• Nenhum resultado encontrado

3 A OUVIDORIA NO BRASIL

3.3 Ouvidoria pública e a constituição cidadã: do ideal ao

3.3.1 Ouvidorias públicas: instrumento de controle?

Para Gomes (2009), a análise da natureza das ouvidorias públicas brasileiras como instrumento de controle está fundamentada no Direito Administrativo, mais especificamente na Teoria do Controle da Administração Pública e não pode deixar de levar em consideração o âmbito de sua atuação. Desse modo, os estudos do autor sobre as ouvidorias públicas como espaço e instrumento de controle estão focados nas experiências institucionais vigentes que “compõem um extenso mosaico de difícil sistematização” (2009, p. 57), dada a sua complexidade e heterogeneidade que exige estudos profundos de investigação.

Assim, para Gomes (2009, p. 59), a ação de controle exercida pelos ouvidores públicos “constitui um exercício regrado que lhes são atribuídos por força de lei”, pois “toda atividade pública desempenhada pelos Ouvidores Públicos [...] sofre a pressão conformadora do ordenamento jurídico, por meio de comandos contidos nos decretos e leis que regulam suas funções”. Essas funções não se limitam ao desempenho de um dever, uma vez que como todo agente público, os ouvidores “estão investidos de uma parcela, por mais reduzida que seja, do Poder Público”.

O autor tendo esboçado essa estrutura básica para analisar a materialidade das ações de controle exercidas pelos ouvidores públicos, que mesmo limitadas, lhes são atribuídas por força de lei, acentua essa reflexão, deixando claro que, ao partir do “pressuposto teórico que o instituto das Ouvidorias Públicas está encartado no capítulo reservado ao Controle da Administração Pública”, reconhece a ouvidoria pública como um “importante instrumento de controle nascido da democracia brasileira” (GOMES, 2009, p. 79).

Na interpretação de Cardoso (2012), que corrobora com Gomes (20009), há um consenso vigente sobre o conceito, as características e as atribuições de uma ouvidoria pública, o qual se deve ao expressivo processo de difusão desse instituto no Poder Executivo, Legislativo e Judiciário, dos três níveis de governo: federal,

estadual e municipal. Com base nesse argumento, para o autor a ouvidoria pública na atualidade é compreendida como:

um instrumento que visa à concretização dos preceitos constitucionais que regem a administração pública – legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência9– , a fim de que tais preceitos se tornem, na prática, ‘eixos norteadores da prestação de serviços públicos’ (CARDOSO, 2012, p. 88).

Para Cardoso (2012, p. 89), mesmo as ouvidorias não estando expressamente previstas na Constituição, “correspondem à mais bem acabada expressão do princípio da participação do usuário na administração pública, introduzido expressamente no texto constitucional pela reforma administrativa (Emenda Constitucional nº 19/1998)”. Na visão do autor, a ouvidoria pública, juntamente com outros instrumentos de participação cidadã previstos na Carta Magna vigente, “são instrumentos promissores na construção de um país mais inclusivo, social e politicamente” (BRASIL, 2012, p. 98).

Portanto, na avaliação do Cardoso (2012), o impasse hoje vivenciado pelas ouvidorias públicas não diz mais respeito à criação e determinação de suas funções e, sim, de sua operacionalização. Para o autor, a plena efetividade10 da prática social da ouvidoria pública depende do cumprimento de alguns requisitos essenciais, pois a valorização da ética, a adequação do perfil e das habilidades do ouvidor, a clareza de critérios para aferir a efetividade da atuação do ouvidor, a credibilidade da ouvidoria perante os cidadãos e o grau de sua autonomia são elementos fundamentais11. “Sem autonomia, a ouvidoria não se transforma em instrumento de mudança, e a participação do usuário na administração pública fica drasticamente reduzida e, com ela, a cidadania e a democracia” (CARDOSO, 2012, p. 96).

Com base nas reflexões de Gomes (2009) e Cardoso (2012), infere-se que é necessário empreender o desafio de aprofundar estudos analíticos sobre a realidade

9Para o aprofundamento reflexivo dos preceitos constitucionais, interessante consultar o texto de

Rogério Gesta Leal - Estado, administração pública e sociedade: novos paradigmas. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2006. 206 p.

10Efetividade aqui é trabalhada pelo autor como a capacidade de intervir e mudar a realidade social. 11 Para Cardoso (2012), as análises sobre a efetividade da atuação da ouvidoria pública permanecem

uma questão em aberto, tanto pela insuficiência de informações quanto pela ausência de metodologias que permitam essa verificação. Contudo, faz referência positiva a proposta elaborada por Gomes que contempla conceitos, métodos, ferramentas e categorias para aferir a ação das ouvidorias públicas no Brasil, apresentada em palestrada no II Seminário de Ouvidores e Ouvidorias, em comemoração dos 20 anos de ouvidorias no Brasil, promovido pelo Instituto Pró-Cidadania nos dias 22 a 24 de maio de 2006, em Recife, cuja temática foi “Dos mecanismos de controle à promoção da equidade social”.

empírica das ouvidorias públicas para, somente então, desenhar um quadro geral classificatório que possa servir de parâmetro para aferir se esses institutos apresentam resolubilidade aos reclamos dos cidadãos ou apenas legitimam as mazelas institucionais.

O ouvidor geral da União, José Eduardo Romão (2012) complementa o debate desenvolvido por Gomes (2009) e Cardoso (2012), reflexionando acerca do tema da seguinte forma:

as ouvidorias públicas surgem, como novas expressões do Estado Democrático de Direito, com a finalidade precípua de realizar a mediação indispensável entre expectativas e direitos, legitimidade e legalidade, enfim, Democracia e Direito, em cumprimento ao dispositivo no inciso I, do § 3º do art. 37 da CF. É, definitivamente, esse o papel reservado às ouvidorias públicas no Brasil (2012, p. 132).

Na visão de Romão (2012), sem participação social não haveria Estado Democrático e, igualmente, sem democracia não haveria Estado de Direito. Portanto, prossegue o autor, é a Constituição brasileira vigente – razão pela qual é também conhecida como a Constituição Cidadã – a primeira a contemplar expressamente a participação social em seu texto, conforme dispõe o parágrafo único do art. 1º: “Todo o poder emana do povo” e, por esse povo, deve ser exercido diretamente. Assim como está especialmente contemplada, também, no artigo 37, §3º.

Nas reflexões de Romão (2012), esses dispositivos constitucionais citados têm embasado o Estado na institucionalização de diversos instrumentos destinados a viabilizar a participação e o controle social, dentre os quais o autor destaca:

a) as Ouvidorias públicas; b) as Cartas de serviços ao cidadão; c) os planejamentos participativos (PPA, por exemplo); d) os Conselhos gestores e de fiscalizadores de políticas públicas; e) as audiências e as consultas públicas; e, f) as conferências. Todo esse instrumental, à disposição da sociedade, pretende atribuir concretude ao mandamento constitucional que confere ao cidadão a titularidade do poder político (ROMÃO, 2012, p. 130).

Segundo Romão (2012, p.136), o controle social desenvolvido pelas ouvidorias públicas “não pode significar vigilância ou pretensão punitiva”, haja vista não estarem destinadas à apuração de responsabilidades e de ilegalidades apontando culpados. Assim sendo, argumenta Romão, as ouvidorias públicas contribuem para a efetivação do controle social,

quando conseguem fazer com que uma ‘simples’ manifestação a respeito da ‘péssima qualidade’ de um determinado serviço público – que dificilmente terá solução imediata – venha ensejar, pelo menos, duas oportunidades: uma, que o cidadão sinta-se parte, ou melhor, participante decisivo no processo de democratização da Administração Pública; e, duas, que os gestores responsáveis pelo aprimoramento dos programas de realização de direitos compreendam que somente a legitimidade decorrente da participação cidadã pode atribuir efetividade à atuação do Estado” (ROMÃO, 2012, p. 137).

Fica claro, portanto, que para Romão (2012), o controle social efetivado pelas ouvidorias públicas permite que o cidadão seja elevado à condição de “co-autor” das soluções e resultados produzidos no processo de aperfeiçoamento da gestão pública, “integrando-o ao trabalho político-administrativo de combate às ilegalidades e de implementar melhorias que garantam a efetividade das políticas e dos serviços públicos” ( ROMÃO, 2012, p. 137).

Em suma, de acordo com Romão (2012, p. 133), o ponto essencial a se compreender previamente em relação às ouvidorias públicas é o seguinte: “qualquer demanda relacionada à qualidade de políticas e serviços públicos contém, no mínimo, um interesse particular cujo registro e reconhecimento são do interesse de todos os cidadãos”.