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2 ESTADO

2.1 Estado de direito: considerações

2.1.4 O Estado democrático de direito

Streck e Bolzan de Morais (2003) observam que o Estado Democrático de Direito faz uma síntese dos modelos anteriores e acrescentam as condições de possibilidade para cumprir as promessas da modernidade, com o claro objetivo de transformar a realidade, buscando estabelecer a democracia como a realização de valores (igualdade, liberdade e dignidade da pessoa) de convivência humana.

A noção de Estado Democrático de Direito apresenta-se indissociavelmente ligada à realização dos direitos fundamentais. É dessa ligação indissolúvel que emerge o que pode ser denominado de plus normativo do Estado Democrático de Direito.

Portanto, mais do que uma classificação de Estado ou de uma variante de sua evolução histórica, o Estado Democrático de Direito apresenta uma síntese das fases anteriores, agregando a construção das condições de possibilidades para suprir as lacunas das etapas anteriores, representadas pela necessidade do resgate

das promessas da modernidade, como por exemplo: igualdade, justiça social e a garantia dos direitos humanos fundamentais.

Na visão de Reale (2007), o Estado Democrático se caracteriza e se fundamenta no princípio da soberania popular (uma ideia de Rousseau), que impõe a participação efetiva e operante do povo na coisa pública, participação que não se limita na simples formação das instituições representativas, que constituem um estágio da evolução do Estado Democrático e no cumprimento dos ideais de igualdade e liberdade. Portanto, a igualdade no Estado de Direito se funda na generalidade das leis (todos são iguais perante as leis – princípio da igualdade) e na realização do princípio democrático como garantia geral dos direitos fundamentais da pessoa humana.

Nesse sentido, na verdade, o Estado Democrático se contrapõe ao Estado Liberal, pois, como lembra Reale (2007, p. 32):

A idéia essencial do liberalismo não é a presença do elemento popular na formação da vontade estatal, nem tampouco a teoria igualitária de que todos têm direito igual a essa participação ou que a liberdade é formalmente esse direito.

A igualdade do Estado de Direito, na concepção clássica, se funda em um elemento puramente formal e abstrato, qual seja a generalidade das leis. Não tem base material que se realize na vida concreta. A tentativa de corrigir isso, como afirma Reale (2007), foi a construção do Estado Social de Direito, que, no entanto, não foi capaz de assegurar a justiça social nem a autêntica participação democrática do povo no processo político, de onde a concepção mais recente do Estado Democrático de Direito, como Estado de legitimidade justa (ou Estado de Justiça material), fundante de uma sociedade democrática, qual seja a que instaure um processo de efetiva incorporação de todo o povo nos mecanismos do controle das decisões, e de sua real participação nos rendimentos da produção.

O Estado Democrático de Direito, segundo Reale (2007, p. 99), é:

Baseado na soberania popular, no respeito e na garantia dos direitos e liberdades fundamentais e no pluralismo de expressão e organização política democráticas, que tem por objetivo assegurar a transição para o socialismo mediante a realização da democracia econômica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.

A essa noção de Estado se acopla o conteúdo das Constituições, através do ideal de vida baseado nos princípios que apontam para uma mudança no status quo da sociedade. Assim, no Estado Democrático de Direito, a lei (Constituição) passa a ser um instrumento de ação do Estado na busca do alvo apontado pelo texto constitucional.

Para Streck e Bolzan de Morais (2003), o Estado Democrático de Direito representa, assim, a vontade constitucional de realização do Estado Social. É nesse sentido que ele é um plus normativo em relação ao direito promovedor- intervencionista próprio do Estado Social de Direito. Registre-se que os direitos coletivos, transindividuais, por exemplo, surgem, no plano normativo, como consequência ou fazendo parte da própria crise do “Estado Providência” (ou Estado Social).

Observa-se, pois, que o Estado Democrático de Direito se funda na legitimidade de uma Constituição, emanada da vontade popular que, dotada de supremacia, vincule todos os poderes e os atos deles provenientes, com as garantias de atuação livre da jurisdição constitucional.

Dessa forma, é possível apontar alguns princípios norteadores do Estado Democrático de Direito, conforme Streck e Bolzan de Morais (2003, p. 93), quais sejam:

Constitucionalidade: tendo por base a supremacia da constituição, vinculando o legislador e, todos os atos estatais à constituição, estabelecendo o princípio da reserva da constituição e, revigorando a força normativa da constituição, instrumento básico da garantia jurídica; Organização Democrática da Sociedade; Sistema de direitos fundamentais, tanto individuais como coletivos seja como Estado de Distância, por que os direitos fundamentais asseguram ao homem a autonomia frente aos poderes públicos, seja como um Estado antropologicamente amigo, pois respeita a dignidade da pessoa humana e empenha-se na defesa e garantia da liberdade, da justiça e solidariedade; Justiça Social como mecanismos corretivos das desigualdades; Igualdade não apenas como possibilidade formal, mas, também, como articulação de uma sociedade justa; Divisão dos poderes ou de funções; Legalidade que aparece como medida de direito, isto é, através de um meio de ordenação racional, vinculativamente prescrito, de regras, formas e procedimentos que excluem o arbítrio e a prepotência; Segurança e certeza jurídicas.

2.1.4.1 O Estado democrático de direito e a Constituição Federal Brasileira de

1988

Para Reale (2007), a Constituição Federal de 1988 (CF/88) abre as perspectivas de realização social profunda pela prática dos direitos sociais que ela inscreve e pelo exercício dos instrumentos que oferece à cidadania e que possibilita concretizar as exigências de um Estado de justiça social fundado na dignidade da pessoa humana, haja vista que, nos termos da Constituição, o Brasil há de “constituir uma democracia representativa e participativa, pluralista, e que seja a garantia geral da vigência e eficácia dos direitos fundamentais (art.1o); e um sistema de direitos fundamentais individuais, coletivos, sociais e culturais (Títs. II, VII e VIII)”, apontando-se que a CF/88 estabelece em seu artigo 1º que:

A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos à soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais e da livre iniciativa. (autoria, ano, data

De acordo com Leal (2006), o Estado Democrático de Direito, no que se refere ao Brasil, necessita ser pensado e constituído a partir de suas particularidades sociais, culturais e econômicas, pois estas revelam déficits profundos no que se refere ao processo de inclusão social e participação política.

Para Streck e Bolzan de Morais (2006, p. 104-105), “[...] a Constituição de 1998 parte do pressuposto de que o Brasil não passou pela etapa do Estado Social”, uma vez que o Estado Democrático de Direito começa a apresentar as condições de possibilidade para a transformação da realidade, sendo considerado inovador e não meramente uma continuidade dos outros estágios do Estado de direito, ideia esta transcrita a seguir:

[...] a Constituição do Brasil, que determina, no art. 3°, a construção do Estado Social, cujo papel, cunhado pela tradição do constitucionalismo contemporâneo, ‘é o de promover a integração da sociedade nacional’. Integração esta que, no caso brasileiro, deve-se dar tanto no nível social quanto no econômico, com a transformação das estruturas econômicas e sociais. Conforme podemos depreender de seus princípios fundamentais, que consagram fins sociais e econômicos em fins jurídicos, a Constituição de 1988 é voltada à transformação da realidade brasileira (STRECK; BOLZAN DE MORAIS, 2006, p. 104).

Leal (2006, p. 94), em seu posicionamento, ressalta que a Constituição de 1988 em seu Título 1º elenca:

os princípios fundamentais que pautam a organização do Estado e da Sociedade brasileira, deduzindo como fundamentos da República, a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, etc. Essa mesma República tem, como objetivos, a construção de uma Sociedade livre, justa e solidária: garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização, reduzindo as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Dessa forma, a previsão observada na Carta Política Brasileira revela que o constitucionalismo moderno-contemporâneo contemplou duas fases: uma caracterizada pelo Estado Liberal e a outra pela emergência e consolidação dos direitos sociais, oriundos da necessidade de se identificar um novo papel para o Estado. A partir daí, consolida-se uma noção mais consistente de cidadania, valendo registrar que, na lição de Vieira (1999, p. 215), a cidadania4 se desdobra em:

Direitos civis e políticos, direitos de primeira geração, e os direitos sociais, direitos de segunda geração. Os direitos civis, conquistados no século XVIII, são os direitos individuais de liberdade, igualdade, propriedade, de ir e vir, direito à vida, segurança, etc. São os direitos que embasam a concepção liberal clássica. Com relação aos direitos políticos, alcançados no século XIX, concernem à liberdade de associação e reunião, de organização política e sindical, à participação política e eleitoral, ao sufrágio universal etc. São também chamados direitos individuais exercidos coletivamente e acabaram se incorporando à tradição liberal.

Os direitos de segunda geração, os direitos, sociais, econômicos ou de crédito, foram conquistados no séc XX a partir das lutas do movimento operário e sindical. São os direitos ao trabalho, saúde, educação, aposentadoria, seguro-desemprego, enfim, a garantia de acesso aos meios de vida e bem-estar social.

Nesse contexto, é clara a vinculação direta entre a concepção de Estado Democrático de Direito e o dever de concretizar os direitos fundamentais, os direitos de cidadania5, uma realidade que repercute de forma direta na esfera do direito

4 Vieira (1999) trabalha com a abordagem teórica de Marshall sobre os direitos de cidadania. Para

uma percepção aprofundada desse tema, consultar MARSHALL, T. H. Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967.

5 Para Carvalho (2002, p. 9) “O cidadão pleno seria aquele que fosse titular dos três direitos.

Cidadãos incompletos seriam os que possuíssem apenas alguns dos direitos. Os que não se beneficiassem de nenhum dos direitos seriam não-cidadãos”.CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo Caminho. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

administrativo, porquanto a Administração Pública Brasileira deve pautar seus atos no sentido de viabilizar a consecução de tais direitos.