O estabelecimento “Café”

O Café surge em Portugal como um ponto de encontro para se estar com amigos e ―jogar conversa fora‖. É um espaço para onde combinamos de tomar um café com alguém para falarmos de assuntos pessoais, corriqueiros, para fumamos um cigarro numa pausa para uma ―higiene mental‖, para resolver conflitos pessoais e até paquerar (como citado pelo entrevistado alfacinha 35). As pessoas também se encontram no Café para falar de trabalho e até fechar negócios, aproveitando que o local permite uma interação ―mais leve‖.

PORTUGUÊS 35: É engraçado, é... ―o café é um meio de...‖. Ele é um meio social entre família, amigos, e também tem o outro lado... Se, por exemplo, duas pessoas se conhecem na internet e moram no mesmo país/cidade... para se conhecerem ,o que é que fazem? Combinam de ir tomar um cafezinho...É uma coisa mais soft, está a convidar para sair, mas, no entanto, a convidar para tomar um café. Se convidasse para ir à casa ou ir ao Largo de Camões ou assim, a outra parte já se ia sentir menos à vontade, talvez com medo... Se chamasse ―vamos tomar um copo?‖, já é algo mais... O café é mais soft, disfarça... Depois, até pode ir passear, jantar ou assim, mas o café é mais fácil para ter uma conversa.

Isso denota que esses espaços, mesmo sendo frequentados por colegas de trabalho, não têm de ser associados a trabalho. Eles estão vinculados a interação social, a lazer, a momento de tranquilidade e de pausa nos afazeres. Isto é, são percebidos como um lugar de descanso, onde se sai do ambiente profissional. Porém, muitos só podem tomar café nos Cafés ou em

outros estabelecimentos públicos antes de entrarem no trabalho, durante o almoço ou após o expediente. Desse modo, se quiserem tomar café, têm de ser no trabalho, seja enquanto executam suas tarefas, seja ao fazerem uma pausa para tomá-lo. Essa cultura vem sendo adquirida pelas empresas pelos motivos já citados. O mesmo ocorre no Rio de Janeiro, como pode ser visto nessas declarações:

BRASIL 12: No trabalho, entre uma coisa e outra....sempre tem um colega que te chama pra tomar um café....É a hora da pausa, hora de relaxar e de falar ... papear.... Acredito, como assistente social, que o café é um importante agregador.... Ele une as pessoas para um ―cafezinho‖. É uma expressão!

BRASIL 9: No trabalho, geralmente, faço pausas, e converso com as pessoas que estiverem em pausa. Ok, vamos lá... Eu costumo tomar mais café que as pessoas do trabalho; então, na verdade, as duas coisas acontecem. Existe um momento da tarde em que todos fazem uma pausa e eu tomo café com eles. Geralmente, um pouco antes disso, eu tomo café trabalhando, pra espantar o sono do almoço.

Foi verificado que tanto entre cariocas quanto entre alfacinhas o hábito de tomar café acompanhado nos Cafés está presente. Aliás, nenhum carioca disse ir tomar café sozinho nesse tipo de estabelecimento. Quanto a tomar café com amigos, com base nos dados obtidos, esse costume está vinculado aos alfacinhas, seja em Cafés durante o dia e à noite, seja em casa. Como foi visto, os entrevistados cariocas, por sua vez, costumam beber seu café acompanhados mais por colegas de trabalho – em intervalos durante o expediente e depois do almoço. Os resultados não poderiam ser outros, na medida em que, o lugar onde se costuma consumir e com quem se costuma consumir estão correlacionados. Conforme referido anteriormente, o lugar onde os entrevistados cariocas costumam tomar mais café é no trabalho e os entrevistados alfacinhas, em cafeterias.

Todavia, nos fins de semana, alguns dos comportamentos se alteram. De acordo com os dados obtidos e referidos anteriormente, como o consumo de café no Rio de Janeiro está vinculado ao período laboral – quer seja no percurso de ida ou no próprio trabalho, ou ainda, tomado com colegas depois do almoço em restaurantes ou cafeterias próximas ao local de trabalho , nos fins-de-semana o consumo de café em casa e/ou no seio familiar aumentam. O mesmo se sucede com os alfacinhas por serem dias em que torna possível um maior convívio com entes queridos e pessoas próximas.

5.8.1 Diferenças e semelhanças entre cafeterias no Rio de Janeiro e em Lisboa

Os alfacinhas e cariocas entrevistados adquiriram hábitos e costumes pertencentes às suas culturas ( TYLOR, 1871 apud LARAIA, 2006), quer tenha sido por influência direta ou indireta. Como observado na secção 5.4 (Tomar café como meio de socialização), pude constatar por meio das entrevistas que o chope está intrinsecamente associado ao lazer no Rio de Janeiro, como o café em Portugal. Outro fruto das culturas em estudo, são dois dos lugares onde o café pode ser consumido: botequim e Café. Assim como o Rio ficou conhecido pelos seus botequins, Lisboa é conhecida pelos Cafés, sendo ambos entendidos como espaços de convivência e de conversa fiada nas respectivas cidades.

Ainda segundo os dados obtidos, em Lisboa, um Café não apresenta a mesma conotação que no Rio de Janeiro. Na capital portuguesa são entendidos como espaços comuns, onde pessoas se reúnem para um bate papo, enquanto degustam um café e/ou uma outra bebida, a qualquer momento do dia. Todavia, no Rio de Janeiro, as cafeterias estão associadas a sofisticação, charme, a um certo glamour. Neste caso, disponibilizam cafés de qualidade superior, música e decoração renomada; normalmente, proporcionam um espaço para tomar um café da manhã demorado e ―caprichado‖/completo, o chamado café colonial, visando satisfazer às exigências de qualidade e corresponder às expectativas dos clientes. No caso do Rio de Janeiro, é dada atenção a pormenores, como à qualidade do café e às xícaras onde são servidos, havendo sempre a preocupação de se oferecer um serviço diferenciado. Algumas cafeterias no Rio de Janeiro dispõem de wi-fi, tornando o que poderia ser um ―breve‖ momento nesse espaço numa tarde de trabalho, caso, por exemplo, da Starbucks, conhecida tanto pelos cariocas quanto pelos alfacinhas, visto ter filiais nas duas cidades.

Com base na observação e nas entrevistas, verifica-se um menor número de cafeterias nos bairros do Rio de Janeiro onde foram realizadas as entrevistas do que em Lisboa. O que se paga por um café numa cafeteria do Rio, paga um café e duas fatias de bolo nos Cafés ―normais‖ de Lisboa.

Evidentemente, em Lisboa também existem cafeterias com as mesmas características dessas cafeterias sofisticadas, mas não são os Cafés comuns encontrados em cada esquina. Muitas ruas apresentam vários cafés, algumas até ―porta sim, porta não‖, onde são servidos cafés – e não uma lista diversa de cafés – ou uma simples água, refrigerantes, bolos, croissants, salgados, sorvetes, batatas fritas de pacote, cigarros entre outros produtos. Alguns,

recentemente, também começaram a vender pão e/ou a servir refeições (pratos executivos). À noite, as pessoas quando não optam por um café, também conseguem encontrar cerveja nesses estabelecimentos.

Assim, um Café em Lisboa é tudo isso: cafeteria/pastelaria, ―restaurante‖ e ―bar‖. Em Lisboa, é normal as pessoas irem todos os dias ao Café, permanecerem um pouco de tempo conversando, vendo televisão, fumando, lendo jornais ou revistas (que alguns estabelecimentos disponibilizam) ou um livro que levem consigo.Isto é, tomam seu cafezinho e permanecem por mais algum tempo sem pressa; em outras palavras, sem muito compromisso. Como isso é comum, ninguém estranha, nem mesmo o dono. Sabe que é normal você pedir um café, um bolo ou outra coisa e ficar lá mais uns minutos ou até horas. Ao levar em conta essas diferenças culturais, posso dizer que em Lisboa o prazer de simplesmente ir a uma cafeteria parece ser maior do que no Rio de Janeiro.

PORTUGUÊS 1: Olha...as pessoas tomam sentadas na mesa lá dentro ou na esplanada. As pessoas gostam de tomar café na esplanada, normalmente estão acompanhadas, apanham sol, conversam um pouco, veem as pessoas passar... Mas também dá para tomar café no balcão. Por exemplo, as pessoas vão lá, tomam café, comem um croissant... Mas sabes, a Cada Suiça era e é uma pastelaria muito frequentada, famosa...Mas agora não é apenas pasteleria...também é restaurante e gelataria.

CARINA: Ahhh... Marcar de ir tomar café como quem marca tomar chope, não fazem...(risos)

BRASIL 31: (risos) Eu, não.

CARINA: Do tipo "vamos tomar um café?" e aí aproveitam para conversar e tal...

BRASIL 31: Mas tem muita gente que faz isso, não sei. O carioca normal, quando sai do trabalho, não pensa em café com amigos, pensa em uma cervejinha com amigos. Eu acho que é assim...

CARINA: E no fim-de-semana?