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Pelo fato de ser o diploma legislativo atualmente em vigor que regula a maior

parte da matéria, o “Estatuto do Desarmamento” será tratado em capítulo a parte, infra.

Não obstante, pode-se fazer aqui alguns comentários sobre o que levou à aprovação da

Lei, isto é, suas causas imediatas.

Na acuradíssima lição de Liliana e Luis Felipe SILVA, o Estatuto do

Desarmamento surge num momento de apelo social, de dramáticas pressões de

vítimas da violência, apontando-se o desarmamento legal como solução para o

combate à violência.

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Alguns meses antes da aprovação da Lei, em setembro de 2003, a REDE

GLOBO DE TELEVISÃO promoveu a “Caminhada Brasil sem Armas”, no Rio de

Janeiro, com a participação de mais de 40.000 pessoas, incluindo políticos e

personalidades. Esse evento teve sua repercussão nacional exponencialmente elevada

pela veiculação de imagens da caminhada na novela das 8 da referida emissora, o

horário mais nobre da televisão brasileira.

A cultura do medo foi disseminada pelo país, levando a sociedade a

ingenuamente exigir e apoiar a edição de leis penais mais rigorosas, um verdadeiro

Direito Penal do Terror. Conforme nos lembra THUMS:

“O império de Roberto Marinho também contribuiu com seu poderoso

exército eletrônico para criar um clima no país favorável à legislação do

desarmamento. Fatos corriqueiros e até cenas de novela foram palco de

maximização do problema da posse de armas por civis, desenvolvendo a

cultura do medo

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”.

Não cabe aqui fazer considerações sobre a total ineficiência das medidas

antiarmas no controle da violência, o que será feito no item 4.13, infra. Contudo,

deve-se atentar para o esdeve-se papel preponderante que mídia teve na aprovação do Estatuto,

manipulando informações desencontradas e levando a sociedade a conclusões

30

SILVA, Liliana Buff de Souza e; SILVA, Luis Felipe Buff de Souza e. Breve Histórico... op.cit. p.45-46.

apressadas, como se a aprovação da Lei tivesse o condão de acabar com o crime, um

verdadeiro disparate.

Nesse ambiente de medo, insegurança, revolta e dor das vítimas e parentes de

vítimas da violência urbana, o Congresso Nacional apressadamente aprovou a Lei

10.826/03, como o “santo remédio” apto a acabar de uma vez por todas com a violência

urbana.

No pensamento acurado de BRITO,

Os legisladores, rendendo-se à pressão sensacionalista de alguns

meios de comunicação, não souberam ou não quiseram estabelecer uma

norma que respeitasse não só os princípios constitucionais como a presunção

de inocência ou individualização da pena, mas também alguns cânones do

Direito Penal como os princípios da lesividade, proporcionalidade e

fragmentariedade.

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Nesse sentido, o Estatuto do Desarmamento nada mais é do que um fruto do

“Direito Penal do Terror”, que encontrou terreno fértil para prosperar no Brasil. Leis

penais são feitas “a toque de imprensa”

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, ao sabor da pressão midiática e social, esta

influenciada por aquela, sem o necessário debate e amadurecimento jurídico.

Com penas desproporcionais à gravidade dos crimes e proibição de benefícios

processuais como fiança e liberdade provisória, pode-se dizer que por pouco o porte de

armas não foi alçado ao nefando rol dos “crimes hediondos”. Uma vez mais, o legislador

apostou na malfadada função de prevenção geral negativa da pena, como se o

recrudescimento das penas de certos delitos tivesse como resultado imediato a redução

de sua incidência na sociedade.

Contudo, esse raciocínio há muito já se provou absolutamente falso, conforme a

melhor doutrina penal. Segundo o magistério do mestre CIRINO DOS SANTOS, “a

ameaça penal é absolutamente irrelevante no Direito Penal instrumental, cujo objeto é

delimitado pela criminalidade comum”.

34

Nessa esteira, afere GARCIA que a quantidade de pena prevista atualmente é

exatamente o dobro daquela que foi cominada apenas seis anos antes da publicação

32

BRITO, Aléxis Augusto Couto. Estatuto... op.cit. p.1.

33

Expressão do professor Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, em prefácio à mais recente obra do professor Rogério

Tucci, Teoria do Direito Processual PenalJurisdição, Ação e Processo Penal (RT, 2002, p.17).

34

CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Teoria da Pena: fundamentos jurídicos e aplicação judicial. Curitiba: ICPC/Lumen

Juris, 2005. p. 30.

do Estatuto, com a edição da Lei 9.437/97, tempo insuficiente para justificar o brutal

aumento ocorrido, já que a conduta não poderia, nesse curto período, ter merecido

tamanho acréscimo de reprovabilidade pela sociedade.

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Acrescentam GOMES e OLIVEIRA que a inexperiência da Administração Pública

em lidar com o delicado problema da violência dá ensejo ao surgimento de políticas

criminais simbólicas, pouco efetivas, fulcradas no movimento da “lei e da ordem” (o que

significa aumento de penas, novos tipos penais, endurecimento da execução, quebra

de direitos e garantias fundamentais etc.), como se a lei fosse isoladamente a

solução

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.

Em suma, o que o Estatuto do Desarmamento fez foi elevar consideravelmente

as penas dos crimes relativos às armas de fogo, proibir alguns benefícios processuais e

restringir de tal forma a autorização para o porte que, na prática, pode-se dizer que não

mais existe a possibilidade de um cidadão comum andar legalmente armado.

Para finalizar esse primeiro contato com o Estatuto, não é exagero dizer que a

10.826/03 é uma Lei absurda, descabida, mal redigida, com penas recrudescidas ao

extremo, em total descompasso com o arcabouço jurídico-penal pátrio e inconstitucional

em muitos aspectos, como adiante se verá.

Vale lembrar ainda que justamente para combater esse movimento legislativo de

emergência, que cria novas figuras típicas absurdas, exaspera penas e restringe

direitos e garantias processuais surgiu o “Movimento anti-terror”, do qual fazem parte

grandes nomes de nossa Casa, como Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, Juarez

Cirino dos Santos e René Ariel Dotti.

35

GARCIA, Roberto Soares. Estatuto do Desarmamento: um tiro “na mosca”; outros, no próprio pé. In: DAOUN,

Alexandre Jean. Estatuto... op.cit. p.163-164.

4. O Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/03)

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