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A antiga concepção liberal da propriedade ainda é influente na jurisprudência brasileira. Os tribunais nacionais têm atrasado a penetração da função social na interpretação e na legitimação da propriedade. Essas primeiras conclusões tornam-se bastante plausíveis quando se discute a problemática da luta pela terra, na medida em que ela é um dos principais motores da efetividade social do princípio da função social da propriedade.

Analisar as ocupações de terra no Brasil de maneira individual seria de todo pretensioso, mas parte-se do pressuposto que são válidas e necessárias à busca por uma estrutura fundiária mais justa, sem excluir, todavia, a ocorrência de eventuais desvios cometidos pelos movimentos sociais no curso dessa jornada, sem, jamais, deslegitimar a luta como um todo.

Em vista dessa questão, o Superior Tribunal de Justiça, contudo, recentemente editou a Súmula 354, com a seguinte orientação aos tribunais inferiores: “A invasão do imóvel é causa de suspensão do processo expropriatório para fins de reforma agrária”.

Esta súmula surgiu na tentativa de coibir novas ocupações de terras no país, como instrumento violento ao acesso à terra, ou quiçá, no próprio impedimento da melhor distribuição fundiária.

Explica o processualista civil Fredie Didier Jr., ao discutir a tutela processual da posse, que:

O proprietário, para cumprir a função social da propriedade, precisa, obviamente, possuir a coisa; ou seja, a posse é o principal instrumento de exercício do direito de propriedade, que, como visto, deve observar os deveres fundamentais decorrentes daquela

cláusula geral constitucional. A posse é, pois, o instrumento da concretização do dever constitucional de observância da função social da propriedade.

Tem-se a partir da inteligência dessa passagem, que ao proprietário que não estiver de acordo com os ditames constitucionais da propriedade, não lhe será concedida a tutela processual da posse.

Por esta razão o mencionado processualista defende que:

O art. 927 do CPC, que enumera os pressupostos para a concessão da proteção possessória, deve ser aplicado como se ali houvesse um novo inciso (o inciso V), que se reputa pressuposto implícito, decorrente do modelo constitucional de proteção da propriedade.

Continuando logicamente com o raciocínio, o possuidor que for turbado ou esbulhado em sua posse por “invasores” sem-terra, deverá comprovar estar ele cumprindo com a função social, isto é, os seguintes requisitos, contidos no art. 186 da CR: “aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de trabalho; exploração que favoreça o bem- estar dos proprietários e dos trabalhadores”.

Além disso, o Superior Tribunal de Justiça por inúmeras vezes confere igual tratamento à propriedade cumpridora da função social e aquela que não o obedece. Veja-se do REsp 897.265/RO, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 24-8-2010:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL DE INICIATIVA DO INCRA. REMESSA NECESSÁRIA. AUSÊNCIA DE APELAÇÃO POR PARTE DA FAZENDA PÚBLICA. PRELIMINAR DE OCORRÊNCIA DE PRECLUSÃO LÓGICA PARA A INTERPOSIÇÃO DE RECUSO ESPECIAL AFASTADA. ORIENTAÇÃO FIRMADA PELA CORTE ESPECIAL. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. INDENIZAÇÃO. JUROS COMPENSATÓRIOS. IRRELEVÂNCIA DE O IMÓVEL SER IMPRODUTIVO.

1. Prevaleceu no âmbito da Primeira Seção desta Corte entendimento pelo não conhecimento do recurso especial pela ocorrência de preclusão lógica em relação ao recurso especial quando não há a interposição de apelação cível contra a sentença submetida a reexame necessário. Tal orientação foi firmada no julgamento do Recurso Especial n. 1.052.615/SP, da relatoria da Ministra Eliana Calmon (DJe 18/12/2009). Todavia, a Corte Especial, na assentada de 29 de junho de 2010, por ocasião do julgamento do RESP 905.771/CE, da relatoria do Ministro Teori Albino Zavascki, modificou o posicionamento em referência, decidindo que o comportamento omissivo da Fazenda em interpor recurso de apelação não configura preclusão lógica para um futuro recurso para as instâncias extraordinárias.

A despeito de alguns posicionamentos, verifica-se que aquele Tribunal oxigena-se continuamente com a já vintenária Constituição, de feição democrática e social, conforme se observa do AgRg no REsp 1138517/MG, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 18-8-2011:

ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. SUSPENSÃO DO PROCESSO EXPROPRIATÓRIO. MEDIDA CAUTELAR PELO JUIZ SINGULAR. POSSIBILIDADE. CONCEITO DE FUNÇÃO SOCIAL QUE NÃO SE RESUME À PRODUTIVIDADE DO IMÓVEL. DESCUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL NÃO RECONHECIDA PELA CORTE DE ORIGEM. MATÉRIA PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ.

1. Entendeu o Tribunal de origem que os recorridos não atacaram o decreto expropriatório, mas sim atos administrativos outros que podem ser sustados para impedir a edição e publicação de Decreto Presidencial.

2. Assim, são inaplicáveis os arts. 1º, § 1º, da Lei n. 8.437/92 e 1º da Lei n. 9.494/97, que vedam a concessão de medidas cautelares ou antecipatórias que objetivem a impugnação de ato de autoridade sujeita, na via de mandado de segurança, à competência originária de tribunal.

3. Nos moldes em que foi consagrado como um Direito Fundamental, o direito de propriedade tem uma finalidade específica, no sentido de que não representa um fim em si mesmo, mas sim um meio destinado a proteger o indivíduo e sua família contra as necessidades materiais.

Enquanto adstrita a essa finalidade, a propriedade consiste em um direito individual e, iniludivelmente, cumpre a sua função individual.

4. Em situação diferente, porém, encontra-se a propriedade de bens que, pela sua importância no campo da ordem econômica, não fica adstrita à finalidade de prover o sustento do indivíduo e o de sua família. Tal propriedade é representada basicamente pelos bens de produção, bem como, por aquilo que exceda o suficiente para o cumprimento da função individual.

5. Sobre essa propriedade recai o influxo de outros interesses - que não os meramente individuais do proprietário - que a condicionam ao cumprimento de uma função social. 6. O cumprimento da função social exige do proprietário uma postura ativa. A função social torna a propriedade em um poder-dever. Para estar em conformidade com o Direito, em estado de licitude, o proprietário tem a obrigação de explorar a sua propriedade. É o que se observa, por exemplo, no art. 185, II, da CF.

7. Todavia, a função social da propriedade não se resume à exploração econômica do bem. A conduta ativa do proprietário deve operar-se de maneira racional, sustentável, em respeito aos ditames da justiça social, e como instrumento para a realização do fim de assegurar a todos uma existência digna.

8. Há, conforme se observa, uma nítida distinção entre a propriedade que realiza uma função individual e aquela condicionada pela função social. Enquanto a primeira exige que o proprietário não a utilize em prejuízo de outrem (sob pena de sofrer restrições decorrentes do poder de polícia), a segunda, de modo inverso, impõe a exploração do bem em benefício de terceiros.

9. Assim, nos termos dos arts. 186 da CF, e 9º da Lei n. 8.629/1993, a função social só estará sendo cumprida quando o proprietário promover a exploração racional e adequada de sua terra e, simultaneamente, respeitar a legislação trabalhista e ambiental, além de favorecer o bem-estar dos trabalhadores.

10. No caso concreto, a situação fática fixada pela instância ordinária é a de que não houve comprovação do descumprimento da função social da propriedade. Com efeito, não há como aferir se a propriedade - apesar de produtiva do ponto de vista econômico, este aliás, o único fato incontroverso - deixou de atender à função social por desrespeito aos requisitos constantes no art. 9º da Lei n. 8.629/93.

11. Analisar a existência desses fatos, conforme narrado pelo agravante, implica revolvimento de matéria probatória, o que é vedado a esta Corte Superior em razão do óbice imposto pela Súmula 7/STJ.

Agravo regimental improvido”.

Passando-se à crítica aos julgados do Supremo Tribunal Federal, observa-se a importância de seu posicionamento frente à função social da cidade no tocante ao IPTU progressivo, no que se refere à função social da cidade. A progressividade do Imposto Territorial e Predial Urbano, para além do mero cumprimento do princípio da capacidade contributiva (art.156, § 1°, I, da Constituição da República), segundo o qual sua alíquota será distinta entre contribuintes com diferentes capacidades, é instrumento de extrafiscalidade para efetivação da função social da propriedade, de acordo com Antonio Roque Carraza:

A Constituição quer que, além de obedecer ao princípio da capacidade contributiva, o IPTU tenha alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade (nos termos do plano diretor). Em outras palavras, além de obedecer a uma progressividade fiscal (exigida pelo § 1° do art. 145, c.c o inciso I do art. 156, ambos da CF), o IPTU deverá submeter-se a uma progressividade extrafiscal (determinada no inciso II do § 1° do art. 156 da CF). Somente a progressividade extrafiscal depende da edição do plano diretor, que indicará qual a melhor localização e o uso mais adequado do imóvel urbano.

Portanto, o IPTU pode e deve ser um instrumento de extrafiscalidade.

O STF, na esteira deste pensamento, consolidou posicionamento no RE 590360 AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 31-5-2011:

IPTU – PROGRESSIVIDADE DA ALÍQUOTA – FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE – FINALIDADE EXTRAFISCAL – NECESSIDADE DE LEI NACIONAL – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. - A Constituição Federal de 1988, ao delinear o esquema normativo pertinente ao IPTU, contemplou a possibilidade de essa espécie tributária ser progressiva, em ordem a assegurar o cumprimento da função social da propriedade (CF, art. 156, § 1º, e art. 182, §§ 2º e 4º, II). O discurso normativo consubstanciado nesses preceitos constitucionais evidencia que a progressividade do IPTU, no sistema instaurado pela Constituição da República, assume uma nítida qualificação extrafiscal. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que a única progressividade admitida pela Carta Política, em tema de IPTU, é aquela de caráter extrafiscal, vocacionada a garantir o cumprimento da função social da propriedade urbana, desde que estritamente observados os requisitos fixados pelo art. 156, § 1º, e, também, pelo art. 182, § 4º, II, ambos da Constituição da República. Precedente (Pleno)

Por fim, no entender de José Isaac Pilati, “a progressividade seria um reforçador da função social da propriedade, integrando-a com a política e as exigências da ordenação citadina”

Deve ser pontuado, por outro lado, que a previsão da função social no Código Civil, apesar de reforçar o instituto, também pode restringir a sua contínua reanálise pelo Supremo Tribunal Federal, nos casos em que for este co objeto de apreciação. Isso porque, ao ser previsto em lei infraconstitucional, são totalmente inviabilizados recursos àquele Tribunal, visto que a ofensa à Constituição seria meramente reflexa ou indireta.

3. O ALCANCE DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

3.1 A desapropriação como forma de atender a função social

A desapropriação é uma das formas – ressalte-se, a mais agressiva – de intervenção do Estado no domínio econômico, privando o indivíduo, obrigatoriamente, de sua propriedade.

Conforme dispõe o inciso XXIV do art 5° da Constituição da República, é admissível por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, mediante justa é prévia indenização em dinheiro, de acordo como estabelecer a lei. O § 3° do art. 1.228 do Código Civil, por sua vez, também faz menção à privação do titular do bem sobre a coisa, mediante desapropriação.

Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, no tocante aos direitos e pretensões à indenização quanto à desapropriação, ensina que:

Ao conteúdo de propriedade também pertencem quaisquer direitos e pretensões à indenização, com que se obvia aos inconvenientes da intromissão permitida na esfera jurídica do titular de direito de propriedade.

Importa ao presente trabalho aquela desapropriação-sanção, vinculada ao descumprimento da função social. Esta sim, mas não a função social, é espécie de limitação, sendo um dos modos de perda da propriedade do titular do bem e de aquisição da propriedade pelo Estado.

Inicialmente, no que tange a propriedade urbana, a Constituição previu no inciso III do § 4° do art. 182 a desapropriação no âmbito municipal, nos casos de subtilização ou não utilização da área, ou então aquela não edificada, sobre a qual Celso Antônio Bandeira de Mello ensina:

“No espaço urbano, o titular de imóveis sito em área incluída por lei específica no Plano Diretor e que esteja não edificado, subutilizado ou não utilizado poderá, a teor do art. 182, § 4°, por força do aludido princípio, ser compelido pelo Município, nos termos da lei federal, a promover seu adequado aproveitamento, pena de se assujeitar, sucessivamente a: (a) parcelamento ou edificação compulsória; (b) imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; e (c) desapropriação paga mediante títulos da dívida pública, com prazo de resgate de até 10 anos, assegurado seu valor real, em parcelas anuais e sucessivas”.

A propriedade rural não cumpridora dos requisitos contidos no art. 186 da Constituição da República, ou seja, que não atende a função social, por sua vez, poderá ser desapropriada por interesse social com vista à reforma agrária, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, garantido seu valor real e resgatáveis em até 20 anos, também em parcelas sucessivas e anuais, a teor dos artigos 184 a 191 da CR, cuja competência é exclusiva da União Federal, devendo ser realizada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), o qual deverá implementar e executar a política de reforma agrária, promovendo o acesso a terra.

Ademais, acerca dos critérios e graus de exigência para os quais correspondem o cumprimento da função social, a Constituição do Brasil convive com a previsão segundo a qual será insuscetível de desapropriação a propriedade produtiva (art. 185, II, da CR).

Com efeito, Celso Antônio Bandeira de Mello, em uma rara e infeliz conclusão, afirma que “é forçoso concluir que poderá haver propriedade descumpridora de sua função social, mas livre desta modalidade expropriatória [...]”

No entanto, a despeito de uma interpretação sistemática da Constituição não adotada pelo jurista supracitado, sabe-se que ela não possui contradições internas e é harmônica em si mesma, razão pela qual Tarso de Melo ensina:

Aparentemente, não há qualquer antinomia aí, tampouco há dúvida de que produtiva é apenas aquela propriedade que cumpre a função social detalhada no art. 186 da mesma Constituição. Ou seja, as duas normas poderiam conviver tranquilamente. Mas não é bem assim. Por obra do dogmatismo jurídico, a serviço da ideologia dominante, há autores e, o que é pior, há juízes que consideram tais artigos como autônomos e admitem critérios de produtividade outros que não os previstos na própria Constituição!

Carlos Frederico Marés, tratando do tema, vai direto ao ponto:

‘O artigo 185 dispõe que o imóvel que seja produtivo é insuscetível de desapropriação, isso tem sido interpretado como: mesmo que não cumpra a função social, a propriedade produtiva não pode ser desapropriada, o que inverte toda a lógica do sistema constitucional [...]. É verdade que apesar da habilidade dos autores, essas armadilhas não teriam êxito, e até seriam toscas, não estivesse coerente com a ideologia dominante’.

À produtividade no sentido da função social (aproveitamento racional e adequado, respeito ao meio ambiente, à legislação trabalhista e ao bem-estar dos funcionários) opõe-se uma produtividade em sentido estritamente econômico, ou seja, especulativo (valorização da propriedade), de modo a dar sentido próprio ao art. 185, independente da função social e, mais, mesmo contra a função social.

Essa interpretação isolada do art. 185, assim sendo, configurar-se-ia óbice à realização da reforma agrária, uma vez que a produtividade meramente econômica é desprovida,

por muitas vezes, de qualquer compromisso com o bem-estar da sociedade, marcadamente daquela fatia carente de bens e recursos, os chamados “descamisados”, “excluídos” e outros termos semelhantes.

Desta forma, para além do mero “produtivismo”, a propriedade agrária não poderá desvincular-se da realização de sua função social.

Além disso, para Orlando Gomes, utilidade social é um conceito de difícil definição, o qual pode levar a abusos do legislador na sua utilização, no entanto, para ele:

[...] a utilidade social caracteriza-se pela necessidade de satisfazer, de modo imediato e direto, a uma classe social determinada, e, através dela, a toda a coletividade; e a utilidade nacional que exige se satisfaça a necessidade que tem um país de adotar medidas para fazer frente a situações que o afetem como entidade política ou como entidade internacional.

O dirigismo estatal, desse modo, deverá realizar políticas públicas com o desígnio de realizar e efetivar os direitos sociais, individuais e coletivos insculpidos na Constituição.

O novo instituto criado nos parágrafos 4° e 5° do art. 1.228 do Código Civil têm causado divergências doutrinárias no que concerne a sua classificação. Qual a natureza jurídica desse novo instituto criado no Código Civil? A princípio, observa-se a desnecessidade da posse “mansa e pacífica”, imprescindível no caso de usucapião, e de outro lado, verifica-se uma privação judicial da propriedade, assemelhando-se a uma desapropriação judicial. Neste diapasão, Luiz Edson Fachin, atualizador da obra do mestre Orlando Gomes, assim expõe:

De fato, argumentos há apontando para ambas as direções.

Sob o prisma topográfico teria consagrado uma espécie de ‘desapropriação judicial’. Ali, no parágrafo antecedente, o legislador, a teor do art. 5°, XXIV, da Constituição Federal, regulou as hipóteses de desapropriação por necessidade ou utilidade pública e interesse social, para, em seguida, dispor que o proprietário ‘também’ poderia ser privado da coisa. Sob tal ótica, a referência à indenização a ser paga ao expropriado defende a natureza expropriatória do instituto. Nada obstante, sendo o preço pago pelos próprios possuidores, sem que seja imputado tal dever ao Poder Público (difícil de sustentar-se, com efeito, diante de ausência de regra impositiva em tal sentido), distancia-se do instituto da desapropriação. Tal figura nova no sistema positivo não obsta que se sustente tratar-se de modalidade sui generis (rectius: onerosa) de usucapião, diante de nota característica da prescrição aquisitiva que estaria presente. No entanto, a ausência de posse animo domini e a cogência de pagamento do preço, a evidenciar aquisição derivada cujo título formal será a sentença em juízo de natureza petitória, a distanciam do usucapião.

Nada obstante, na tentativa de encontrar a solução para a problemática, instituiu-se o conceito de posse “pro labore” ou posse-trabalho, que na expressão de Maria Helena Diniz, “tal

inovação tem por base a socialização da posse, a função social da posse e da propriedade e a justiça social (CF, arts. 5°, XXIII, e 170, III). Atende-se à função social representada pela moradia, pelo trabalho produtivo e investimento”.

Diante das inúmeras controvérsias acerca desse instituto, polemizou-se na doutrina, então, quem seria o encarregado pelo pagamento da indenização ao proprietário do imóvel expropriado. Observa-se não se tratar, pois, de desapropriação, ou seja, de ato de império da Administração, impossibilitando seja o Estado, dessa maneira, o responsável. Assim, para Francisco Eduardo Loureiro, “parece claro que o preço deva ser pago pelos beneficiários, vale dizer, os possuidores da gleba. Não teria sentido o Estado pagasse o preço do imóvel que não desapropriou e pode não preencher os critérios de utilidade, interesse ou necessidade públicos”.

Observa-se que, em tese, nos casos de desapropriação (artigos 182 e seguintes da Constituição da República) e de venda compulsória (art. 1.228, parágrafos 4° e 5°, do Código Civil), o proprietário deverá ser indenizado, em justo e prévio pagamento em dinheiro (imóvel urbano) ou em títulos da dívida agrária (imóvel rural).

No entanto, conforme se discutiu no transcorrer do capítulo anterior, a propriedade hodierna justifica-se pela sua função, isto é, a função social é a própria razão de ser da propriedade. Não por outro motivo, a Constituição Brasileira repudiou a propriedade que não atende sua função social, não lhe conferindo proteção, seja no plano material ou no plano processual.

Nesse ponto, assevera Eros Roberto Grau, no tocante à desapropriação:

Ainda no que tange à propriedade, o tratamento conferido àquela dotada de função social é contraditório.

Deveras, esta – a propriedade dotada de função social- justifica-se, como vimos, pelos seus fins, sua função; é justamente sua função que a legitima.

Assim, se a partir deste ponto deixarmos fluir coerentemente o raciocínio, forçosamente concluiremos que ‘a propriedade dotada de função social, que não esteja a cumpri-la, já não será mais objeto de proteção jurídica’. Ou seja, já não haverá mais fundamento jurídico a atribuir direito de propriedade ao titular do bem (propriedade) que não está a cumprir a função social. Em outros termos: já não há mais, no caso, bem que possa, juridicamente, ser objeto de direito de propriedade.

Logo – sigo pelo caminho de raciocínio, coerentemente – não há, na hipótese de propriedade que não cumpre sua função social, ‘propriedade’ desapropriável. Pois é