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O Estado Novo e a consolidação do projecto educativo nacional da ditadura

1.2 Perspectiva histórica do desenvolvimento curricular em Portugal

1.2.2 O Estado Novo e a consolidação do projecto educativo nacional da ditadura

As políticas educativas do Estado Novo procuram institucionalizar uma nova ordem, capaz de conduzir ao ressurgimento nacional e à criação de um estado forte. A

escola, concretamente a primária, é entendida como instrumento de legitimação da nova ordem social e política. Considerada como aparelho de doutrinação privilegia duas dimensões principais, o nacionalismo e a doutrina cristã” (idem, p.181). O aprendente é encarado como depositário de conhecimentos e o professor como detentor de um saber estático, com um papel disciplinador e condicionador. O desenvolvimento cognitivo do aluno não era considerado. O currículo prescrito assume aqui grande importância, desvalorizando-se o processo e metodologias adoptados (vide teoria técnica, modelo de desenvolvimento curricular apresentado por Pacheco, 2001).

Temendo os possíveis efeitos nefastos que uma excessiva escolarização pudesse trazer, o sistema assume, contudo, como prioritária a expansão da escolaridade primária, em termos de frequência, e consequente luta contra o analfabetismo. Para tal, construíram- se escolas e criaram-se postos de ensino nas pequenas localidades. O objectivo da escolaridade obrigatória, entretanto reduzida para 4 anos em 1927 e para três anos em 1930, era ensinar a ler, escrever e contar. Reduzir a escolaridade obrigatória constituiu um primeiro passo para evitar grandes ambições por parte de pessoas que desejassem obter formação superior, intenção bem vincada, mais tarde, no decreto 27 279 de 24 de Novembro de 1936, aquando da reforma do então ministro Carneiro Pacheco, considerando-se que o ensino primário elementar “trairia a sua missão se continuasse a sobrepor um estéril enciclopedismo racionalista (…) ao ideal prático e cristão de ensinar bem a ler, escrever e contar, e a exercer as virtudes morais e um vivo amor a Portugal” (cit. por Teodoro, 2001, p.182).

A simplificação dos programas, a redução da escolaridade obrigatória e a desvalorização do estatuto profissional dos professores, nomeadamente através do recrutamento dos regentes escolares (pessoal docente nomeado pelo ministro), parecem dar razão àqueles que consideram ter-se, nesta altura, nivelado a educação por baixo. O regime acompanhava, agora, as políticas educativas, à semelhança do que fizera a Mesa da

Consciência e Ordens durante os séculos XVI, XVII e XVIII.

Depois de um período de transição, cria-se em 1936 o primeiro Ministério da Educação Nacional e constrói-se um projecto de educação nacional duradouro. Com taxas de escolarização com crescimento anual de 7,2% entre 1930 e 1940, inicia-se um processo de redução significativa da taxa de analfabetismo (Teodoro, 2001).

O ensino liceal oficial mantém-se, porém, na década de 30/40 com níveis de inscrições limitados, em consequência de fortes medidas restritivas impostas pelo governo: exames de admissão e limite de turmas nos liceus de todo o país.

O período pós-guerra marca, agora, a era da industrialização. O aumento demográfico e o crescente fluxo migratório do meio rural para o urbano vão, progressivamente, transformando a sociedade portuguesa. As políticas educativas traduzirão essas mudanças. A formação de recursos humanos qualificados, que dêem resposta ao desenvolvimento económico e industrial do país, acrescenta-se à antiga concepção de ensino unicamente preocupado com a doutrinação ideológica e de controlo. Destacam-se, neste período, a Reforma do Ensino Técnico e Profissional de 1948, o Plano de Educação Popular de 1952.

O Plano da Educação Popular, decreto 38 968 de 27 de Outubro de 1952, promovido pelo então ministro Pires de Lima, pretende tornar exequível o princípio da escolaridade obrigatória (3 anos) e ainda diminuir a taxa de analfabetismo na população adulta. Para o cumprimento da escolaridade obrigatória, o plano estabelece um conjunto de medidas altamente penalizadoras para os que não matriculassem os filhos na escola, das quais destacaríamos a perda do abono familiar e a interdição na admissão para a função pública para os que não viessem a completar a escolaridade obrigatória. Estas medidas, a par de uma melhor regulamentação e funcionamento dos serviços de matrículas e de recenseamento, produzirão efeitos significativos. Como nos afirma António Teodoro, “em 1955, podia afirmar-se, pela primeira vez na história portuguesa, que praticamente todas as crianças entre os 7 e os 11 anos de idade frequentavam a escola primária” (Teodoro, 2001, p.207). Enfim, 120 anos depois de decretado o princípio da obrigatoriedade escolar pelo governo de Rodrigo Fonseca Magalhães, em 1835.

1.2.3 O declínio da Educação assente em valores nacionalistas e cristãos

A massificação da educação e o alargamento da escolaridade obrigatória para 4 anos (decreto 40 564 de 31 de Dezembro de 1956) tentam, disfarçadamente, dar resposta à crescente procura do ensino por parte da população.

Considerada percursora, face ao que se viria a preconizar na Reforma de Veiga

Simão (1973), a política educativa implementada por Francisco Leite Pinto, ministro da educação entre 1955 e 1961, previra já o aumento da escolaridade obrigatória para 6 anos, o que acabaria por acontecer em 1964, e a modernização das práticas docentes e dos conteúdos de ensino. De referir que estas intenções não foram, na sua generalidade ou

essência, concretizadas por óbvia falta de apoio político. O regime continuava a revelar-se manifestamente incapaz de se regenerar.

O ano de 1962 marca a entrada do novo ministro Galvão Telles. O Estatuto da Educação Nacional, principal projecto a que meteu ombros este ministro “vai representar a derradeira (e falhada) tentativa de enquadrar a crescente procura social de educação nos valores nacionalistas e cristãos que enformaram ideologicamente todo o longo período do Estado Novo” (Teodoro, 2001, p.214).

Na década de 60, o fim do isolacionismo português face à comunidade internacional, de que é exemplo a participação no Projecto Regional do Mediterrâneo (1964), as mudanças sociais verificadas, consequência sobretudo da industrialização, crescimento económico e emigração, a guerra colonial e a queda de Salazar, da cadeira e do poder, anunciam o declínio de um regime que, durante quase meio século, se preocupara em fazer da escola um instrumento de regulação social ao serviço do regime.

O ano de 1973 apresentar-se-á como ponto de viragem da educação em Portugal. Efectivamente, com a Reforma de Veiga Simão (lei 5/73) institui-se a educação pré- escolar, prolonga-se a escolaridade obrigatória dos 6 para os 8 anos, promove-se a polivalência do ensino secundário, diversifica-se o ensino superior e faz-se um enquadramento da formação profissional e da educação permanente. Em suma, depois de décadas sob o jugo de uma ditadura castradora, consagra-se o princípio da democratização do ensino.

Pretendendo acompanhar as tendências de outros países europeus, uma das principais metas estabelecidas pela Reforma de Veiga Simão passava, efectivamente, pelo alargamento da escolaridade obrigatória para os 8 anos, dividida em dois ciclos de 4 anos. Em ambos os ciclos, todos os alunos passariam a seguir o mesmo plano de estudos. Todavia, as preocupações centravam-se agora não na quantidade (massificação) do ensino, mas na qualidade. Os tempos tinham mudado, era urgente modernizar a escola. Nela já não se encontrava uma massa amorfa de alunos. Importava, pois, valorizar mais o processo de aprendizagem do que a instrução e a simples transmissão de conteúdos. O currículo apresenta-se, agora, mais como uma hipótese de trabalho (teoria prática do desenvolvimento curricular). Tratou-se de um momento inovador que mexeu com as finalidades da educação em Portugal.

O arrojo destas reformas, quiçá demasiado progressistas para a época, e as convulsões políticas, que se lhe seguiram, comprometeram a implementação destas novas políticas educativas. Contudo, o mérito da Reforma de Veiga Simão é reconhecido quer na

forma como se concebeu, num debate aberto e participativo, quer nas medidas propostas. Segundo (Teodoro, 2001, p. 278). esta reforma “representou um período de mobilização de vontades (…). Mas significou também, até pelos seus limites e contradições, o tornar bem visível para a sociedade portuguesa o completo esgotamento da forma política organizativa do Estado Novo”.