expedientes, suas atividades em casas particulares, sem observarem as normas estabelecidas. O relatório elaborado por Luiz Alves dos Santos, Diretor de Instrução Pública do Alto Purús, de 12 de agosto de 1913, expôs os principais problemas encontrados nas escolas do Alto Purús em suas visitas de inspeção, e destacou: o elevado número de alunos em turmas multisseriadas; o desnível de adiantamento dos alunos, por constituírem classes diferentes formando uma escala variadíssima de graus de adiantamento entre os educandos, que dificultava a ação do professor com cada aluno; a separação dos dois sexos nas escolas; a diversidade de livros de texto entre alunos de uma mesma classe, consequência direta da pobreza das famílias que não tinham condições de comprar livros para seus filhos e a deficiência de material escolar.

Para enfrentar esses problemas, especialmente, os desníveis dos alunos, o Diretor de Instrução Pública propôs a divisão dos alunos em dois cursos o elementar e complementar, reunidos nos grupos escolares da zona urbana, e a organização de correspondentes programas de ensino, para reduzir a variedade de graus de adiantamento entre os alunos em cada aula. Essa proposição do Diretor de Instrução Pública foi acatada pelo prefeito do Departamento, que, por meio da Resolução de 05 de setembro de 1913, converteu as três escolas urbanas em uma complementar e duas elementares.

Conforme o Regulamento da Instrução Pública do Alto Purús de 03 de maio de 1914, o provimento do cargo de professor, nas escolas daquele Departamento, era realizado por intermédio de concursos públicos. Esse regimento estabelecia as regras e os procedimentos para a realização de concursos para professores: Competia ao prefeito abrir concursos para os cargos de professor elementar e complementar sempre que julgasse necessário; Constituir a Comissão Examinadora, dentre as pessoas de

reconhecida competência, para funcionar sob a presidência do Diretor de Instrução Pública, o qual atuava como fiscal do governo do Departamento e detinha o voto para as situações de desempate entre candidatos; Não poderia integrar a Comissão Examinadora pessoas ligadas por laços de parentesco a quaisquer dos candidatos inscritos; Designada a Comissão Examinadora competia a essa organizar os pontos das diversas matérias objeto do exame, que por sua vez eram submetidos à aprovação do prefeito. O prefeito do Departamento após aprovar os pontos das provas estava obrigado a publicá-los, com uma antecedência de 15 dias, antes da aplicação da primeira prova escrita; Incumbia ao Diretor de Instrução Pública, em um prazo de 60 dias de antecedência, determinar por meio de edital o dia e a hora de realização do concurso, assim como, as condições exigidas aos candidatos ao cargo de professor; O Artigo 28 previa que os professores realizassem exames nas seguintes matérias que constituíam o Programa do Ensino no Departamento do Alto Purús:

a) Portuguez: toda a matéria com exercícios de analyse lexicológica e syntactica (provas escripta e oral);

b) Arithmetica: essencialmente prática, até regra de juros simples, inclusive (provas escripta e oral);

c) Geographia: definição das partes líquidas e sólidas da terra; elementos essenciais de cosmografia; descrição physica, política e econômica do Brasil; noções gerais das cinco partes do mundo, com suas divisões administrativas (prova oral);

d) História do Brasil (prova oral);

e) Geometria: noções gerais de geometria plana e no espaço com sua aplicação ao desenho linear (prova ora);

f) Sciencias Naturaes: Zoologia, Botânica e Mineralogia, Physica e Chimica (Prova oral);

g) Pedagogia: prova prática que consistirá, sobretudo, numa preleçcão do candidato sobre qualquer matéria do programa de ensino público, onde se possa revelar sua aptidão para o magistério. DEPARTAMENTO DO ALTO PURÚS – REGULAMENTO DE INSTRUÇÃO PÚBLICA DO ALTO PURÚS – 1914.

As regras e os procedimentos que compunham o rito e normatizavam a realização dos concursos conferiam mais importância aos conteúdos em detrimento dos métodos. Nessa perspectiva, a pedagogia e seus pressupostos ficaram reduzidos à preleção do candidato, sobre qualquer matéria do programa de ensino público, o que cingia os pressupostos pedagógicos ao domínio, ao aspecto prático e enfatizava a habilidade prática dos candidatos ao cargo de professor. Assim, ficava a pedagogia esvaziada e abstraída de seus aportes e conteúdos teóricos, dos pressupostos técnicos e científicos orientadores das práticas escolares. Também, não se atribuía valoração aos títulos obtidos, apenas ao desempenho nas provas. Pois, os candidatos ao magistério, em geral, eram leigos, raros eram os professores habilitados em escolas normais (GINELLI, 1982).

Os professores com melhor classificação em concursos públicos eram destinados a ministrar as séries mais elevadas do nível complementar do curso primário. Por outro lado, às turmas de alfabetização, que se constituía em parte do nível elementar do curso primário, eram em geral designadas aos professores assistentes auxiliares. Desta forma, atribuía-se maior relevância e prestigio as séries mais adiantadas do nível complementar do que ao nível elementar a alfabetização. No Departamento do Alto Purús, os professores foram classificados conforme o nível de ensino do curso primário em que trabalhavam – professores elementares e assistentes auxiliares, complementares e adjuntos. Os assistentes e os auxiliares eram os responsáveis pelas classes de alfabetização ou trabalhavam como auxiliares dos professores elementares. Por sua vez, os professores adjuntos trabalhavam como auxiliares dos professores complementares.

Nessa perspectiva, operacionalizava-se uma hierarquização tanto do conhecimento a ser ensinado, quanto do corpo docente responsável por transmitir aqueles conhecimentos aos alunos. Assim, conferiu-se a valorização e o prestígio aos conhecimentos de caráter abstrato e aos professores vinculados a esses saberes. Desse modo, havia uma estreita relação entre o prestígio do docente e o nível do ensino primário em que esse atuava e exercia suas atividades, vinculava-se o professor ou professora ao conhecimento ensinado a cada nível do ensino primário. Dessa forma, produzia-se uma correspondência entre o professor e o programa de ensino que findava por hierarquizar os docentes. E a referência utilizada para essa hierarquização residia nos conhecimentos estabelecidos e prescritos no programa de ensino público, destinados ao ensino. Atribuía-se maior prestígio aos professores que atuavam nas séries do nível complementar do ensino primário, o ciclo final desse ensino. E ficavam desprestigiados os professores – os assistentes e os auxiliares, atuantes no nível elementar, sobretudo, a alfabetização.

O Programa do Ensino Primário das Escolas Públicas do Alto Purús, estabelecia o conteúdo da educação intelectual da escola primária, estruturado em disciplinas e séries, estava organizado em dois níveis: o elementar, com três anos de duração e o complementar, com dois anos de duração. O ensino primário também foi estendido aos adultos nas escolas noturnas, com a mesma configuração quanto à organização do regime e ao conteúdo dos estudos – o nível elementar e complementar, e ainda o curso primário profissional que preconizava aprendizagem de ofícios (GINELLI, 1982).

O corpo se constituiu em um referencial tangível para emoldurar a organização e o funcionamento e as atividades das escolas e as próprias regras de conduta em seu interior, sobretudo, a introjeção de autocontrole individual. E a partir do corpo foram