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Q UADRO 1 D OCUMENTOS REFERENTES À PESQUISA

1 ESTADO, POLÍTICAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO SUPERIOR: A ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL NOS MARCOS DO NEOLIBERALISMO

1.1 O Estado e a origem das políticas sociais

Uma melhor apreensão da conformação da matéria Assistência Estudantil no contexto macro da educação implica analisá-la enquanto uma modalidade de política social no sentido da permanência dos estudantes na educação superior em instituições públicas na contemporaneidade – o que repõe o debate acerca do papel do Estado e das mutações ocorridas no mundo do trabalho.

Partimos da premissa de que a sociedade se constitui, bem como, move-se na materialidade histórica e que a mesma expressa sua história, desde os tempos remotos aos dias atuais, por meio da luta de classes (MARX; ENGELS, [s/d], p. 21). Cabe destacar que é no decurso do desenvolvimento da sociedade e dos antagonismos de classes que se produz o Estado (LENIN, 2010, p. 26). Com efeito, é no interior da complexificação da sociedade sob a intensificação, em escala global, do modo de produção capitalista que se impõe, cada vez mais, a centralidade da atuação do Estado como instrumento a serviço da conciliação dos antagonismos de classe.

As contradições inerentes ao sistema do capital que se plasmam no interior da divisão social do trabalho sob o imperativo da propriedade privada dos meios de produção, de um lado e, de outro, os explorados que vendem sua força de trabalho ao proprietário dos meios de produção resumem esta forma de sociedade em duas distintas classes e expressam a materialidade de interesses econômicos contrários que acirram os antagonismos de classes e

expõem a natureza do Estado no âmago da sociedade dividida em classes irreconciliavelmente contrárias.

O desenvolvimento das forças produtivas transfiguradas na máquina a vapor e nas máquinas-ferramenta converteram a manufatura na grande indústria moderna, demarcando a revolução industrial, imprimindoum novo modelo de produção para o mercado mundial, sob o comando de uma classe, a burguesia.

O advento da Revolução Industrial subverteu a ordem e a dinâmica sociais até então vigentes a tal ponto de podermos atribuir à mesma a emergência da problemática social que passa ser característica do início dos tempos modernos:

[...] amontoamento, nos bairros mais sórdidos das grandes cidades, de uma população arrancada do seu solo; dissolução de todos os laços tradicionais dos costumes, da submissão patriarcal e da família; prolongação abusiva do trabalho, que, sobretudo entre as mulheres e as crianças, assumia proporções aterradoras; desmoralização em massa da classe trabalhadora, lançada de súbito a condições de vida totalmente novas – do campo para a cidade, da agricultura para a indústria, de uma situação estável para outra constantemente variável e insegura. (ENGELS, 2005, p. 51-52).

Com o aprofundamento do modo de produção capitalista, que por um lado revolucionou os meios de produção com avanços tecnológicos jamais vistos, por outro, expos a condição degradante de vida por meio do trabalho, em escala avassaladora, de milhões de trabalhadores a partir da Europa ocidental. Tal processo desencadeia importantes mudanças na estrutura econômica, expresso por um novo sistema econômico que irrompe fronteiras e adquire caráter internacional, provocando o reordenamento do sistema político dos países centrais do capitalismo,12 ao mesmo tempo, que acirra progressivamente as relações de exploração do capital sobre o trabalho.

Nesse contexto, é que se põe em relevo o protagonismo, a mobilização e organização da classe trabalhadora, no sentido do enfrentamento da questão social.13 No dizer de Netto (2009, p. 19):

Na tradição teórica que vem de Marx, está consensualmente aceite que o capitalismo, no último quartel do século XIX, experimenta profundas modificações no seu ordenamento e na sua dinâmica econômicos, com incidências necessárias na estrutura social e nas instâncias políticas das sociedades nacionais que envolvia.

12 “Os avanços que por ventura tenham ocorrido com a implantação da sociedade capitalista são restritos e relativos, pois mantêm a divisão dos seres humanos entre aqueles que detêm a propriedade privada de capital (propriedade de meios e instrumentos de produção com o fim de gerar lucro) e aqueles que para se reproduzirem e manter suas vidas e a de seus filhos precisam ir ao mercado e vender sua força de trabalho, tendo em troca uma remuneração ou salário” (FRIGOTTO, 2005, p. 62).

13De acordo com Netto (2009, p. 17) “[...] queremos significar o conjunto de problemas políticos, sociais e econômicos que o surgimento da classe operária impôs no decurso da constituição da sociedade capitalista”.

Em consequência, tem-se a centralidade do Estado na relação capital/trabalho que redundou no que se poderia denominar de políticas sociais, estas, em alguma medida, remetem para o processo de ascensão do capitalismo mediante a Revolução Industrial, dos embates do antagonismo de classe e do desenvolvimento da intervenção estatal. Todavia, podemos situar às ações na área compreendida como política social, de maneira sistemática, a partir da passagem do capitalismo concorrencial, fins do século XIX, e os primeiros anos do século XX, que adentra a fase do capitalismo monopolista (BEHRING; BOSCHETTI, 2011).

Sob esta conjuntura, a luta de classes, em sua expressão moderna, em que toma forma no interior do capitalismo concorrencial exacerbando a contradição entre capital e trabalho, impõe como necessidade do capital um plus ao Estado liberal burguês para além de suas funções de garantir a propriedade privada e a subserviência do operariado por meio da repressão. Quanto a isso, destacam Netto; Braz (2010, p. 174):

[...] Estado reivindicado pela teoria liberal: um Estado com mínimas atribuições econômicas; mas isso não significa um Estado alheio à atividade econômica – pelo contrário: ao assegurar as condições externas para a acumulação capitalista, o Estado intervinha no exclusivo interesse do capital (e era exatamente essa a exigência liberal).

Em resposta às novas demandas do modo de produção capitalista, em sua fase monopolista, instaura-se uma nova faceta do Estado burguês, na medida em que assume novas funções e forte presença na área social, atenuando princípios liberais e assumindo contornos na perspectiva da socialdemocracia à maneira da teoria de Eduard Bernstein que, na disputa teórico-política no interior do Partido Social-Democrata Alemão (SPD), era veementemente combatido por Luxemburgo (2010) ao negar a revolução e fazer crer que o capitalismo se tornara um sistema organizado e harmonioso capaz de absorver as demandas dos trabalhadores:

Justamente neste nível dá-se a articulação das funções econômicas e políticas do Estado burguês no capitalismo monopolista: para exercer, no plano estrito do jogo econômico, o papel de ‘comitê executivo’ da burguesia monopolista, ele deve legitimar-se politicamente incorporando outros protagonistas sócio-políticos. O alargamento da sua base de sustentação e legitimação sócio-política, mediante a generalização e a institucionalização de direitos e garantias cívicas e sociais, permite-lhe organizar um consenso que assegura seu desempenho. (NETTO, 2009, p. 27).

Cabe destacar que se trata de uma importante estratégia adotada de modo a obter o

consenso, sobretudo no espaço euro-ocidental, palco em que fora vivenciado a formação e

observar a instauração dos modelos de ação do Estado, a exemplo do denominado Welfare

State.14 Este é tratado em Behring (2011, p. 169) e segundo a mesma em tal conformação de

“Estado” no interior da sociedade dividida em classes e em seus antagonismos, sustenta a seguinte assertiva: “[...] o pacto keynesiano só se viabilizou com a capitulação de muitas lideranças operárias – a exemplo da social-democracia europeia – às demandas imediatas e corporativas, especialmente no setor monopolista”.

Cumpre observar que as mutações sofridas pelo Estado devem ser corretamente compreendidas, no sentido de não estabelecer uma linha evolutiva linear entre Estado liberal e o Estado social15 e que essas facetas do Estado não negavam a ordem burguesa, ainda que se reconheçam os avanços das conquistas na perspectiva da classe trabalhadora. Desta forma, apenas colocava em evidência o fato de que em ambos existe um traço em comum: “o reconhecimento de direitos sem colocar em xeque os fundamentos do sistema capitalista” (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 63). Do mesmo modo, concordamos com a assertiva segundo a qual:

O surgimento das políticas sociais foi gradual e diferenciado entre os países, dependendo dos movimentos de organização e pressão da classe trabalhadora, do grau de desenvolvimento das forças produtivas, e das correlações e composições de força no âmbito do Estado. (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 64).

Devemos salientar ainda que é nessa atmosfera que coexistem e concorrem múltiplos fatores para além do econômico sob o modo de produção capitalista, em seu processo de reprodução, manifestando os conflitos e seus antagonismos de classes, no movimento contraditório e dialético na esteira da história da sociedade marcada pelo sistema do capital. Para tanto, assinala Behring (2011, p. 174): “A perspectiva da totalidade permite compreender o contexto em que se movem as políticas sociais, visualizando uma ação política mais coerente e com maior efetividade prática na conjuntura econômica e política”.

14 Pairam várias controvérsias no concernente à definição, origem e abrangência do conceito de Welfare State. Para fins deste trabalho, entretanto, muito embora não caiba esmiuçá-las, cumpre destacar – no interior das referidas controvérsias – o conceito com o qual trabalhamos. Assim, segundo Behring e Boschetti (2011), a expressão Welfare State surge na Inglaterra (em particular, o modelo beveridgiano) como um sistema de proteção social tendo como objetivo central a luta contra a pobreza. No interior desse sistema, os direitos são universais, sendo, pois, destinados incondicionalmente a todos os cidadãos ou submetidos a condições de recursos, devendo o Estado garantir mínimos sociais a todos em situação de necessidades (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 97). Ainda segundo BOSCHETTI (2006), no Brasil, os princípios do modelo bismarckiano predominam na previdência social, e os do modelo beveridgiano orientam o atual sistema público de saúde (com exceção do auxílio doença, tido como seguro saúde e regido pelas regras da previdência) e de assistência social, o que faz com que a seguridade social brasileira se situe entre o seguro e a assistência social.

15 No caso do Brasil e até mesmo da América Latina, temos a formação de uma rede tardia e precária que põe em dúvida a existência do Estado Social.

Com efeito, para uma melhor elucidação de nosso objeto de pesquisa, qual seja, a Assistência Estudantil, consideramos importante apreender a gênese das políticas sociais no Brasil, o que será feito mediante a retomada do debate sobre sua formação econômica e social levando em consideração a sua inserção no interior da dinâmica do sistema capitalista, a partir dos ditames dos países centrais. “Afinal, não fomos o berço da revolução Industrial e as relações sociais tipicamente capitalistas desenvolveram-se aqui de forma bem diferente dos países de capitalismo central, ainda que mantendo suas características essenciais” (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 71).

É a partir da lógica da expansão de novas áreas fornecedoras de matérias-primas, de modo a fortalecer, diversificar e ampliar o raio de ação dos respectivos espaços mercantis é que situamos o sentido da colonização no Brasil. Desta forma, há um papel claramente definido da economia colonial brasileira e a quem se destina, em outras palavras, subordinação e dependência junto à economia internacional, bem como aos interesses econômicos e políticos dos países imperialistas.16 Tais características, “[...] é possível identificá-las e até observar sua presença ainda nos dias de hoje” (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 72).

1.2 O Estado brasileiro na periferia do capitalismo e a formulação de suas políticas