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2.2 RESULTADOS COMUNS ENTRE OS ESTUDOS RELACIONADOS AO

2.2.1 Não deve haver ensino religioso nas escolas

2.2.1.1 O ensino religioso é desnecessário em escolas cujo Estado é laico

Quando se afirma que o ensino religioso é desnecessário em escolas cujo Estado é laico cria-se um consenso específico que busca justificar os argumentos dos autores contrários ao ensino religioso nas escolas, gerando, portanto, três subconsensos:

a) O ensino religioso é desnecessário na escola laica; b) O ensino religioso não é democrático;

c) os professores confundem aula de religião com ensino de uma religião. Observam-se, a seguir, os fundamentos que buscam justificar tais pensamentos comuns contrários ao ensino religioso nas escolas.

a) O ensino religioso é desnecessário na escola laica. 13

A Sociedade da Terra Redonda tem por fundador e presidente o programador de computadores Leo Vines. Essa sociedade, fundada em 04 de maio de 1999 como uma organização não governamental brasileira, tem três objetivos principais: 1º) defender os direitos dos ateus na sociedade; 2º) advogar pela total e completa separação entre Estado (Governo) e Religião; 3º) divulgar e promover o método científico, o pensamento crítico, as realizações e os avanços da Ciência. Disponível em: http://str.com.br/principal.php. Acesso em 18 dez 2009.

Encontrada em 1,44% das publicações, esta categoria revela que o ensino religioso não é necessário à formação do cidadão.

Esta ideia é defendida por Saviani (1997), Cunha (2001) e Cury (2004). Segundo esses autores, quando o aluno é incentivado, de forma direta ou indireta, a identificar-se com alguma religião, não se está promovendo um sistema educacional democrático e sim discriminatório. Para eles, ainda que fosse possível um ensino religioso caracterizado por uma metodologia, especificamente científica, ficariam em desvantagens os arreligiosos, os ateus e até mesmo uma grande parcela de religiosos fundamentalistas.

De acordo com Saviani (1997, p. 15), não se justifica estudar religião na escola laica em função da transmissão de valores morais, pois: “para estudar valores morais, não é necessário estudar as religiões, basta estudá-los enquanto constructos históricos e socialmente elaborados”.

Concordando em parte com o autor acima citado, Azevedo (1981, p. 72) já havia dito, muito antes, que a educação para a vida implica em saber conviver em sociedade, em compreender e vivenciar valores morais e saberes essenciais ao exercício da cidadania.

Na visão de Cunha (1991, p. 14), ratificando sua discordância quanto ao ensino religioso na escola: “o Estado democrático e de direito é laico, portanto, há separação nítida entre os interesses privados das religiões e os diversos interesses das escolas públicas garantidos legalmente”.

Outro argumento contra o ensino religioso, sob qualquer forma, é fundamentado no pensamento de que na escola laica se discute ciência, ou seja, objetos cognoscíveis, positivados, enquanto a religião lida com o transcendente e a transcendência não é objeto cognoscível.

Segundo Cury (2004), o ensino religioso é desnecessário na educação do Brasil, que é um país laico e multicultural. Além disso, as instâncias religiosas já possuem instrumentos e canais de comunicação eficientes para ensinar seus princípios:

O ensino religioso em escolas públicas, ainda que facultativo, vem revelando-se problemático em Estados laicos, perante o particularismo e a diversidade dos credos religiosos. Cada vez que tal proposta compareceu à cena dos projetos educacionais, veio carregada de uma discussão intensa em torno de sua presença e factibilidade em um país laico e multicultural.

No caso do Brasil, o conjunto de princípios, fundamentos e objetivos constitucionais, por si só, garante amplas condições para que, com toda a liberdade e respeitadas todas as opções, as igrejas, os cultos, os sistemas filosófico-transcendentais possam, legitimamente, recrutar fiéis, manter crentes, manifestar convicções, ensinar seus princípios, fundamentos e objetivos e estimular práticas em seus próprios ambientes e locais. Além disso, hoje mais do que ontem, as igrejas dispõem de meios de comunicação de massa, em especial as redes de televisão ou programas religiosos em canais de difusão, para o ensinamento de seus princípios (CURY, 2004, p. 20).

O pensamento de Cury, sobre as igrejas terem comunicação de massa, estaria correto se todas as religiões, mesmo as com menor número de adeptos, possuíssem canais de televisão, rádios, jornais enfim, meios de atingir a massa. Nesse sentido, os canais de televisão, as estações de rádio, os jornais, as revistas e as páginas da internet ocupam significativo espaço mental da sociedade hodierna. Porém, da mesma forma que há escolas religiosas que atendem somente a elite, há instituições religiosas desfavorecidas economicamente que não tem acesso às tecnologias midiáticas atuais para levar suas mensagens.

É necessário salientar que a lei n. 9475/97 não concede que os segmentos religiosos controlem diretamente o ensino religioso nas escolas públicas, ou seja, retirou-lhes o poder, mas são esses segmentos quem determinam indiretamente os conteúdos a serem ministrados nas aulas de ensino religioso.

De acordo com Pauly (2004, p.56), devido a lei n. 9475/97, as instituições religiosas também perderam o controle sobre a elaboração da grade curricular da disciplina Ensino Religioso e a respeito da formação e da seleção de seu corpo docente. Se as instituições religiosas quiserem influir no ensino religioso podem fazê-lo, como entidades da sociedade civil inseridas na comunidade escolar, e pela conquista do apoio de docentes e discentes desse ensino, mas sem imposição.

De certa maneira, as instituições religiosas continuam influenciando no ensino religioso, pois os conteúdos e os professores desta disciplina necessitam do credenciamento dos conselhos estatuais e do conselho nacional de ensino religioso. Entende-se que a lei n. 9475/97 retirou o controle formal, mas não a influência.

Diante do exposto, conclui-se que o ensino religioso criticado pelos autores parece ser o ensino confessional ou doutrinário e não aquele voltado para as ciências que estudam as religiões. Resta saber: por que alguns especialistas não consideram o ensino religioso um ato democrático?

b) O ensino religioso não é democrático.

Os autores Vaidergorn (2008) e Leão (2009) têm seus posicionamentos contrários ao ensino religioso em função deste não ser democrático, pois o ensino de uma religião ou mais religiões, com uma conotação mais confessional, é inviável, pois os discursos são antagônicos.

Segundo Vaidergorn (2008, p. 4):

O ensino religioso identificado com uma religião não é democrático, pode ser considerado discriminatório. Voltado para uma determinada religião pode constranger os alunos que não compartilham dessas ideias. Dependendo da maneira que forem ministradas, as aulas de religião podem incentivar a intolerância entre os estudantes.

A inserção do elemento religioso no processo educacional pode, segundo Vaidergorn (2008, p.4), gerar conflitos: “Em vez de a educação fazer o seu papel formador, o seu papel de suprir, dentro das suas condições, as necessidades de formação da população ela passa a ser também um campo de disputa política e doutrinária.”

Roberto Leão, o atual presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), também discorda do ensino religioso e contesta a justificativa apresentada na Lei n. 9475/97 de que o ensino religioso é necessário para a formação do cidadão:

Não podemos considerar que a questão ética, a questão moral, o valores sejam privilégios das religiões. A presença do elemento religioso não faz sentido na educação pública e voltada para todos os cidadãos brasileiros. A escola é pública, e a questão da fé é uma coisa íntima de cada um de nós” (LEÃO, 2009, p. 7).

Leão (2009) indicou a impossibilidade de todos os tipos de crenças estarem representados no sistema de ensino religioso. Segundo ele, religiões minoritárias, a exemplo das religiões de origem afro, não teriam estrutura para estarem presentes em todos os pontos do país. Além disso, as pessoas que não têm religião estariam completamente excluídas desse tipo de ensino.

Para outros estudiosos, um exemplo do tipo de exclusão mencionado por Leão (2009) seria um curso ministrado por teólogos, os quais, provavelmente,

voltariam suas atenções para determinadas religiões em detrimento de outras, o que tornaria esse tipo de ensino não democrático.

No que tange a uma educação democrática, Junqueira (2000) afirma:

Educar é um processo democrático de descoberta e redescoberta do ser humano em comunidade, exigindo uma participação sempre mais consciente de todos. A História nos revela que não há neutralidade em educação, porque toda proposta educativa é subsidiada por aspectos que explicitam o tipo de ser humano e de sociedade em que se acredita. Desta forma a educação supõe um processo de humanização, personalização e de aquisição de meios para ação transformadora na sociedade (JUNQUEIRA, 2000, p. 6).

Entende-se que, mesmo não havendo neutralidade em educação, um ensino religioso democrático contribui com a formação de uma sociedade mais humanizada. Democracia aqui no sentido de acesso igualitário às informações advindas das religiões e humanização no sentido de dinamizar esse acesso de forma humana, generosa e consciente ou seja, sem mecanicismo.

Vimos que as ideias acima denotam que as controvérsias sobre o ensino religioso persistem. Será que é porque acreditam que seu perfil ainda é visto como ensino de uma ou mais religiões?

c) Os professores confundem aula de religião com ensino de uma religião.

Sena (2009) critica o ensino religioso atual no sentido de que os professores confundem aula de religião com ensino de uma religião e assevera:

Há a tendência de caracterizá-lo como ensino de religiões, privilegiando outros enfoques que não a experiência do Transcendente. A expressão “aula de religião” utilizada algumas vezes para indicar o ensino religioso é entendida, normalmente, como o ensino de uma religião. (SENA, 2009, p. 8).

Na visão de Sena (2009), o ensino religioso deveria ser voltado para o estudo das experiências objetivas e subjetivas que os indivíduos vivenciam diante do transcendente. Se isso não ocorre, também não há razão para se ter ensino religioso.

Varela (2002) e Rocha (2008), no entanto, observam que os atuais conflitos que envolvem o ensino religioso favorecem o surgimento de divergências, seja entre

as visões confessionais e não confessionais, seja entre as transreligiosas ou fenomenológicas.

Rocha (2008, p.17) ainda assevera que “a religião é parte importante no processo educacional. Uma educação integral envolve também o aspecto da dimensão religiosa ao lado das outras dimensões da vida humana”.

Ao analisar essas posições contrárias ao ensino religioso, Ferraz (2006) informa que, além dos confrontos de conteúdo, há também aqueles relacionados entre confessional proselitista14e não confessional pluralista15.

Prestes (2002) alerta que algumas experiências com ensino religioso ainda são vistas como práticas missionárias, o que gera controvérsias16.

É possível perceber que essas controvérsias quanto as ausências de neutralidade, de didática e de epistemologia, que envolvem o ensino religioso, podem estar relacionadas à falta de uma identidade científica comum para esse tipo de disciplina nas escolas.

Existem autores17 que não são contra o ensino religioso, mas se preocupam com o mesmo, analisando e tentando solucionar suas controvérsias. Eles também afirmam que, atualmente, os grupos que mais promovem reflexões sobre o ensino religioso são: o FONAPER e sua preocupação com os Parâmetros Curriculares Nacionais a respeito do ensino religioso; a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, frente a manutenção do ensino católico, e o “grupo do não”, que se posiciona contra o ensino religioso.

Diante destas três concepções defendidas pelo “grupo do não” contra o ensino religioso é possível considerar que realmente o Estado é laico e que a escola é lugar de ciência, uma vez que as religiões já possuem meios de divulgar suas mensagens. De fato, os valores morais podem ser estudados por meio da compreensão das diversas religiões e seus constructos históricos culturais, 14Confessional Proselitista – que pretende converter os alunos a uma determinada religião. Vide:

ITOZ, 2003.

15Confessional e Pluralista – mais democrático, facultativo, sem exclusão ou discriminação de outras

religiões.

16 A respeito das controvérsias, vide o estudo de CÂNDIDO, Viviane Cristina. Epistemologia da

Controvérsia para o Ensino Religioso: aprendendo e ensinando na diferença, fundamentados no

pensamento de Franz Rosenzweig. Tese (Doutorado em Ciências da Religião) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2008, 412 p.

17Mocellin (1995), Junqueira (1996), Aragão (1997), Zanette (1997), Rodrigues (1999), Almeida

(2002), Medeiros (2005), Jorge (2001); Ranquertat Júnior (2007), Nascimento (2009), Prestes (2002), Teixeira (2002) e Mazzarollo (2005).

sociológicos, filosóficos e/ou psicológicos. Mas que também deveria haver uma alternativa a mais para os que consideram o ensino religioso útil e até mesmo para os que estão insatisfeitos com o ensino religioso atual.

A escola é um lugar de aprender, mas também de brincar, de trocar experiências, de questionar, de errar e de tentar novamente, enfim, são muitas as atribuições da escola. O que difere dos objetivos centrais dos templos, onde a educação religiosa é o objetivo maior.

Afinal, se existe um grupo insatisfeito com o ensino religioso, que dizem os satisfeitos? Em que concordam, então, os pesquisadores que são favoráveis ao ensino religioso atual?